Conseguir imagens nítidas até o último pixel é a moda da fotografia atual, sem sombra de dúvidas. O principal argumento de venda de uma câmera hoje é a nitidez, ou sharpness, pra quem gosta de um jargão gringo. Como eu sou fã de português, especialmente do brasileiro, que é a melhor, mais bonita e mais sonora língua do mundo, vou falar nitidez mesmo. E acho que todo mundo devia fazer o mesmo afinal, como dizem, o amor pelo seu país começa no amor pela seu idioma. Lições de patriotismo à parte, o fato é que a pecinha que vai atrás da câmera precisa dominar a técnica de foco para conseguir a fotografia com a máxima nitidez que o equipamento permite.
Para dominar o foco, existem muitas técnicas diferentes dependendo da situação, mas podemos dividi-las em duas categorias principais: macro e infinito. Macro é para fotografar coisas bem de perto, como flores e insetos, e essa não será o assunto desse artigo, que vou deixar pra outra ocasião. Quanto ao foco no infinito, que a gente usa muito quando vai fotografar paisagens ou a natureza, parece um assunto meio óbvio, mas não é.
Como conseguir fotos perfeitas até o infinito
A dificuldade com foco no infinito é que raramente todos os elementos da composição estão lá longe. Geralmente, a foto começa no nosso pé e termina lá em Morungaba (como eu moro em Campinas, Morungaba já está no inifnito!). Aí a questão é: como eu faço tudo ficar nítido, começando do mato na frente do meu pé e terminando em Morungaba? Pra isso existe uma técnica de foco importantíssima para a fotografia que é o hiperfoco, e você vai ver que o título do artigo não é bem um bait, o negócio é poderoso mesmo. Note como, na imagem abaixo, tanto as pedras que estão no pé da câmera quanto as montanhas no fundo estão no foco. O que vou ensinar nesse artigo é a técnica que se usa para fazer exatamente isso.
O segredo por trás da distância hiperfocal
A técnica de hiperfoco explora uma propriedade muito importante das lentes, que é a profundidade de campo. Em termos simples, a profundidade de campo é o quanto pra frente ou pra trás do ponto que a imagem está sendo focalizada você ainda consegue ter as coisas aceitavelmente nítidas.
Veja a imagem abaixo, que vai te ajudar a entender melhor isso aí. A linha tracejada representa a distância, a partir da lente, onde o foco está sendo feito. No caso da técnica hiperfocal, temos duas regiões importantes, a de campo próximo, que é a zona amarela entre a lente e a linha tracejada, e o campo distante, que é tudo o que está além da linha tracejada. Na zona vermelha é a região onde as coisas ficarão borradas, ou fora de foco na fotografia.
Campo próximo
O campo próximo é a distância entre a câmera e o ponto focal em que as coisas ficam aproximadamente no foco. É nesse região que você deve colocar as coisas que ficarão no plano de frente da foto, seja mato, uma pedra, uma flor, qualquer coisa desse tipo. É crucial que as coisas do plano frontal fiquem bem contidas dentro dessa distância.
Campo distante
O campo distante é a distância para além do ponto focal na qual as coisas ficam aproximadamente no foco. O truque do hiperfoco é que justamente o campo distante pode ser muito maior que o próximo, dependendo das condições. Escolhendo tudo direitinho, dá pra fazer o campo distante ir até inifinito, literalmente, enquanto o campo próximo ainda é razoável. Tudo isso é feito manipulando as equações que descrevem a ótica das lentes. E você aí achando que física não serve pra nada, né?
Algumas limitações do hiperfoco
Então, o hiperfoco nada mais é que uma técnica que permite maximizar a profundidade de campo para que a cena fique completamente nítida desde distâncias pequenas até infinitas. Porém, o tio aqui é físico e conhece as equações, então vou adiantando que o hiperfoco é baseado em certas aproximações do modelo físico. O que isso significa é que o foco não vai ficar perfeito, mas bom o suficiente na maior parte da fotografia.
Dependendo do formato que você vá divulgar ou imprimir, essa aproximação pode ser suficiente, e costuma ser a maioria dos casos. Por outro lado, se o negócio realmente precisa ser exato, aí é melhor usar outras técnicas, como empilhamento. Só que esse tipo de técnica envolve tirar umas 50 fotos e depois processar em algum software. A beleza do hiperfoco é que é uma técnica que permite um foco excelente com apenas uma fotografia, e só manipulando a câmera.
Apenas fique ciente de que, como toda técnica, ela possui suas limitações e que você precisa saber quais são. Sua caixa de ferramentas é tão boa quanto as ferramentas que você sabe usar. Não se usa alicate pra soltar parafuso, apesar de muita gente fazer isso e sempre se ferrar. O mesmo vale para praticamente qualquer coisa.
Como calcular
Acho que ninguém vai querer levar uma calculadora e um caderno quando for sair fotografar, né? Então, não vamos nos meter com as equações em si, mas usar umas calculadoras online, que é mais fácil. A que eu indico é a do PhotoPills. Ele é um app completo pra Android e iPhone, mas custa uns 50 reais. Estou tentando fazer uma parceria pra conseguir um desconto para os leitores aqui do blog, vamos ver no que dá. Enquanto isso, vamos usando o site deles, que já é ótimo. Para acessar a calculadora de hiperfoco, clique aqui.
É bem simples usar essa calculadora. Primeiro, escolha o modelo da sua câmera. Isso é importante porque o tamanho do sensor influencia na profundidade de campo. A lista de câmeras que tem ali é bem grande e contém os modelos mais populares, então a sua provavelmente está inclusa ali.
Usando a calculadora do PhotoPills
Depois, coloque a distância focal da lente. Pra saber qual é, basta olhar na frente dela, que vai ter uma marcação em milímetros, aí é só usar esse valor. Por outro lado, se a sua lente for zoom, ela vai ter um intervalo do tipo 18-55mm. Se for esse o caso, você precisa saber qual é a distância desse intervalo que vai usar na hora de fotografar. Pra isso, é só olhar o valor marcado no anel de zoom da lente, como na foto abaixo, que está em torno de 24 mm. Não tem erro. Pega essa número e joga no segundo campo da calculadora.
O terceiro campo é a abertura, e você ajusta ela na própria câmera. Geralmente, eu uso o modo de prioridade de abertura, porque tenho controle sobre a profundidade de campo e a câmera faz o resto do trabalho. Para escolher qual é a melhor abertura pra você, o negócio é dar uma brincada na calculadora até achar a melhor distância hiperfocal, e vou detalhar isso já já, só segue o fio.
O quarto campo é a distância até o objeto. Como estamos falando de infinito, isso é praticamente qualquer coisa além de 1000 metros. Qualquer valor pra cima disso não afeta muito as equações mas, pra garantir, eu costumo preencher com 10000 pra garantir.
O último campo diz respeito a lentes que são usadas pra aumentar a distância focal, e quase ninguém usa. Então deixe com o ‘–‘ pra indicar que não estamos usando nenhuma. Pronto. Assim que você preenche os valores, ele já calcula tudo na hora. Agora, vamos ver como interpretamos os resultados da calculadora.
Como interpretar os resultados
Logo abaixo dos campos que a gente insere os dados na calculadora, tem uma tabela com um monte de informações, mas só as duas primeiras linhas interessam pra gente. A primeira é a mais importante, que é justamente a distância hiperfocal. É nessa distância que temos que fazer o foco para conseguir usar a técnica de hiperfoco. Ela também é a distância mínima que precisamos fazer o foco para que as coisas no infinito fiquem nítidas. Você pode errar isso aqui pra mais, mas nunca pra menos. Uma dica importante é sempre usar duas vezes o valor dessa distância, pra garantir.
Em seguida, temos o limite hiperfocal próximo, que é o mais próximo que um objeto pode estar da lente e ainda estar aceitavelmente no foco da fotografia. Todas as coisas que devem estar na foto precisam estar a partir dessa distância da câmera. Tudo o que estiver mais próximo que isso ficará desfocado. Com essas duas informações, já sabemos onde precisam estar todas as coisas e onde precisamos mirar o foco.
Exemplo de como escolher a abertura
Pra isso, a gente precisa travar os outros parâmetros para jogar com a abertura. Eu gosto de começar definindo a distância focal, já que é ela quem define o que vai ficar dentro ou fora do quadro da foto. Nesse exemplo, vou usar 18 mm, que é o mais aberto da lente da minha câmera.
O próximo passo é descobrir qual é a distância entre a câmera e o objeto mais próximo que aparece na foto, que deve estar na parte inferior do quadro quando a câmera está perfeitamente horizontal. É bom usar um tripé e o nível da própria câmera acertar isso bem direitinho. Na imagem abaixo, os objetos mais próximos da câmera estão na calçada, bem na parte marcada com um retângulo. A distância entre a câmera e essa parte da foto é que você precisa saber.
Teste essas coisas em casa, pra não perder tempo em campo
Aqui, é uma boa ideia fazer uns testes em casa e medir com uma trena, pra não ter erro. Fazer a lição de casa sempre garante bons resultados, porque você não vai ficar sobrecarregado fazendo testes inúteis enquanto a cena perfeita vai embora. No meu caso, essa distância dá uns 2,5 metros. Agora, eu coloco a maior abertura da minha lente na calculadora – ou seja, o menor f-number. Nesse caso, ele é f3.5. A distância até o objeto é 10000, e isso não muda. Feito isso, praticamente tudo o que a gente precisa já está lá.
Então, a distância hiperfocal, no meu caso, é 4.8 metros. A distância mínima entre um objeto em foco e a lente é de 2,4 m. Repare que essa distância é menor do que a distância mínima que os objetos que aparecem no quadro estão! O que isso quer dizer é que tudo o que estiver contido na fotografia vai ficar nítido, dentro do foco, que é exatamente o que a gente quer.
Mas, vamos supor que não desse certinho assim, logo de cara. Aí não tem problema, é só ir mudando a abertura na calculadora até o limite hiperfocal próximo estar fora do campo de visão, ou seja, ser menor que a distância até o objeto mais próximo. Até aqui, tudo lindo, só teoria, né?
Como implementar na câmera
Aqui é que a porca torce o rabo, como diria minha avó. Tudo isso parece lindo e maravilhoso, mas como é que a gente faz na prática? Bom, pra ser honesto, não tem como ser muito preciso, especialmente com as lentes mais modernas. As lentes antigas tinham um recurso muito útil que era a marcação de distância no anel de foco, como nessa foto abaixo, que a distância está em torno de 2,7 a 2,8 metros. Aí é bem simples, né? É só colocar o foco nessa distância e xaplau!
A coisa complica um pouco se a lente não tem nenhuma marcação, a câmera também não indica essa distância – que é o caso da maioria, minha Pentax K70 inclusa; e a gente precisa usar o autofoco. Nesse caso, o jeito mais simples é escolher o ponto que a câmera faz o foco mais próximo do chão, veja a fotografia abaixo como referência, basta escolher aquele ponto ali no viewfinder. Não tem muito mistério. Só tenha em mente que se a distância focal que você usa for muito pequena, colocar o foco muito embaixo vai te deixar antes da posição de hiperfoco, o que vai desfocar o infinito.
Via de regra, é melhor errar a distância hiperfocal pra mais do que pro que pra menos. Isso porque o assunto principal de fotos que precisam dessa técnica sempre estão no infinito. Então, se tiver que fazer um compromisso, é melhor que a frente não fique perfeita. Por isso, o truque é sempre manter a câmera nivelada e escolher o ponto focal na parte mais baixa que a câmera permitir, como no exemplo abaixo.
Fazendo isso, a gente joga a distância hiperfocal mais pra frente, o que garante mais o foco no infinito. Pra garantir que o plano de frente também fique bem focalizado, feche um pouco mais a lente, um ou dois passos. Se era pra usar f/3.5, tente f/5.6 ou f/8. Só não feche muito porque senão começa a ter efeitos de difração, que degradam a imagem.
Exemplo
Essa foto abaixo eu fiz feita com a técnica de hiperfoco. O objeto que usei como referência foi a borda da mesa ali, marcada pelo círculo vermelho. Pode ver que a paisagem lá fora, no infinito também está no foco, e a cena toda é bem nítida. Inclusive, se você gostou dessa foto, pode adquirir a versão impressa no meu site oficial, clicando aqui. Além dessa, tenho muitas outras fotos autorais que fiz tanto no Brasil quanto na Itália, e essa coleção é o meu orgulho, porque é onde eu aplico todas essas técnicas que ensino aqui no blog! Lembrando que, comprando minhas fotos, você me ajuda a manter o blog e sempre ter conteúdo quentinho aqui!
E isso é praticamente tudo o que você precisa saber para conseguir um bom foco numa fotografia inteira, com coisas que vão desde o mato na frente da câmera até coisas no infinito. Essa é uma técnica poderosíssima de foco todo mundo tem que saber usar, sem sombra de dúvidas. Se você gosta desse tipo de conteúdo, então não deixe de me seguir no Instagram.