A falta de assunto. Esse é o problema, e é por isso que faz um tempo que não fotografo mais. Aliás, estive pensando sobre isso esses dias, e a minha conclusão foi que cometi um erro fundamental quando resolvi entrar na fotografia: falar de fotografia.
O meu antigo blog, o Vamos Tirar Foto, foi criado com o intuito de divulgar o meu trabalho como artista. Só que não deu tão certo assim. No auge, cheguei a ter mais de 2000 visitas num único dia. Porém, o meu trabalho mesmo nunca decolou. Isso ocorreu porque o assunto do blog era fotografia e todas as suas facetas e técnicas. Apesar de os assuntos de maior sucesso terem mais a ver com composição do que com as técnicas em si, o assunto mesmo não era sobre as coisas que eu queria tratar.
Esse foi um dos motivos de mover todo o conteúdo pra cá, afinal o fabioardito.com é sobre… o Fábio Ardito. E se você der uma passeadinha pelo site, vai ver que os assuntos são bastante diversos, mas todos giram em torno de filosofia e cosmologia. O grande problema é: como expressar isso tudo através da fotografia? E acho que esse é o problema que quase todo fotógrafo artístico hoje em dia precisa enfrentar, que é dar um jeito de repassar algo profundo através de imagens.
E, sejamos sinceros. É a possibilidade de fazer fotos bonitas que atrai todo mundo para a fotografia, e a tecnologia popularizou isso formidavelmente. Dá pra fazer coisas legais com praticamente qualquer celular e, se você tem condição, pode comprar uma boa câmera ou até mesmo se aventurar com as analógicas. Ou, ainda, pode gastar uma grana viajando e fotografando lugares exóticos, etc. Tudo isso é possível e muita gente vive disso. Porém, o assunto é o assunto, e dificilmente a gente vê alguém dizendo ‘ah, eu comecei a fotografar porque eu queira falar desse assunto importante aqui com as pessoas’ ou ‘eu descobri esse negócio importante aqui e achei que a fotografia seria uma forma de contar para todo mundo’. Note que as pinturas clássicas foram feitas para comunicar coisas transcendentais, e é por isso que elas estão vivas até hoje.
Inclusive, tenho reparado uma coisa de uns meses pra cá. Gente que eu tinha na minha máxima estima como fotógrafos – especialmente o trio inglês Danson, Tucker, Talibart; hoje já não me empolgam mais. A razão é simples: tédio. Os assuntos que eles exploraram são bastante limitados. Dos três, talvez o caso mais óbvio seja a Rachel Talibart. Aquelas fotos incríveis do mar são todas… fotos incríveis do mar. O assunto é esse, e só esse, e ele não parece tão longo ou profundo assim, especialmente pelo modo como ela o explora.
O restante do Instagram vai na mesma pegada. A fotografia em 2022 vive do mesmo problema da Praça é Nossa: a repetição infinita de esquetes superficiais batidas milhares de vezes. Fotos de flores, lugares bonitos, castelos da Itália… milhares, milhares e mais milhares. Os mesmos stories, o mesmo feed e o mesmo jardim.
Porém, nada disso é de se espantar, visto que reflete apenas a estreiteza cultural do nosso tempo. Onde está o que o Mortmer Adler chamava de A Grande Conversa nos dias atuais? Isso ainda existe?
A Grande Conversa (ou The Great Conversation), segundo a Encyclopaedia Britannica, significa o processo contínuo de escritores e pensadores referenciando, construindo e refinando o trabalho de seus predecessores. Claro que Adler se referia à literatura, mas isso se aplica a qualquer uma das artes do espírito, entre elas as artes visuais. O que temos feito para tornar a nossa conversa grande? Porque, até o momento, a fotografia tem sido somente a véia fofoqueira no canto do museu, com seus assuntos irrelevantes.
A fotografia, especialmente por ser uma arte muito moderna, carece de uma continuidade com uma tradição mais antiga. E ela será somente o hobby de um monte de gente ou o ganha-pão de influencers se não entrar na Grande Conversa. Existe gente que conseguiu fazer algo grande, no sentido do Adler. Talvez o caso mais notável seja o Sebastião Salgado, e isso é justamente o que explica o seu sucesso. Salgado é um mestre não só pela técnica apuradíssima, mas por seu trabalho fazer parte de uma cena cultural bem mais ampla e, principalmente, profunda.
Entretanto, se a gente der uma olhada em volta, vai notar que todas as artes passam pelo mesmo problema, não só a fotografia. O século XX foi onde a humanidade começou a se despregar da realidade, onde o ideal Kantiano culminou no Metaverso, que é uma tentativa embrionária de criar a Matrix. Com isso, nós ficamos presos à uma realidade carnal e meramente emocional, onde bater o dedo numa quina significa que bater a ilusão de um dedo na ilusão de uma quina, mas que só a dor é real. Acabamos perdendo qualquer conexão profunda, e principalmente íntima, com o cosmos.
As culturas antigas tinham plena noção dessas coisas. A mitologia tratava justamente de traçar essas conexões, e é por isso que, no mundo antigo, toda arte era litúrgica. E isso, conforme defende o Jonathan Pageau, e eu só posso concordar, é uma verdade. Toda arte verdadeira tem que ser litúrgica, porque ou ela expressa essa ligação direta com o cosmos ou é só uma frescura de Instagram. Uma vaidade pras pessoas acharem que são talentosas.
E, litúrgica, pra deixar o ponto muito bem esclarecido, quer dizer a parte estética de um rito que conecta as pessoas com o cosmos. É por isso que a parte central e mais importante do catolicismo é justamente a liturgia, porque é ela que conecta os fiéis ao logos divino, ou seja, ao íntimo do cosmos. Seja da religião que for – e ateísmo é uma religião, você deve entender onde quero chegar com isso.
Ou os fotógrafos aprendem a entrar na Grande Conversa, ou o negócio nunca vai passar disso. Foi o que defendi naquele artigo sobre Fotografia Fineart, mas não com essas palavras porque ainda não me era tão claro assim. Porém, o trabalho é árduo e precisa ser feito.
E é por isso que não fotografo mais faz um tempo. Porque ainda estou procurando um jeito de entrar com a minha Pentax na Grande Conversa. Quando conseguir, vocês ficarão sabendo.