Há muitos anos que venho notando um fenômeno bem comum e, na verdade, tão disseminado por essas terras, que acho que nunca vi um lugar por aqui que não fosse assim. Esse fenômeno é o desprezo, até mesmo o ódio, pela estética. Não é incomum encontrar pessoas que fiquem nervosas quando a gente pede pra fazer as coisas bonitas.
Porém, como é de se esperar na nossa cultura, o leitor provavelmente está pensando que estou tratando de um capricho, de um gosto por certos estilos de arte ou arquitetura. Na verdade, estou falando de um problema bem mais grave que isso. Sempre que há desprezo pela estética, há desintegração em todos os níveis da existência humana.
A estética é a cereja do bolo na formação de qualquer coisa, seja uma casa, seja uma caneta, um carro ou um rito religioso. A coisa pode ter função, mas a função só é máxima quando ela encontra a forma apropriada, e as coisas melhores sempre são as mais belas. Existe uma relação íntima entre a função e a forma final. Antigamente, a humanidade sabia disso, basta ver as cidades europeias antigas, que estão lá, de pé, há mais de mil anos em muitos casos.
Hoje em dia, ao contrário, as coisas duram muito pouco. Em menos de um século, qualquer um desses majestosos prédios de vidro estará em ruínas. Sir Roger Scruton já tratou bastante desse assunto no documentário ‘Por que a beleza importa?’ e no livro ‘Beleza’. Porém, eu iria além e diria que o ódio pela estética tem um efeito contagiante, que tende a criar ódio pelas coisas belas e a destruí-las. Os gregos diziam que isso é uma doença, a apeirokalia, tratada pelo Prof. Olavo de Carvalho neste artigo aqui.
Porém, o dano não fica restrito apenas à arquitetura. Ele se alastra e vai corroendo todos os níveis da sociedade, porque é uma doença que se infiltra até o âmago da essência humana. Recentemente, escrevi um artigo explorando a condição caótica da arquitetura do centro da minha cidade, Campinas, e é impossível não ligar a decadência estética com a decadência social. O centro de Campinas, hoje, é um lugar absolutamente detestável.
Isso acontece porque, no fim de toda a cadeia de coisas, o ódio à estética atinge o cerne da existência humana, que é o sagrado. É simplesmente impossível conceber o sagrado sem nenhum senso estético, justamente por causa da perfeição associada ao divino. Não existe a possibilidade de Deus ou do paraíso serem feios. Isso seria contraditório, não só em termos de conceitos formais, mas parece ferir de morte o nosso próprio instinto de realidade.
E é nesse ponto que eu queria chegar. Existem coisas em que a estética é tão importante que ela é indissolúvel da própria estrutura da realidade dessas coisas. O exemplo mais sublime e razoavelmente acessível de todos talvez seja a Santa Missa. Num rito tridentino, todo gesto, música, palavra, movimentação, têm não apenas um sentido e uma conotação simbólica, mas também têm algo na sua própria constituição.
Numa Missa Tridentina, por exemplo, movimentos bruscos não são bem-vindos. Não é possível celebrá-la sem todo o cuidado imaginável, porque o próprio cuidado faz parte daquela situação específica, que lida com a realidade do Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Basta presenciar a Santa Missa no antigo rito apenas uma única vez para se notar que ali existe um todo, que todas as partes não são somente sincronizadas e harmoniosas entre si, mas cada uma delas é essencial para que o todo da Santa Missa exista.
Pessoas criadas na grosseria da nossa cultura atual tendem a ver nessas coisas apenas um certo preciosismo, enquanto quem começa a adquirir certa sensibilidade e entendimento percebe que as coisas precisam ser daquela forma, e não de outra. Hoje em dia, o mais comum é pensar que diferença faz se o padre diz as coisas com essa ou aquela entonação, se segura o cálice de um jeito ou de outro?
Aí é que entra o grande problema com a Missa Nova, que não é a Missa Nova em si, mas é a abolição de uma estética que lidava de maneira simbiótica com o sagrado. Os gestos, as formas dos objetos, as disposições de todas as coisas são todas feitas de um tal modo que o sagrado não é mais um conceito abstrato, é uma coisa real, que está ali.
A estética, não se engane, não é “só” estética. Esse “só” é que é um dos maiores problemas que enfrentamos, esse desprezo. A estética é a maneira como a realidade se articula do modo mais perfeito para se fazer visível no mundo material.
A partir do momento que se despreza a estética, está se fechando as portas da própria realidade. Ela é parte fundamental da própria estrutura da realidade e não precisa ser muito inteligente para descobrir o que acontece quando alguém resolve desprezá-la.
O efeito, mais que esperado, só pode ser um: a desintegração. A realidade devora todo aquele que insiste em negá-la. Quando se brinca com a parte central da estrutura da realidade, nesse caso o próprio Nosso Senhor, como alguém poderia imaginar em escapar ileso?