A regra dos terços
Sempre que procuramos qualquer coisa sobre a regra dos terços, imediatamente vemos aqueles tutoriais que ensinam a dividir a imagem em três partes horizontais, três verticais, etc. Mas isso é só o modo mais banal e mecânico de aplicar uma regra muito mais geral e sutil da natureza.
A verdade é que se você entender bem o que essa regra está explorando, você vai começar a ter superpoderes na hora de fotografar porque estará destravando o poder das simetrias da natureza.
Essa história de regra dos terços começa com o conceito de simbolismo. Na concepção moderna, simbolismo tem uma conotação de analogia, apenas uma ligação metafórica entre duas coisas. É muito comum o uso de expressões do tipo ‘ato simbólico’, que querem dizer apenas ações sem efeitos, que respeita apenas formalidades.
Porém, na realidade, o simbolismo significa a equivalência real entre aspectos comuns de coisas diferentes. Por exemplo, existe um simbolismo do triângulo, e todas as coisas que possuam propriedades triangulares necessariamente obedecerão a certas regras que os próprios triângulos estão sujeitos. Então, o símbolo “triângulo” contém em si próprio a mesma realidade que outras coisas que também possuam semelhanças com triângulos.
Por conta de realidades que se manifestam em coisas muito diferentes e aparentemente desconexas é que o simbolismo acaba recebendo uma conotação exotérica. Porém, a realidade é que esse é um fenômeno completamente comum e ordinário. Acontece que a mentalidade contemporânea materialista não admite as relações supra-materiais que os símbolos existem, e aí esse assunto acabou jogado de lado. Então vamos ao exemplo prático.
O simbolismo do número 3
Existe uma simetria interessante no universo, que foi objeto de estudo do físico croata Nikola Tesla. Vamos partir do número 1, e dobrá-lo. Então temos 2. Agora vamos dobrar o 2, teremos 4. Dobrando o 4, 8. Dobrando 8, 16; mas se reduzirmos o16 a um único número, teremos 1+6=7. Dobrando 7, temos 14; reduzindo temos 5. Dobrando 5 temos 10, reduzindo temos 1, e voltamos ao ponto de partida. Então, a seqüência de números reduzidos seria 1, 2, 4, 8, 7 e 5. Reparou que existem três números que não entram nessa seqüência? Eles são o 3, o 6 e o 9, todos múltiplos de 3.
Segundo o simbolismo de Tesla, os números 1, 2, 4, 8, 7 e 5 representam as coisas físicas e o 3, 6 e o 9 representam as metafísicas, ou seja, aquelas coisas que estão por trás dos entes materiais e que são as relações entre eles. Ainda, podemos pensar na seqüência 1, 2, 4, 8, 7, 5 como a das coisas banais e óbvias, e a do 3, 6, 9 como as que movem essas coisas e as ordenam. Lembra que eu disse do plano ontológico que existe acima do material? É disso que o Tesla está falando. Ele está usando um aspecto dos símbolos 3, 6 e 9 que representam uma determinada ordem no mundo material e que, portanto, possui as mesmas propriedades. Então, conhecendo as propriedades do símbolo, passamos a conhecer as propriedades de ordenamento dos objetos no mundo.
Nesse sentido, veja como tem uma lógica bem simples a aparente entre 3, 6 e 9 e um aparente caos entre os demais. Portanto, é de se esperar que tudo o que seja distribuído num padrão 3, 6, 9 seja harmonioso.
Mas não termina aí, esses números também estão presentes nas formas geométricas. Por exemplo, um círculo tem 360°, 3+6+0=9. Meio círculo tem 180°, 1+8+0 = 9. Um quarto de círculo tem 90°, portanto 9+0=9. E por mais que dividamos o círculo, a soma dos algarismos do ângulo resultante sempre será 9. Para Tesla, 9 representaria o ponto de equilíbrio do universo.
Mas, o importante aqui é o seguinte, independentemente dos números em si, o que eles fazem é representar coisas, e essas relações entre 3, 6 e 9 representam simetrias fundamentais da natureza, de modo que sempre que elas se manifestem, haverá a sensação de harmonia. Indo um passo adiante, 6=3+3 e 9=3+3+3, então tudo o que é transcendental acaba se reduzindo ao número 3.
Para se ter uma ideia de como isso é importante, o conceito de uma realidade trina é presente em muitas culturas, desde a védica até a cristã. Por exemplo, na filosofia ocidental tradicional, o homem é considerado um micro-cosmo trino, composto por corpo, alma e espírito. Do mesmo modo, Deus possui três partes que são o Pai, o Filho e o Espírito Santo; e por aí vai. Ou seja, todas essas coisas, do mais banal dos objetos até Deus, seguem os mesmos princípios, que são o reflexo da própria criação e da perfeição divina.
Não digo essas coisas por questão religiosa, mas para que você entenda que existe uma realidade por trás do número três e de como as coisas acabam refletindo essa ordem transcendental quando usamos esse fato. Existem cosmologias inteiras baseadas nesse fato. Não pense que isso tudo é falatório de um livrinho de fotografia que você comprou na internet, existe toda uma ciência do simbolismo dos números, e um dos expoentes desse assunto é um brasileiro, o filósofo Mário Ferreira dos Santos. Outros estudiosos do simbolismo, como o físico Wolfgang Smith, vão tão longe a ponto de dizer que a ideia de uma realidade tripartida faz parte de todas as culturas humanas.
O terço e os múltiplos de 3
Para entender a relação entre os múltiplos de três e a divisão de objetos na fotografia, precisamos recorrer ao conceito de frações. Então, 1×3=3, 2×3=6 e 3×3=9. Se dividirmos tudo por 9, então terminamos com 1/3, 2/3 e 3/3. Daí é que vem a regra dos terços. Se dividirmos a foto em três partes, uma representa o 3, a outra o 6 e a outra o 9.
A mesma regra se aplica tanto na horizontal quanto na vertical, e é por isso que as linhas de grade das câmeras dividem a imagem em 9 partes ao todo. Cada linha horizontal e vertical correspondem a 3, 6 e 9 em ordem crescente.
Agora, comece a reparar como todas as coisas que se distribuem em terços são harmoniosas, todas elas causam satisfação. E não é apenas através das formas que se realizam a proporção de 3, 6 e 9. Pode ser a partir de qualidades completamente diferentes, como as cores. Também vale notar que 3, 6 e 9 é uma seqüência crescente, por isso mudanças de perspectiva podem ter efeitos bem interessantes, com coisas menores ao fundo e maiores à frente. Ou seja, a regra dos terços não se aplica somente aos eixos vertical e horizontal, mas tambèm à profundidade. Além disso, ela também é simétrica. Olhando ao contrário, você pode seguir 9, 6, 3; afinal a seqüência também pode ser feita de trás pra frente. A própria noção de espiral está contida aí, se aplicarmos o padrão 3, 6, 9 no plano da foto e, simultaneamente, ao eixo que sai da foto, como numa escada caracol vista de cima.
Explorando simetrias
Um outro conceito muito importante em estética é o de simetria, e ela é geralmente o que é capaz de burlar a regra dos terços sem causar distorções.
Assim como a regra dos terços, as simetrias também são propriedades de ordem metafísica que remetem ao conceito de ordem. Como ordem é praticamente sinônimo de harmonia, manter os elementos da composição ordenados é crucial para a beleza do resultado final.
Vamos pensar em outras coisas além da distribuição de objetos em si. Como as cores da composição se ajustam a essas regras? E o contraste? O número de elementos?
Na cena abaixo, você percebe que existe uma linha de simetria e que, na verdade, a foto é uma espécie de espelho com diferenças sutis? Que cada metade da foto pode dividida em três e que os centros dos arcos passam por essas linhas? Que os elementos diferentes estão justamente no segundo nível, sobre as terças partes de cada lado, e que essa regra do terço da simetria dos dois lados é que quebra a brincadeira do espelho? Percebe que existem três níveis horizontais? O da coluna, o das janelas e o do teto? Que existem diversos triângulos? Lembre que triângulos têm 180°, ou 1+8+0=9. Também tem diversos meio círculos. Tem incrivelmente mais coisas divididas em três e em simetrias nessa foto do que simples linhas horizontais.
Tudo isso não é por acaso. Essa foto tirei na Biblioteca do Congresso, em Washington D.C. Toda a arquitetura da capital dos Estados Unidos é baseada no padrão neo-clássico e no simbolismo maçom, que se utiliza maciçamente desses recursos, inclusive do simbolismo do número 3.
Um maravilhoso exemplo de arquitetura que explora simetrias e distribuições. Você consegue encontrar onde está a regra dos terços? Você consegue dizer? Ela obedece à regra dos terços quantas vezes? Em quais partes? Nas cores? No número de elementos da arquitetura?
Indo além da distribuição de objetos
Também existe a questão das cores. Há intercalação das cores fundamentais em toda parte, com tons vermelhos, azuis e verdes distribuídos em três regiões diferentes da mesma cena. Podemos dividir as cores em terços: um vermelho, um verde e um azul.
Entretanto, simbolismo não é uma questão maçônica, mas sim um assunto presente em todas as coisas, seja intencional ou não, conforme já falei no começo do capítulo. Visitando a Itália, por exemplo, pode-se notar claramente quais locais são de época medieval, renascentista ou moderna só prestando atenção em como as formas são arranjadas nos prédios. Inclusive, você sabia que o simbolismo mais influente na cultura ocidental é o astrológico? A própria Divina Comédia, de Dante, é escrita em ordem astrológica.
O simbolismo astrológico é uma questão completamente diferente do funcionamento da astrologia. Ele é somente a linguagem com a qual os astrólogos tentam estudar as relações entre os movimentos do céu e os acontecimentos da Terra. Por isso mesmo, é óbvio que ele seja uma ligação entre mitos terrestres e astros celestes. Não é por coincidência que cada planeta corresponde a um deus da antiguidade. Cada mito tem correspondência simbólica com o tipo do movimento de cada planeta. Mas isso não é assunto pra um livro de fotografia, então voltemos ao assunto.
Existe também o próprio simbolismo intrínseco da natureza, onde, talvez, o mais notável esteja nas flores. Aliás, a reprodução das plantas depende da atratividade das flores, portanto existe uma ligação entre a beleza e a continuação da vida. Comece a reparar um pouco nelas. Sempre existe muita simetria de formas preste atenção, pois essas simetrias quase sempre têm a ver com o número 3.
Quando não usar simetrias
É claro que todo esse debate desse capítulo diz respeito a um único objetivo: retratar a beleza na composição. Acontece que essa é apenas uma modalidade de mensagem, e exigem muitas outras que não são, necessariamente belas. A literatura está cheia de obras que retratam a maldade e o motivo é exatamente esse.
Existem circunstâncias em que a desarmonia, a falta de ordem, o caos e a feiura fazem parte da mensagem. As fotografias que têm por objetivo retratar certas realidades negativas podem explorar a quebra dessas regras justamente para passar a ideia de ausência de beleza e ordenamento.
Ainda assim, podem ser usados certos aspectos e abolidos outros. Veja uma obra de Hieronymus Bosch, abaixo. Seus temas eram centrados em retratar as realidades infernais. Cada um dos personagens das suas telas são deformados e assimétricos. Porém, a tela como um todo sempre possui simetrias. A razão é que, de acordo com a cosmovisão cristã dominante na época de Bosch, mesmo o inferno faz parte de um ordenamento maior que é o cosmos criado por Deus. Assim, como até o próprio inferno se encaixa numa ordem superior, a tela toda precisa estar arranjada dessa forma. Além do mais, isso também quer dizer que o inferno existindo por si só não faz sentido na sua visão de mundo. Veja só até onde vai isso. Lembra que o homem, na cosmovisão europeia tradicional, é um micro-cosmos tripartido composto de corpo, alma e espírito? O fato dos condenados ao inferno nas obras de Bosch serem eles próprios deformados é a representação de que essas pessoas perderam a sua natureza divina. Aliás, um dos sentidos de o homem ser imagem e semelhança de Deus é justamente carregar essa realidade tripartida.
Bosch quebra as simetrias e regras estéticas para representar os sofrimentos dos pecadores, mas usa a simetria para expressar o ordenamento do Cosmos. Repare, também, como os anjos são distribuídos simetricamente, mas os pecadores não.
A conclusão que eu quero chegar nesse capítulo é que você deve explorar as leis de simetria e de distribuição tanto para passar uma mensagem positiva quanto uma negativa e que, na arte, essas coisas têm implicação profunda.
E veja também que esse exercício que fiz com a pintura do Bosch nada mais é que um exercício de contemplação, que é plantar os pés no chão e cavar. Veja o quanto se pode desenterrar de uma obra de arte conhecendo algumas coisas.