Escrever sobre a Cosmologia Tradicional é um desafio e tanto porque não é possível, como veremos mais adiante, explicá-la a um leigo como se explica a organização e a forma das órbitas de planetas. Esse é um assunto muito sutil, e só é possível relatar algumas coisas como alguém que vivenciou um determinado evento e precisa contar para outras pessoas uma versão resumida e muito rudimentar. Quanto mais me adentro nesse assunto, mais as palavras me faltam, e isso é perfeitamente natural, porque a Cosmologia Tradicional não é bem um conhecimento do tipo intelectual.
A Cosmologia Tradicional se vivencia, não se explica. Apenas se pode dar alguns guias e cada um encontra o seu caminho. Porém, é preciso falar sobre o assunto, e esse artigo é uma peça bem introdutória voltada àqueles que tenham interesse e que não queiram cair no besteirol dos que apresentam a Cosmologia Tradicional como uma descrição medieval precária e idiota dos movimentos dos planetas ou de construções absolutamente estúpidas que ligam a astrologia a horóscopo de jornal, quase sempre como uma forma de desqualificar a visão antiga da realidade.
De todo modo, acho que uma técnica bem eficaz de se apresentar coisas muito novas é por contraste. Então o que vou fazer nesse artigo é uma série de comparações entre a Cosmologia atual, que vou chamar de Moderna, e a Tradicional, de modo que o leitor possa ganhar um bom insight sobre como as coisas realmente são.
Cosmologia Moderna, ou Astrofísica
Sempre que se coloca pergunta ‘o que é cosmologia’, a resposta tende a algo como a definição do dicionário: ciência que trata das leis gerais que regem o universo. Segundo a Enciclopédia Britannica:
cosmology, field of study that brings together the natural sciences, particularly astronomy and physics, in a joint effort to understand the physical universe as a unified whole.
Ou, traduzindo para o português:
cosmologia, campo de estudos que reune as ciências naturais, particularmente astronomia e física, num esforço conunto para entender o universo físico como um todo unificado.
Trocando em miúdos, na concepção atual de cosmologia, a coisa toda se resume a entender as relações físicas entre astros, planetas, estrelas, etc. Ou seja, é tudo astrofísica. Na concepção moderna de mundo, o homem é apenas o resultado de uma combinação improvável de causas materiais. Depois de estudar as coisas por outras perspectivas, isso tudo vai parecer meio superficial demais. Porém, o objetivo desse artigo não é refutar a cosmologia atual, mas apresentar a Tradicional (quer dizer, aquela que prevaleceu até a revolução galileana) como alternativa mais viável a algo que, mesmo diante do mundo contemporâneo, já parece dar sinais de cansaço.
Por isso, é preciso tentar entender o universo como um todo de coisas materiais e imateriais. Não existem apenas as coisas sensíveis, existem aquelas que são reais mas não são presenciáveis, como as ideias, as relações matemáticas, os significados das coisas, etc. Tudo, absolutamente tudo, faz parte desse universo e é real. O conhecimento na Cosmologia Tradicional é essencialmente simbólico, o que quer dizer que as coisas podem ser representadas umas nas outras porque todas possuem as mesma essências, que são partes de uma arquitetura abstrata da da realidade.
Um exemplo muito bom disso está no vídeo chamado “Santa Claus and the Tooth Fairy exist” (ou “O Papai Noel e a Fada do Dente existem”) do Jonathan Pageau, que você pode assistir clicando aqui. Em linhas gerais, ele demonstra que o Papai Noel realmente existe porque ele não é uma realidade material, mas é algo que acontece em todo o mundo na época do Natal. Presentes são colocados em árvores de Natal em nome do Papai Noel, o que significa que ele é uma ideia que se materializa através dos atos das pessoas que mantém a história viva. Na cosmovisão moderna, por outro lado, Papai Noel não existe porque ele não é um homem de carne e osso que coloca os presentes para as crianças. Na cosmovisão antiga, ao contrário, ele existe como uma parte imaterial da realidade. Um outro vídeo mais profundo e sério do assunto é “Collective Intelligence: Angles in scientific terms” (ou “Inteligência coletiva: anjos em termos científicos”).
O que é a Cosmologia Tradicional
A cosmologia tradicional é a visão do universo através da experiência humana profunda. O ponto de partida é que o o próprio homem é um microcosmo e, a partir daí, vivencia-se toda uma visão da realidade na qual coisas como planetas e estrelas fazem parte de uma ordem mais baixa de uma hierarquia cósmica que ascende até o divino.
Portanto, é de se esperar que as pessoas tenham dificuldades em entender como a coisa toda funciona, já que fomos todos criados dentro da lógica intelectualista e materialista do iluminismo. Isso não é necessariamente uma crítica, mas um aviso de que a própria visão de mundo na qual fomos criados não é suficiente para entender a Cosmologia Tradicional, e esse é um dos motivos pelos quais ela é tratada como um punhado de superstições por cientistas e filósofos modernos.
Visões equivocadas da cosmologia tradicional
Antes de mais nada, é preciso que se abandone toda e qualquer discussão a respeito do assunto que se assente sobre debates a respeito do sistema Copernicano, geocentrismo, terraplanismo ou quaisquer outros assuntos de ordem material. Essa é a primeira lição a respeito da cosmologia tradicional: as relações materiais não são o seu centro. A coisa mais normal do mundo é ir a exposições sobre cosmologia e ver aqueles painéis com “as visões do Universo que se tinha na idade Média”, explicar como aquilo era equivocado, que a Terra ficava no centro do Universo, etc, etc. O problema é que essa é a visão da Cosmologia Tradicional vista apenas pela ótica da Cosmologia Atual. Porém, como estou descrevendo nesse artigo, a Cosmologia Moderna trata unicamente de aspectos materiais, e é natural que ela só consiga falar desse aspecto da Tradicional. É como alguém tentando entender Napoleão Bonaparte a partir das tramas de uma novela da Globo.
O leitor deve entender que não é possível, como diz Wolfgang Smith em seu livro A sabedoria da antiga cosmologia, “expor ou delinear a Cosmologia Tradicional como se podia fazê-lo com a botânica ou a história na Grécia”. Em outras palavras, não se pode tratar a Cosmologia Tradicional do mesmo modo como se trata a Cosmologia Moderna. Mais adiante deverá ficar claro que a Cosmologia Tradicional se vivencia, ao contrário da atual, que é uma sistematização intelectual dos aspectos materiais. Dizendo de outro modo, a Cosmologia Tradicional e a Moderna nem estão na mesma categoria. A Modernal faz parte de um subconjunto menor da Tradicional.
Um outro aspecto importante é que, ao contrário da Cosmologia Moderna, a Tradicional não chega a formar um sistema. Ela é a busca contínua e individual de cada um, ao passo que a Moderna tenta ser um conjunto sistematizado e lógico universal a todos.
Os quatro princípios delimitadores da Cosmologia Tradicional
Na introdução do livro A sabedoria da antiga cosmologia, Wolfgang Smith apresenta quatro princípios fundamentais que delimitam a cosmologia tradicional. Esses princípios são muito úteis para que se possa entender, pelo menos, do que se trata a cosmologia tradicional. São eles:
A Cosmologia Tradicional trata dos aspectos qualitativos da realidade cósmica, ao contrário da Moderna, que trata dos quantitativos
Na visão contemporânea da realidade, os aspectos mais importantes são aqueles relacionados a quantidades: massa, velocidade, tempo decorrido, etc. Tudo o que não pode ser contabilizado de alguma forma não faz parte da realidade. É por esse motivo que hoje se vê boa parte da Cosmologia Tradicional como uma mera superstição.
Na Cosmologia Tradicional há uma hierarquia vertical da realidade, na qual o plano corpóreo é o mais baixo estrato.
Já na Cosmologia Moderna, pelo fato de tudo ter que ser contabilizável, há apenas as relações materiais, que são regidas por leis rígidas como as da física. Na Cosmologia Tradicional, essa é a parte mais baixa da realidade, a qual ascende até o divino. Essa ausência de hierarquia vertical, segundo Wolfgang Smith, é o que faz com que a Cosmologia Moderna atribua ao universo “uma magnitude espaço-temporal que desorienta a imaginação em virtude de sua mera imensidão quantitativa”. Em outras palavras, o vácuo da orientação hierárquica é suprido por anos-luz e trilhões de anos, que apenas desorientam a consciência humana. Essa é uma questão que pretendo abordar num artigo próximo e é um ponto central pelo qual as interpretações tradicionais do universo estão voltando à tona.
O homem é, ele próprio, um microcosmo
Na visão Tradicional, o homem e o cosmos possuem a mesma arquitetura, por assim dizer. Assim, o homem é um cosmos em miniatura que reflete a estrutura do cosmos como um todo. Por conseqüência, o homem não é um ser estranho ao universo, mas é parte integrante e indispensável dele. Por ser um cosmos em miniatura, o homem é o centro do cosmos em sua totalidade. Esse é mais um ponto diametralmente oposto entre a Cosmologia Moderna e a Tradicional, porque na Moderna o homem é apenas um acidente estatístico. Uma outra coisa curiosa é que a mentalidade moderna atribui essa centralidade do homem no cosmos ao geocentrismo.
A Cosmologia é associada à ascensão espiritual
Portanto, só poderia decorrer disso que a ascensão espiritual está intrinsecamente ligada à Cosmologia Tradicional. Também é óbvio como isso é particularmente extirpado da Cosmologia Moderna por causa do seu aspecto materialista. Na visão Tradicional, só se consegue entender o cosmos a partir de si próprio. Como diz Wolfgang Smith naquele mesmo livro, “os estratos superiores do cosmos só podem ser conhecidos ou experimentados desde dentro, através da atualização dos estados que lhes correspondem no interior do próprio homem, mediante um itinerarium mentis in Deum, um “itinerário da mente para Deus”, na expressão de São Boaventura”.
Por que a Cosmologia Moderna está se tornando rapidamente defasada?
Basicamente, a ascensão da Física Quântica e da Teoria da Relatividade colocaram limites na interpretação materialista do Universo, que passou a ser insuficiente. Por exemplo, na Física Quântica a existência das partículas está relacionada com a observação experimental. Antes de um experimento, as partículas existem apenas como potência e não como ato. Do ponto de vista da Cosmologia Moderna, isso é uma aberração porque não é possível dar conta desse tipo de coisa a partir de descrições puramente materiais.
Por conta disso, surgiram muitas interpretações de fatos que, como demonstra Wolfgang Smith num outro livro, O Enigma Quântico, tudo isso já era esperado pela própria filosofia clássica. Com isso, as teorias científicas modernas passam a requerer um novo estrato para se apoiar, e ele não pode ser suprido pela Cosmologia Moderna. O mais incrível é que, cada vez mais, essas respostas parecem todas já estar contidas na Cosmologia Tradicional, e é por isso que ela é mais atual que a atual.
Esse é um assunto que, certamente, voltarei a tratar em artigos futuros conforme me aventuro nesse assunto.