O ouro e a prata são os dos metais que vêm à mente quando pensamos em riqueza, luxo e reserva de valor. Os dois metais são usados há milhares de anos pela humanidade com esses mesmos propósitos. Porém o ouro sempre foi mais caro que a prata, e há um porquê para isso.
O ouro é mais caro que a prata porque é menos abundante, tem mais demanda e é estocado por bancos centrais como reserva de valor. Historicamente, o ouro vale 47 vezes mais que a prata.
Mas, entender como esses mecanismos funcionam é um tema bem complexo e muito coisa ainda está em discussão. O fato é que ninguém tem uma resposta exata para essa pergunta, mas podemos tentar imaginar um cenário plausível para isso.
Prata é mais abundante que ouro e, por isso, custa menos
A lei principal de todo mercado é a de oferta e demanda. Isso é basicamente uma lei da natureza e não há nada que se possa fazer para evitá-la. Se um bem é escasso e muitas pessoas o querem, elas irão competir por ele através do preço. É a lógica do leilão, quem quer de verdade paga mais caro.
Por outro lado, se a oferta é abundante mas ninguém quer, não vale nada. Um exemplo bem fácil de entender: Palio 2003 contra Marea 2003. O Palio é o tipo do carro que você vende no mesmo dia porque ele é confiável, a manutenção é barata, possui peças abundantes no mercado e qualquer mecânico conserta, apesar de ser um carro simples, sem nenhum luxo e absolutamente nenhum prestígio social.
Por outro lado, o Marea pode ter um motor turbo de quase 200 cavalos, rápido, confortável, bonito (na época aquilo era maravilhoso, um dos melhores designs de todos os tempos, sem dúvidas). A pegadinha é que ele quebra aleatoriamente, sem nenhum aviso, a qualquer momento, as peças são caríssimas e quase nenhum mecânico quer pôr a mão.
Como funciona a lógica do mercado
Então, apesar de ser muito melhor em muitos aspectos, um Marea acaba não sendo desejado por quase ninguém, enquanto o Palio tem muita gente que quer. Agora, gaste um tempo procurando um de cada para comprar. vai descobrir que o Palio, mesmo sendo tecnicamente inferior, custa mais caro que um Marea.
É muito simples entender porque isso acontece. Imagine que você tenha um Marea para vender. Você anuncia no Mercado Livre e espera as pessoas ligarem. Ninguém te liga em um mês. Então você é obrigado a abaixar o preço e esperar. Ninguém liga, você abaixa mais. Aí aparece alguém e na hora da negociação o cara paga um pouco menos ainda.
Já alguém que anuncia um Palio consegue vendê-lo praticamente no dia sem ter que baixar o preço, pelo simples fato de que tem muita gente querendo ele. O valor de um bem é proporcional ao quanto as pessoas o desejam e não ao que ele é tecnicamente.
Quanto menos oferta, maior o preço
Agora, vamos supor que tenha acontecido alguma coisa e ninguém mais queira vender os seus Palios 2003. Aquelas pessoas que queriam um vão continuar querendo, então elas subirão as suas ofertas para comprar um.
Quem tem e precisa vender, sabendo disso, vai tentar aumentar o preço já que as pessoas estão pagando mais pelo mesmo bem. Enquanto houver pessoas dispostas a pagar mais caro pelo bem, o seu preço continuará alto.
Já um bem que não tem demanda, como um Marea, nem que toda a oferta suma não fará muita diferença. O que vai acontecer é que esse bem vai acabar sucateado e descartado.
A oferta de ouro é menor que a de prata, por isso ele é mais caro
A mesma lógica vale para todos os tipos de mercadoria e, ouro e prata sendo mercadorias, é de se esperar que seguirão a mesma lógica. Em 2018, foram mineradas cerca de 3.500 toneladas de ouro em todo o mundo, enquanto a prata, em 2016, teve uma produção de cerca de 25.000 toneladas. Apesar de ser números de anos diferentes, foi o que encontrei facilmente aqui e a ideia é apenas comparar as ordens de grandeza.
Assim, é produzido cerca de de 7 vezes mais prata do que ouro no mundo. Ou seja, o ouro é 7 vezes mais raro que a prata, ao menos em termos de produção anual. Então, você deve estar pensando que o ouro seja 7 vezes mais caro que a prata, certo? Errado. O ouro, hoje, agosto de 2020, custa cerca de 70 vezes o valor da prata.
Então, é evidente que a raridade sozinha não explica a diferença de preços, o que é esperado já que a raridade afeta a oferta e não a demanda. Temos mais um fator 10 para acomodar nessa conta, o que nos leva ao próximo tópico.
A demanda de ouro e prata
Em 2019, a indústria como um todo consumiu um total de quase 31 toneladas de prata, que não é muito maior do que a produção anual. Disso se conclui que a demanda por prata para reciclagem é muito menor que a prata recém tirada de uma mina. Cerca de 25% da prata consumida no mundo tem que vir de reciclagem.
Um uso interessante é o da indústria da fotografia, que ainda usa bastante. Aqui no Brasil pouca gente sabe, mas a fotografia analógica está viva e passa bem.
Já o ouro, de acordo com o mesmo site, teve um consumo de cerca de 4300 toneladas no mesmo período em 2019 que, assim como a prata, é um cerca de 22% acima do total produzido.
Só que, ao contrário da prata, a aplicação industrial do ouro é minoritária. De longe, a maior demanda de ouro é na joalheria, conforme esperado, seguido de investimento e de Bancos Centrais, que consomem, juntos, mais da metade de toda a produção.
Ouro e prata fora de circulação
Esse ouro que é destinado a investimento e Bancos Centrais basicamente é tirado de circulação. Ou seja, ironicamente, a maior parte do ouro que é tirado da terra no mundo é enterrado novamente dentro de um cofre!
Isso faz com que a quantidade de ouro em livre circulação no mundo seja muito menor que a da prata, já que muito menos prata vai parar num cofre do que ouro.
Embora esse número varie, mais ou menos 40 a 50% de toda a demanda mundial de ouro vai para investimentos ou Bancos Centrais, ou seja, é tirado de circulação e guardado. Já para a prata, essa proporção é de cerca de 20 a 25%.
Se levarmos em conta que joias são bens que também não são negociados abundantemente no mercado de usados, esses metais, quando usados na joalheria, tenderão a focar fora do mercado por várias décadas. Ninguém vende suas joias rotineiramente, geralmente elas ficam guardadas até virarem disputa de herdeiros.
Nesse caso, levando em conta a joalheria, quase 90% do ouro consumido é tirado de circulação, enquanto que, para a prata, isso equivale a aproximadamente 42%. Ou seja, somente 10% do ouro permanece em circulação enquanto, para a prata, isso é quase 60%, ou seja, há mais um fator 6 aí. Então, até agora, o ouro deveria ser cerca de 42 vezes mais caro que a prata.
Isso nos leva ao próximo ponto, que é a demanda dos Bancos Centrais.
O ouro e a prata como reserva de valor
Muito além da questão da abundância, na minha opinião, o que mais faz o ouro ser mais caro que a prata é que ele sempre foi reserva de valor, tanto para os governos quanto para indivíduos.
A reserva de valor significa que o valor do dinheiro é atrelado ao valor do ouro. O Banco Central emite as notas de reais, por exemplo, baseados nas reservas de ouro que ele possui. Assim, em tese, uma nota de dinheiro nada mais é que uma promissória de ouro.
O problema é que esse não é mais caso desde os 70, quando o Banco Central americano, o FED, deixou de lastrear o dólar em ouro e, a partir daí, todos os outros países seguiram a mesma tendência.
Inflação
A principal vantagem de se ter uma moeda descorrelacionada ao ouro é que é possível emitir novos títulos de dívida pública apenas através da emissão de moeda. Mas essa é uma vantagem de curto prazo, porque o resultado sempre é o mesmo: inflação.
Nós conhecemos a inflação como aumento nos preços, mas não é bem isso o que ela significa. A inflação quer dizer que o dinheiro está valendo menos. Pense assim, como uma nota de 10 reais não tem um valor fixo, já que ela não possui lastro, as pessoas podem negociar o valor das coisas livremente independente do valor da nota.
Nesse caso, os preços das mercadorias são, literalmente, uma construção social já que não nenhuma contraparte no mundo real que segure o preço. Então, por qual motivo uma barra de chocolate pode custar 2 reais hoje e não 4 amanhã? A resposta é: queda na demanda.
É bem simples entender isso. Se você vai no mercado ontem e a mercadoria custa o dobro do que custava ontem, você não compra. Quer dizer, a maioria das pessoas não compram, algumas comprarão de todo modo.
Mas, o fato é que, numa lógica de livre mercado, esse mecanismo sozinho conseguiria conter a inflação. O problema é que a coisa é muito mais sutil, especialmente quando envolve o governo.
Abundância de crédito gera inflação
Agora, imagine um outro cenário, no qual todo mundo consiga receber um empréstimo para comprar um bem e pagar em 20 anos. Como o prazo de pagamento é muito longo, ele caberá no bolso de todo mundo, então esses empréstimos serão pegos por muita gente. Isso entope o mercado de dinheiro que é literalmente criado do nada pelo Banco Central para cobrir esses empréstimos.
O resultado é óbvio, como há muito dinheiro circulando naquele setor, e como a prestação é pequena, sempre dá pra subir um pouquinho o preço. Afinal, ninguém está fazendo caridade e o lucro é preciso para que uma sociedade seja saudável.
Aí os preços desses produtos sobem. Isso vem acontecendo desde que foi criado o Minha Casa Minha Vida, os preços dos imóveis subiram quase por um fator 10 nesse período.
Só que esse efeito se propaga por toda a economia, porque mais gente tem mais dinheiro e, quando todo mundo tem alguma coisa, ela não vale nada. E é precisamente isso que é a inflação, quando o dinheiro de um país passa a ser capaz de comprar cada vez menos coisas porque todo mundo tem uma quantidade grande dele, que não vale nada.
Você tem reparado como os valores de obras publicas (e também dos escândalos de corrupção associados) passaram da casa dos milhões e agora estão nos bilhões? Essa é uma das razões.
O que valor do ouro e da prata têm a ver com inflação?
Como o valor do dinheiro não é mais fixado no preço do ouro, ele pode variar de acordo com a demanda de dinheiro e de ouro no mercado. Assim como todo bem, se o valor do dinheiro diminuir, será preciso de mais reais para comprar a mesma quantidade de ouro ou prata.
Deste modo, conforme o dinheiro perde valor por inflação, o ouro vai subindo e compensando essa perda. Por esse motivo é que o ouro é considerado uma reserva de valor, porque em termos de quanto ele vale, ou de poder de compra, ele é sempre constante.
Por isso que os Bancos Centrais sempre mantém uma reserva grande de ouro, assim eles possuem meios de agir caso a moeda saia de controle. É aí que o valor do ouro mais aumenta, porque como ele fica retido nos cofres dos Bancos, há muito menos ouro em circulação. Isso reduz a demanda e, conseqüentemente, o preço.
Já a prata não tem tanto a função de reserva de valor quanto o ouro e isso ajuda a valer menos. Como os Bancos Centrais não estocam tanta prata quanto ouro, assim há muito mais oferta de prata no mercado que de ouro, e isso ajuda a diminuir o valor ainda mais.
Aqui, é extremamente difícil dizer o quanto o ouro deveria valer em relação à prata porque ela praticamente não é usada por bancos centrais e sim por indivíduos, e essa proporção já foi incluída na estimativa de demanda.
Quanto o ouro deveria valer mais que a prata?
Assim, fica fácil entender o porquê do ouro ser mais caro que a prata, que se deve, principalmente, à oferta, à demanda e à reserva de valor. Porém, a questão mesmo é quanto deveria valer o ouro em relação à prata, já que tem muita gente fazendo suas apostas nisso.
Historicamente, durante o século XX, a razão entre o valor do ouro e da prata é de 47:1, que é bem próximo do valor que calculamos baseado na demanda. Porém, é estimado que a razão entre ouro e prata na crosta terrestre seja de 17.5:1, bem abaixo do que diz o mercado.
Hoje, agosto de 2020, essa razão é de 71:1. Ou o ouro vai descer até o valor histórico, ou a prata vai subir. Senhores, façam suas apostas.