Por que a falta de alta cultura cria o ciclo de pobreza?

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Dizia Von Mises que é a vontade humana que gera todas as demandas econômicas, tanto que o seu livro mais importante se chama justamente Ação Humana. Qualquer meia dúzia de exemplos cotidianos tira qualquer dúvida a respeito de uma tese tão óbvia. Por exemplo, quantos objetos você comprou porque efetivamente precisava ou porque simplesmente queria?

Mesmo entre os objetos puramente utilitários, por que ele foi comprado num lugar e não em outro? Por que uma marca e não outra? Todas as suas motivações ao comprar um objeto qualquer são puramente utilitárias e racionais? É evidente que não, nenhum ser humano é uma máquina. Basta olhar para a roupa do seu armário para se convencer disso.

Então, todas as demandas de uma economia, no fim das contas, dependem daquilo que preenche o imaginário das pessoas daquela sociedade. Por exemplo, aqui no Brasil pouca gente consome música tradicional alemã específica de algum pequeno vilarejo. Por outro lado, todo mundo consome algum tipo de produto que é praticamente onipresente em todos os imaginários, como é o caso do arroz, que vou retornar daqui a pouco.

Catedrais, universidades e produtos de luxo

A alta cultura é tudo aquilo que de melhor se produz numa sociedade, como sempre ensina o Prof. Olavo de Carvalho. Se não há ninguém almejando a conquista de bens superiores, sejam eles materiais, intelectuais ou mesmo espirituais, só há demanda de mercado para bens baratos e corriqueiros. Qualquer coisa fora desse pequeno grupo restrito de produtos está fadado ao fracasso comercial.

Inclusive, o próprio desejo por uma vida espiritual mais elevada é justamente o que criou as imensas e inúmeras catedrais da Europa medieval. Você já parou para se perguntar quanto custou erguer uma Notre Dame? Quantos anos levou para a construção ficar pronta? Quantas famílias de operários foram sustentadas pelo dinheiro que foi investido na construção de uma dessas catedrais?

No fim das contas, até mesmo quando se almeja a superioridade espiritual a prosperidade econômica acaba florescendo. O mesmo vale para os anseios intelectuais. Todas essas universidades que existem no mundo fomentam toda a economia do local onde estão instaladas. Sem contar a indústria editorial, os cursos e as associações.

Já a busca pela superioridade material cria artigos de alto valor agregado, como relógios de alta complexidade e carros de luxo. Uma sociedade que enxerga o mesmo valor num relógio chinês de 10 reais e numa obra de engenharia mecânica suíça de 100.000 reais – afinal ambos servem para marcar a hora, está fadada a ter que produzir somente relógios de 10 reais. Acontece que um artesão que faz partes para um relógio de 100.000 ganha muito mais que um que produz milhares de relógios de 10. Logo, relógios de 100.000 reais colocam muito mais riqueza em circulação do que os de 10.

Horizonte de consciência e riqueza

Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado não somente à qualidade, mas também à quantidade das opções disponíveis no mercado. Quando o horizonte de consciência de uma sociedade é estreito, os seus membros vislumbram menos possibilidades de ação.

Isso significa que o processo criativo é altamente prejudicado pela ausência de alta cultura porque as pessoas só conseguem conceber alguns modelos de vida muito específicos. Em outras palavras, não há espaço para muitos nichos de mercado.

Isso só ocorre por causa de fatores culturais. Enquanto gringos fazem conteúdo bem sucedido para coisas impensáveis. Outro dia mesmo, vi o caso de uma mulher ganhando 10 mil dólares por mês com um blog sobre solos para aquelas plantinhas que se chamam suculentas. Ela fazia esse dinheiro vendendo saquinhos de terra. E existem milhares de coisas parecidas com essa. Já aqui tudo recai em duas ou três categorias da moda.

Um outro exemplo, ainda existe uma quantidade enorme de sites ativos em inglês tratando de fotografia analógica. Aqui no Brasil existem poucos (o meu é um deles) e é quase impossível crescer porque não existe gente suficiente buscando temas relacionados a assuntos laterais. Praticamente todas as buscas relacionadas à fotografia recaem em algo do tipo ‘como fazer fundo embaçado com iPhone’.

Quem trabalha com tráfego orgânico sabe bem do que estou falando. Todos os termos de busca se concentram em meia dúzia de termos genéricos. As chamadas buscas longtail, que são as chaves com complementos, não existem em português. Por conta disso, existe muita gente produzindo conteúdo parecido acumulado nessa meia dúzia de termos de pesquisa, o que acaba criando um monopólio dos sites maiores. O mesmo tem ocorrido no YouTube e no Instagram.

O fato é que o brasileiro não costuma conseguir imaginar coisas novas. Ele vive só das tendências do momento, e isso impacta o mercado negativamente porque existem raríssimas oportunidades inexploradas que os pequenos empreendedores podem pegar para começar sem uma concorrência muito grande. Isso cria uma barreira enorme para quem quer começar a empreender, porque é preciso chegar competindo com quem já está no mercado há muito tempo ou tem muito dinheiro.

Nesse ponto, a estreiteza cultural mata as chances de prosperidade da grande maioria das pessoas, já que pouca gente estará disposta a encarar uma missão suicida dessas. Uma coisa, pra mim, parece incontestável. Onde não há criatividade do público não adianta ter a criatividade do empreendedor.

Num mercado como o brasileiro, é praticamente impossível lançar um produto inovador organicamente porque as chances de alguém estar buscando a solução que o produto oferece são mínimas. Esse é um outro sintoma da deficiência cultural.

O brasileiro tem muita dificuldade em identificar os seus problemas e mais dificuldade ainda em colocá-lo textualmente numa frase concisa. Como alguém pode procurar uma solução numa pesquisa de Google desse jeito? Aliás, quantas pessoas você conhece que sacam o celular do bolso pra procurar uma resposta pra um problema qualquer? Conheço pouquíssimas. A única função que a mente brasileira concebe pro celular é piada e putaria no Whatsapp.

Isso tudo que eu estou dizendo pode ser facilmente verificado nos mercados locais, também. Por exemplo, já reparou que não existem mais mercados pequenos? Todas as pessoas tendem a se aglomerar nos mesmos hipermercados ou nas lojas com marca consagrada. O brasileiro evita o pequeno comércio, especialmente o local.

A falta de cultura dificulta a saída de crises econômicas

No fim das contas, a falta cultura quer dizer faltas de opções. Por exemplo, toda cultura desenvolvida possui uma culinária rica, com muitas combinações de ingredientes e modos de preparo. Veja a culinária europeia. Além da grande variedade de receitas, muitas delas são feitas com algum tipo de coisa que já foi considerada comida estragada. Imagina alguém comendo um queijo mofado por falta de opção. O queijo gorgonzola, com toda certeza, salvou alguém da fome em algum momento de miséria extrema.

Só que esse tipo de descoberta acaba culturalmente incorporada e passa a se tornar uma opção corriqueira. Uma outra característica da culinária europeia é que praticamente tudo se aproveita. Existem muitas receitas com miúdos de açougue, por exemplo. Esses pratos são a arte de transformar coisas que seriam jogadas fora em comida apetitosa. Pensando por esse lado, essa é uma excelente estratégia de sobrevivência, já que amplia muito a quantidade de comida disponível durante as crises de abastecimento, e nem é preciso fazer sacrifício pra continuar alimentado.

Um exemplo bem típico que posso dar atualmente, aqui no Brasil, tem a ver com a subida do preço do arroz. Praticamente foi instaurado o pânico porque o preço subiu quase 40% em poucos meses. O problema aqui é o de sempre, a estreiteza mental. Praticamente 100% de toda a culinária brasileira, todos os dias, sem exceção, consiste em arroz cozido.

No Brasil simplesmente não se come outra coisa no almoço. O prato comum do brasileiro é incrivelmente entediante. Isso advém, justamente, da estreiteza mental. O Brasil não desenvolveu uma culinária ampla que use todos os recursos que tem disponível. Por exemplo, quantas receitas brasileiras requerem longo de tempo de cura como os embutidos ou queijos europeus? Aqui tudo é praticamente alguma coisa fresca cozida. Isso é a culinária brasileira.

Com toda certeza, vai aparecer gente com aqueles ufanismos com relação à maravilhosa culinária brasileira. Meu amigo, o brasileiro varia um pouquinho só de fim de semana e olhe lá. Aliás, o prato do fim de semana é sempre o mesmo, que é o churrasco. Sempre preparado exatamente da mesma maneira e pela mesma lógica. Um ingrediente simples colocado no fogo.

O maior problema disso é que quando surge uma crise de abastecimento, toda a população é atingida frontalmente. Ao invés de se perguntar o que poderia substituir o arroz para derrubar a demanda e normalizar o preço, começa-se a inventar toda sorte de artifícios econômicos para reduzir o preço artificialmente. Não me espantaria implementarem um controle de preços em breve.

Numa sociedade em que as pessoas se alimentam de coisas mais variadas, isso nem seria muito problema. Naturalmente, os pratos cotidianos mais caros seriam trocados por outros mais baratos e o problema se resolveria normalmente.

É óbvio que, também aqui neste ponto, a estreiteza cultural cobra o seu preço. Como não há uma alta cultura brasileira que explique corretamente os mecanismos de mercado, as soluções que os brasileiros conseguem pensar para o problema também são sempre obtusas. Por isso, a única coisa que se pode esperar da economia brasileira é o desastre.

Aqui caberia, também, a demonstração cabal de como o positivismo é uma forma bem eficaz de suicídio, mas acho que já deu pra pegar o ponto e o artigo tá ficando muito longo.

No fim das contas (e sem nenhuma novidade), a falta da alta cultura é a destruição total de uma sociedade, não só espiritual, mas também material. E é justamente por isso que o Brasil sempre vai ser pobre. Por desprezar tudo o que é elevado, a religião verdadeira, a arte, a literatura é que se vai passar fome, e não o contrário.

Fábio Ardito

Pelo mundo atrás de treta.

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