Hoje em dia, muito se fala em fotografia fine-art. Quase qualquer coisa um pouco mais elaborada ganha o rótulo de fine-art no Instagram. Porém, é preciso investigar exatamente o que significa ser fine-art, não somente na fotografia, mas nas artes em geral. O que distingue o fine do não-fine?
A questão toda se resume a uma única palavra: inteligência. A fine-art, por ser fine (quer dizer fina mesmo), significa aquilo de mais apurado que se pode produzir em arte. Fine-art quer dizer excelência, aquilo que de melhor se produz.
Deste modo, a expressão fine-art nada mais é do que uma sub-categoria daquilo que se chama de alta cultura. Enquanto o fine-art refere-se à excelência da experiência artística, alta cultura refere-se à excelência do todo. Em outras palavras, a arte é aquela parte da cultura na qual os valores primordiais e verdadeiros são expressados.
Podemos dizer que a fotografia fine-art é o ramo da fotografia cujo objetivo é a excelência total, não somente no aspecto técnico, mas principalmente no refinamento da linguagem visual e no aprofundamento das verdades ali representadas.
Para fazer fotografia fine-art não basta comprar um boa câmera digital ou analógica e sair por aí tentando conseguir efeitos visuais impactantes. É preciso ter alguma coisa que toque o fundo da alma humana.
Além disso, existe um caráter de refinamento material em qualquer fine-art. Como é um ramo que busca a excelência, ela precisa estar presente em todos os níveis, desde a mensagem, a concepção artística até a execução do trabalho final. E é precisamente neste último ponto que o conceito de fine-art vem sendo usado inapropriadamente, especialmente aqui no Brasil.
Entretanto, para entender isso, vou precisar ir até o fundo da questão e resgatar o conceito onde tudo se inicia: a inteligência. É a partir desse conceito que vou te mostrar qual é o caminho das pedras para fazer fotografia fine-art de verdade, e não somente quadros enormes com fotos de praia em alta definição.
Refinando o conceito de inteligênica
No paradigma atual, nosso conceito de inteligência está ligado quase exclusivamente ao raciocínio lógico. Pensamos na inteligência como a capacidade de fazer contas de forma precisa e rápida e, também, de resolver problemas lógicos complexos. No imaginário popular, a pessoa inteligente é, basicamente, um matemático ou um cientista habilidoso. Acontece que isso está completamente errado.
Uma das razões disso é que a concepção de universo da sociedade ocidental moderna é materialista, baseada em ideias que remontam até mesmo antes de Descartes. Porém, foi em Descartes que o materialismo ganhou força, especialmente através de um movimento chamado mecanicismo, do qual Isaac Newton foi o responsável pela sistematização matemática da coisa toda.
No mecanicismo, a ideia fundamental é que o universo, e todas as coisas contidas nele, são máquinas que funcionam seguindo regras rígidas e pré-estabelecidas. Essas regras rígidas ditam todas as interações entre os corpos materiais e nada mais há além delas fora do plano material. No mecanicismo não há espaço para alma, espiritualidade e valores transcendentais porque toda a realidade está definida dentro de rígidos moldes materiais. Na cosmovisão atual, o universo é uma máquina e nada mais.
Você pode até achar que não pensa desse jeito, mas essa semente foi plantada tão exaustivamente desde o século XVII que todas as pessoas, hoje, pensam em moldes mecanicistas, e o conceito popular de fine-art é a prova disso. Basta ver que a fotografia fine-art atualmente é somente sinônimo de alta resolução. Muito do que se chama de fotografia fine-art hoje é apenas artesanato bem feito sem uma mensagem profunda.
Por exemplo, qual a mensagem profunda de uma foto de praia? A resposta mais comum vai girar em torno de alguma palavra que implica um sentimento, como paz. Acontece que ela é somente isso, a representação verbal de uma sensação extremamente superficial e fugaz. A paz, no sentido contemporâneo, não passa de uma fuga da circunstância cotidiana. Poderia dizer férias no lugar de paz que, nesse caso, daria no mesmo.
É preciso algo mais que isso. E não tem como ir além disso sem refinar muito a inteligência.
Um modo alternativo de ver a realidade
Para ilustrar melhor o que quero dizer, vou introduzir o conceito aristotélico de forma. Por exemplo, uma mão possui certas qualidades que a tornam uma mão. Tem o formato dos dedos, das unhas, as articulações, as terminações nervosas e os vasos sangüíneos.
Só que isso tudo é a parte material, da qual o mecanicismo se contenta. Entretanto, uma mão é mais do que isso. Ela se move, e seus movimentos não são aleatórios. Quando ferida, ela se regenera ao menos parcialmente. Uma mão é uma parte de um ente vivo e tem uma função dentro desse ente vivo. Ela possui uma certa persistência que pode chegar até a mais de um século de duração, mas que se desfaz na morte.
Por outro lado, se essa mão for cortada do corpo, ela perde essas funções que a fazem parte de um ser vivo. Uma mão cortada não é mais uma mão, é uma outra coisa, um ser inanimado que não possui mais vida. É essa coisa que mantém a mão viva que Aristóteles chama de forma.
Isso é importante para a inteligência porque esse conceito nos permite encontrar coisas no mundo que são mais fundamentais do que o seu formato, e aqui cabe essa distinção. Na linguagem corriqueira, usamos a palavra forma com o mesmo sentido de formato. Então, sempre que eu falar em forma daqui pra frente, pense em essência, no que torna aquela coisa, aquela coisa. A forma é o que faz uma mão ser uma mão e uma mão cortada não ser uma mão. Mas o formato da mão e da mão cortada é o mesmo.
E o que isso tem a ver com fotografia fine-art? Tem a ver porque a arte é a expressão mais fundamental da inteligência humana por excelência. Se a inteligência é capaz de distinguir apenas formato e não forma, ela foi amputada da sua função primordial. O primeiro passo para se tornar um fine-artist é recuperar a capacidade de enxergar a forma, muito além do formato.
Faça o seguinte o exercício. Procure uma Catedral Católica construída antes dos anos 1950 e passe algumas horas prestando atenção aos detalhes, um por um. Desde as decorações, às imagens, aos objetos até a arquitetura. Você vai notar que aquilo tudo é orgânico, porque a coisa toda possui uma forma só. E isso não é questão de fé. Apenas vá lá e veja por si mesmo. Mas é crucial fazer isso nas mais antigas, as novas já perderam completamente a forma.
Isso que estou propondo tem um nome, e chama-se contemplação. É o exercício de prestar atenção a tudo o que está diante dos seus olhos, observar os seus detalhes e o seu todo ao mesmo tempo, tentando captar qual é a sua forma. Você pode fazer isso com tudo, seja uma árvore, uma catedral ou até uma pessoa.
Agora, vamos voltar um pouco ao conceito de inteligência.
A diferença entre o homem e os animais
Para começar a entender o que significa inteligência, porque é o seu refinamento que vai te permitir fazer fotografia fine-art, precisamos olhar para aquelas características que fazem o ser humano ser diferente dos outros animais. É bastante óbvio que os animais possuem sentimentos, alguma memória e são capazes de fazer conexões lógicas.
Quem tem um pet em casa sabe bem dessas coisas. Eles são capazes de lembrar quando foram destratados por alguém, por exemplo. Em casa, a gente tinha uma cachorrinha que não podia ver a vizinha na frente. Isso aconteceu porque, um dia, essa vizinha tentou bater nela com uma vassoura. Por mais que seja uma memória rudimentar, é uma memória. Do mesmo modo, o seu cachorro gosta de você porque tem memórias agradáveis a seu respeito.
Os animais também têm raciocínio lógico
Os animais também conseguem realizar proezas da geometria. Por exemplo, os gatos conseguem saber exatamente com qual ângulo saltar para subir num muro. Aliás, você já reparou que um gato nunca pula mais alto do que precisa? Eu fico de cara com a precisão felina. A gente sempre teve gato em casa, e cada um deles era capaz de realizar algum tipo de proeza!
Outros exemplos dessas coisas vão aos montes. Meu pai tem o costume de dar ração pro gato antes de dormir. Então ele escova os dentes, alimenta o bicho e vai pra cama. Acontece que o gato descobriu a lógica da coisa. Quando ele quer ração, em qualquer hora do dia, o que ele faz? Vai na porta do banheiro e começa a miar, é lógico!
Apesar de todas essas coisas, os animais não são capazes de fazer construções elaboradas. Eles conseguem fazer ninhos e casinhas, mas sempre muito rudimentares e, quando são bem feitas, são iguais em toda a parte, como as colmeias das abelhas e as casas de joão-de-barro. Isso revela que, nesses casos, parece que a coisa está embutida na própria genética do bicho e não é um ato de inteligência voluntária.
A linguagem e a imaginação
Entretanto, também é fácil notar que a maior diferença entre os homens e os animais está na linguagem. Nenhum animal possui um sistema tão complexo quanto a fala humana e, muito menos, a escrita; além, é claro, das artes. Por mais rústico que seja um determinado idioma humano e por mais elaborada que seja a comunicação entre chimpanzés, existe uma lacuna intransponível entre as duas espécies, tanto que o tal elo perdido até hoje não foi achado.
Por conta disso, toda cultura humana, por mais rudimentar que seja, vai ter alguma forma de poesia que conta uma narrativa mítica a respeito do surgimento da tribo. Não existe nenhum grupo de animais que consiga chegar perto disso. Acho que a linguagem deixa claro que é a primeira pista para responder o que significa inteligência. Mas ainda falta alguma coisa.
Para elaborar poesias e narrativas é preciso um outro elemento, que é a imaginação. Você não pode escrever uma redação sem ter imaginado todas aquelas coisas antes. Pode não ter saído exatamente como você imaginou, mas alguma relação grande tem que ter, senão a prática estaria completamente desligada do intelecto e a coisa seria ininteligível.
Portanto, já dá pra ver que a inteligência tem a ver com duas coisas. A capacidade de criar e a de representar. Por isso mesmo, a inteligência sempre vai estar relacionada à arte. Tem aqueles chimpanzés e elefantes que pintam quadros e tal, e muita gente chama aquilo de arte.
No entanto, sejamos francos, aquilo não passa de reflexo dos instintos do animal. Acontece que muita gente chama aquilo de arte porque a própria arte moderna se degenerou a ponto de não ser mais distinguível de um rabisco feito por um animal. Isso mostra não uma proeza dos animais, mas a perda de inteligência dos artistas.
Como uma crítica, o mesmo tem acontecido com a fotografia fineart. O virtuosismo foi substituído por um sistema de lentes e de processamentos computacionais. Para se fazer uma foto considerada fineart hoje, basta apenas uma boa câmera e uma noção mínima de enquadramento. Comece a observar esses fotógrafos e vai notar que quase nenhum deles possui alguma cultura, que é justamente o que vou tratar na próxima seção.
A inteligência significa conhecer mais figurinhas
Essa é uma frase atribuída a Leibniz, que foi um filósofo e matemático concorrente de Isaac Newton. Há quem diga que ele foi a pessoa mais inteligente que já habitou a Terra.
O que ele quis dizer com figurinhas? É muito simples. A nossa mente trabalha com símbolos. Tudo o que conhecemos se torna figurinhas na nossa cabeça. Por exemplo, pense numa vaca. Pensou? Não te parece uma figurinha na cabeça, como uma carta de super trunfo? Pois então, essa é a ideia.
A imaginação é a capacidade de pegar essas figurinhas e explorar as suas possibilidades. Você pode imaginar todas as coisas que uma vaca é capaz de fazer e criar uma história com ela. Daí você pode pensar numa outra figurinha, como uma árvore. Juntando as duas, pode criar uma imagem mais complexa, como uma vaca dormindo embaixo de uma árvore.
Agora, vamos pegar a figurinha mato, e podemos ter uma vaca comendo mato embaixo de uma árvore. E assim a coisa vai, podendo se tornar tão complexa quanto o conjunto dos romances de Balzac, que formavam uma sociedade fictícia completa. O Balzac tinha uma coleção de figurinhas interminável. Isso significa que ele tinha uma inteligência realmente aguçada, um verdadeiro gênio.
Você já deve ter notado a relação disso com a fotografia. A função do fotógrafo é criar figurinhas para que as outras pessoas possam ver aquele aspecto determinado do mundo. Só como exemplo, vamos pensar numa coisa que é bem provável que você não tenha visto pessoalmente na vida, como uma Ferrari 250 GTO. Vá no Google imagens e veja algumas fotos. Pronto, agora você tem uma figurinha da Ferrari 250 GTO sem nunca ter visto uma pessoalmente. E pode me agradecer depois por ter te apresentado essa maravilha.
É claro que a fotografia fineart não vai lidar com a Ferrari 250 GTO enquanto tal, mas com a forma da Ferrari 250 GTO. O que faz uma 250 GTO não ser um Fusca? É aí que está a coisa toda. Como você mostraria isso através da fotografia? Agora estamos falando de fine-art.
Colecionar figurinhas significa acumular símbolos que estimulem a inteligência
O importante é que quanto mais figurinhas você colecionar, mais relações e histórias será capaz de criar e mais formas terá para explorar. Sendo capaz de criar todas essas coisas, o passo seguinte será aprender a distinguir o que pode do que não pode acontecer.
Vamos imaginar duas vacas. Uma deitada no pasto e outra sentada num fio de poste, igual a um passarinho. O segundo cenário não tem como acontecer. Sabemos que ele é uma impossibilidade porque o fio não suportaria o peso da vaca. Ela poderia ter ido parar lá colocada com um guindaste, isso é evidentemente possível, mas o resto da situação soa meio bizarro, né?
Então, quem tem mais figurinhas consegue formular mais cenários. Desses cenários, alguns poderão ser verdadeiros e outros não. Se somos capazes de distinguir entre os possíveis e os impossíveis, temos mais chances de fazer coisas que funcionem.
Como funciona a imaginação
Vamos ver outro exemplo para entender bem esse processo. Imagine um médico que precisa fazer o diagnóstico de um paciente (use as suas figurinhas!). Ele começa tentando encontrar todos os sintomas. A cada um deles, corresponde uma figurinha, de tal modo que ele agrega todas essas figurinhas e vai completando com as figurinhas das doenças possíveis. Confrontando as doenças possíveis com os sintomas, ele vai descartando aquelas que não parecem possíveis até chegar em duas ou três possibilidades. Então, ele solicita um exame que é uma figurinha que vai completar a narrativa e permitir dar o diagnóstico correto.
A diferença entre um médico e um não-médico, portanto, se deve quase que exclusivamente ao conjunto de figurinhas que o sujeito acumulou. Ele passa anos na faculdade de medicina justamente para acumular toda essa cultura médica e poder realizar o processo todo.
É claro que ele também precisa desenvolver outras habilidades na faculdade, mas elas são secundárias. Sem ter essa coleção de doenças, sintomas, fisiologia e todos os conhecimentos médicos na cabeça, não adianta nada saber usar um bisturi com maestria.
Portanto, uma pessoa inteligente é a que consegue criar mais cenários possíveis e que também tem a capacidade de distinguir os prováveis dos improváveis.
Acho que aqui já está bem claro o que é preciso para dominar a fotografia fineart. O melhor artista, também, será aquele que conseguir colecionar o maior número de figurinhas, mas não é só isso.
Como colecionar figurinhas
O meio mais fácil de colecionar figurinhas é através da estimulação da imaginação. Se você quer ser inteligente, comece lendo a maior quantidade de obras de ficção que você puder. Leia tudo. Não se preocupe em ler somente o que chamam de grandes clássicos, há verdades em todas as coisas.
Além do mais, no Brasil, a noção que a gente tem de cultura é um negócio meio gourmet. Pro brasileiro comum, alta cultura é ficar falando jargões inúteis de filosofia tomando vinho francês num bistrô. Quanta besteira! Fuja dessas coisas como se fosse uma praga!
E não tem muito jeito. O negócio é ler, ler, ler e ler. A mágica da leitura é que ela requer a encenação mental das obras, então ela movimenta a coleção de figurinhas. É por isso, também, que não é recomendável se meter a ler filosofia antes de se ter uma sólida formação literária, porque faltarão figurinhas para entender as coisas direito. Não tem atalho e os danos de ser ler filosofia antes de ter um sólido imaginário podem ser irreversíveis.
Pintura e escultura
Outra forma muito importante é o das artes plásticas, seja pintura ou escultura. Para quem quer fazer fotografia fineart esse é o pulo do gato. A grande vantagem da pintura, especialmente da renascença pra trás, é que era feita por pessoas que possuíam uma cultura monstruosa e muita sensibilidade contemplativa.
Por exemplo, este modo de pensar nas coisas pela forma era o corriqueiro no auge da Idade Média. Você acha mesmo que aquelas catedrais magníficas poderiam ter sido construídas por gente ignorante e supersticiosa? Pense bem a respeito.
Experimente fazer um exercício de contemplação com qualquer pintura dessas pra você ver a sua inteligência destravando na hora! Depois faça o mesmo com uma pintura moderna, pós-22. Não me conte o resultado, eu já sei qual é.
Filmes também são úteis
Também não subestime os filmes. Se você não tem muita paciência para ler, pode começar a ver filmes. Tente passar por todos os gêneros, isso vai te dar uma coleção de figurinhas visuais muito grande. Os filmes antigos, em preto e branco, são excelentes para estimular a imaginação porque eles não possuem grandes efeitos especiais e também te dão uma bela noção de fotografia. Assim, é você quem tem que fazer o trabalho de preencher a narrativa na sua cabeça!
Quando fizer essas coisas, vai começar a notar como o seu modo de se comunicar vai melhorar muito. O seu entendimento das pessoas também vai dar um salto e a sua capacidade de descrever coisas e situações vai para outro nível. Aí é que você vai descobrir o que é ser inteligente de fato.
Os maiores inimigos da inteligência
Como já havia observado Santo Agostinho, lá no século V, os maiores inimigos da inteligência são os vícios. Aqui, um vício não tem o sentido de alcoolismo ou uso de drogas. Santo Agostinho usa vício no sentido de contrário da virtude, ou, ainda, de contrário à busca pela verdade.
A vaidade significa o bloqueio da inteligência
Assim, podemos listar algumas atitudes que irão fatalmente prejudicar a inteligência e vamos entender muito bem o porquê depois disso tudo que eu expliquei. O maior vício contrário à inteligência é, sem a menor sombra de dúvida, a vaidade.
A vaidade impede que o sujeito entenda as suas deficiências e, portanto, bloqueia qualquer possibilidade de expandir a sua coleção de figurinhas e a sua imaginação. O pior tipo de vaidade é aquele do sujeito que acredita firmemente ser muito inteligente. Esse aí está condenado ao fracasso e à uma vida infeliz.
Na minha vida, conheci muita gente assim. Geralmente, são pessoas que obtiveram algum sucesso, especialmente profissional, e se acham extremamente inteligentes por isso. Essas pessoas sempre falham nas horas críticas e, no final, sempre descobri que todas eram incrivelmente incultas. É muito nítido que pessoas vaidosas tenham problemas graves de imaginação.
Quando surge alguém mais inteligente que elas, suas personalidades se desmancham. Terminam no ódio puro e simples, especialmente às coisas que desconhecem. Por outro lado, quem é humilde ama as coisas que não conhece, justamente porque enxerga ali uma oportunidade de crescer numa direção desconhecida.
O vaidoso, ao contrário, se bloqueia. Finge desprezo pelo que desconhece e se fecha no seu mundinho. Com isso, a inteligência vai atrofiando mais e mais. O resultado certo é a frustração e o ódio crescente. Não é a toa que, na tradição cristã, o demônio surja justamente desse sentimento e seja o símbolo máximo do ódio. Em outras palavras, o demônio é burro. Posso garantir que toda burrice intencional é baseada em maldade.
Por isso, não espaço para vaidade na arte verdadeira. Assim, a segunda coisa importante que você precisa ter para trilhar a fotografia fineart é ser humilde no sentido intelectual. Aceite as suas limitações e entenda que tem gente muito mais competente que você. Mas não leve essas coisas pelo lado pessoal. Entenda que esse cara tem figurinhas que você não tem, e vá atrás delas. Esse é um exercício de paciência de muita perseverança.
A covardia
Outro vício mortal para a inteligência é a covardia. Não é preciso apenas humildade para aceitar sua ignorância perante o mundo, mas também é necessário coragem para enfrentá-la.
Muitos obstáculos podem surgir quando se constata a própria ignorância. Pode ser medo de enfrentar suas próprias deficiências ou a necessidade de ter que fazer alguma coisa que te deixa inseguro. Freqüentemente, quem busca a inteligência entra em muitos conflitos com outras pessoas. É preciso coragem para enfrentar essas situações e seguir o seu caminho.
Quando você começar a ser genuíno, provavelmente deixará de ser aceito, especialmente no meio artístico onde a vaidade corre solta. Só que esse é o indicativo de que você está no caminho certo e, com o tempo, você encontrará pessoas que também estão nesse caminho. Como dizia Santo Tomás de Aquino, idem velle, idem nolle. Só é seu amigo quem está no mesmo caminho que você.
Além dessas, existem muitas outras situações em que a sua coragem vai ser testada. Pode acontecer de você sentir a necessidade de fazer uma viagem para conhecer determinadas coisas. Sem coragem de gastar dinheiro ou ter que deixar um trabalho ou encarar um outro país, as coisas não vão funcionar. Comigo já aconteceu isso. Tive que decidir entre a vida estável ou perseguir as coisas que realmente têm significado pra mim.
A indolência intelectual
Aqui no Brasil, muita gente vai se opor à sua busca de inteligência por causa de um sentimento chamado indolência intelectual. A maioria dos brasileiros se sente esmagada pelo conhecimento e, por isso, tomam a decisão de desprezar essas coisas todas. Isso é uma combinação de vaidade e covardia, obviamente.
Essas pessoas vão sempre tentar te desviar do seu caminho com banalidades como jogos de futebol, videogame, cerveja e churrasco. Tudo isso é muito bom e necessário, mas se você quer ser inteligente, é bom reduzir a dose. Aqui também entra a coragem, porque seus amigos podem se opor a você, mas não caia nessa. Você já viu o destino dessas pessoas? Sabe o tiozão barrigudo de bar? É isso que você quer da sua vida? Isso significa que você vai ter que abrir mão de coisas que, na verdade, possuem muito pouco valor perto da sua inteligência.
Alguns, mais elaborados e limpinhos, vão usar a religião para isso. O apresso excessivo pela castidade, por exemplo, serve de desculpa para não ler romances, já que podem ter cenas de sexo. Ou, ainda, criar vícios como o de somente ler livros sobre a vida dos santos. Nesse caso, todas as figurinhas referentes aos pecadores ficarão faltando. Como conseqüência, o sujeito perde a habilidade da confissão sincera. Se a moral e a religião viram muletas para não ter que estudar, o máximo que você vai conseguir é ir parar no inferno sem transar. Que bela proeza, não?
Já o meio artístico tem a tendência de criar pequenas máfias, e elas sentem-se extremamente ameaçadas por pessoas cultas. Todos os meios intelectuais no Brasil têm o péssimo hábito de ler apenas a sua literatura especializada. Marxistas só leem Marx, olavistas só leem Olavo e assim por diante. Quem quer ficar inteligente tem que ler tudo, sem ter medo de ser contaminado pelo conteúdo.
Aqui também entra a coragem de enfrentar a situação. Tornar-se inteligente leva anos, dá muito trabalho e custa caro. Vai custar, também, muitas amizades e gerar um certo isolamento. Mas, um dia, você encontra os seus pares. Pelo menos é o que dizem. Eu ainda não achei os meus.
Fotografia fine-art
Escrevi tudo isso só para poder traçar um caminho seguro para quem pretende ir pela fotografia fineart legítima, fazer algo realmente diferenciado e fino. Resumindo todo esse textão, os passos são simples, porém lentos e difíceis.
Primeiro, é preciso se desapegar da visão materialista contemporânea e aprender a observar a forma e não o formato. É crucial fincar os pés no chão e aprender a ver a realidade com os nossos próprios olhos e não a partir de uma tela de TV ou de um celular. A verdade está na nossa cara, não nos jornais.
Segundo, é preciso se intoxicar de literatura e arte, especialmente a clássica. Leia muita ficção, poesia, veja peças de teatro, filmes, pinturas, esculturas, visite catedrais, ouça música clássica e folk. Consuma toda forma de arte até você se sentir exausto, descanse e comece de novo. O nome disso é estudo, e ninguém vira nada sem estudo sério e dedicado.
Terceiro, cultive a humildade intelectual e a coragem. Nunca perca o seu objetivo de vista e tenha em mente que a praia paradisíaca está depois da densa e escura floresta. Como dizia Churchill, se você está atravessando o inferno, não pare de marchar.
Quarto, tenha paciência. Isso tudo vai levar anos e você vai ver os resultados aparecendo muito lentamente na sua fotografia, que vai começar como um verdadeiro kitsch e terminar como real fineart.