Dentro de toda mente humana existe um turbilhão de sentimentos, desejos, ideias e muitos outros impulsos.
A função da linguagem é ligar as almas humanas.
A linguagem no mundo
A alma humana tem a necessidade de exteriorizar toda sorte de sentimentos e também prodígios e talentos. Deste impulso nascem as artes, a filosofia, as ciências, a religião e todas as outras atividades, que, em seu conjunto, denominamos cultura.
Todos estes ramos de atuação possuem um elemento comum: a linguagem. Sempre é necessário que outros seres humanos sejam tocados de alguma maneira por aquela obra que se fez. Seja na disseminação de uma nova teoria física, utilizando-se estensivamente da linguagem matemática e também do idioma ou, no outro extremo, numa escultura, na qual toda a transmissão de idéias pode ser subjetiva e independente de um conjunto de símbolos específicos, com caráter universal. O que torna as atividades humanas construtivas é justamente esta capacidade.
Numa coluna da Folha de São Paulo, no dia 10 de fevereiro, o falecido Ferreira Gullar, crítico de arte, poeta e ex-comunista (com ênfase no ‘ex’), entre outras ocupações, sumariza brevemente a presença destes elementos na arte:
“Sem linguagem não há obras de arte. Por isso mesmo, a arte se manifesta por meio de diversas linguagens, que são intraduzíveis uma na outra: o que a pintura diz, a música não diz, o que a poesia diz, a pintura não diz. Os significados existem nas linguagens, nascem delas, são elas.“
Mas, o pensamento do poeta e crítico pode ser estendido a todas as atividades humanas que levam ao que se chama alta cultura, ou seja, aquelas atividades nas quais se buscou, e ainda se busca, o aprimoramento e a exploração de significados cada vez mais profundos.
Cada manifestação humana tem o poder de sondar uma pequena porção da nossa essência: um desenhista industrial consegue explorar sua noção de espaço tridimensional, um motorista desenvolve meios de direção defensiva, um arquiteto planeja uma igreja que exalte as belezas de sua crença, e assim por diante.
Em todos esses casos, o aprimoramento das linguagens também se segue, caso contrário, aquilo que parece uma obra-prima para o autor revelaria-se sem significado a um observador e, neste caso, teríamos um fracasso por parte do artista.
A componente do talento entra justamente aí: este que vos escreve muito dificilmente causaria alguma boa impressão em alguém com uma pintura. A última afirmação do parágrafo é particularmente interessante: significados e linguagens são indistinguíveis. As idéias já nascem na cabeça dotadas de um significado, cabe ao artista, cientista, filósofo, motorista, estivador ou o que seja realizar essas idéias no mundo físico através da linguagem que lhe for mais adequada, ou que tem maior afinidade ou domínio.
Portanto, o trecho
“Cabe então perguntar: pode existir arte sem linguagem?”
se torna desnecessário. Sem linguagem não há como comunicar uma idéia, e sendo as idéias ligadas necessariamente à linguagem, se não há linguagem não houve nenhuma idéia concretizada na mente do autor. Gullar critica com razão a máxima de Marcel Duchamp: “será arte tudo o que eu disser que é arte”. E arremata o texto acertadamente
“Ninguém aceitará, como verdadeira, a afirmação de que “será grande craque de futebol quem eu disser que é grande craque”, nem tampouco que “será poesia tudo o que eu disser que é poesia”, “será ciência tudo o que eu disser que é ciência”.
Não obstante, no terreno das artes plásticas, aquela frase dita para chocar –visando negar o convencionalismo que sufocava a arte– tornou-se uma máxima que justificaria a negação dos valores estéticos.”
Cabe, por fim, um comentário sobre o atual estado da cultura no mundo ocidental. Cada vez mais somos expostos a manifestações com significado muito limitado ou mesmo nulo. Parece que a função única da arte é somente chocar o espectador ou de pelo menos desviá-lo de qualquer atividade mais elevada.
Este último é flagrante na música contemporânea: de trechos monossilábicos de Tchu e Tchá a um rapper coreano fazendo propositalmente papel de ridículo. Tais iguarias culturais da modernidade são devoradas ardentemente por uma sociedade cada vez mais distanciada da própria alma. Nota-se facilmente a decadência das linguagens.
A narrativa floreada do interior do sertão, que fazia música elaborada a partir de instrumentos rústicos e explorava toda a sonoridade do estilo, virou nada mais que um grupo de ‘universitários’ cantando como um carro de grande valor monetário e apelo visual facilitou o seu sucesso reprodutivo.
Igrejas são construídas à base da estética abstrata, sem o menor significado e impossibilitando a realização de um culto em suas dependências, como a Catedral de São Sebastião no Rio de Janeiro.
A disseminação da língua-de-pau, que transforma expressões em ‘gatilhos emocionais de ódio’, como as palavras ‘pre-conceito’, ‘homofóbico’ e afins empobrece a cada dia o nosso idioma, em conjunto a falsos intelectuais infiltrados por todo meio acadêmico que desdenham da norma culta da língua portuguesa e das reais manifestações de arte.
Linguagem é sociedade. Sem linguagem não há como unir pessoas. Sem uma linguagem elaborada não existiriam as obras das quais o ocidente se orgulha tanto, de seus magníficos quadros aos seus incríveis arranha-céus. Estamos caminhando novamente à idade da barbárie? No atual ritmo e direção, provavelmente e rapidamente