Afinal, fotografia é arte ou não?

Essa é uma das coisas que aparecem com mais freqüência entre os leitores do blog e também no Instagram. Afinal de contas, a fotografia é uma arte ou não? Começando do começo, é preciso primeiro entender que a palavra fotografia pode ter vários sentidos. Um deles é uma técnica que consiste em capturar cenas do mundo real e representá-los numa tela ou num pedaço de papel. Outro é a própria imagem final.

Quando as pessoas perguntam se a fotografia é, de fato, uma arte, a resposta é outra pergunta: qual fotografia? Você pode debater se uma fotografia específica, no papel, é arte ou não porque ela precisa fazer uma série de coisas pra ser classificada como arte. Já a técnica da fotografia, em si, não é arte, é apenas uma técnica. E, na minha opinião, como o objetivo é simplesmente dispor pigmentos numa tela para formar uma imagem, ela é, na verdade, um método de pintura.

E aí a gente pode ver a coisa por um outro lado, ainda. Tem pintura que é arte e pintura que não é. Se a gente pega coisas mais básicas, como qualquer quadro do Bob Ross, não dá pra dizer que é arte, e a gente já vai detalhar exatamente o porquê. Mas basta olhar um dos quadros, como esse abaixo, pra notar que falta alguma coisa pra chamar de arte ali.

Um quadro do Bob Ross

Cara… eu gosto do Bob Ross, e tem hora que eu penso em tentar pintar um quadro com esse método dele. Aliás, não sei se você sabe, mas ele ficou famoso porque criou um método que qualquer um pode pintar paisagens em menos de uma hora, mesmo não sabendo nada de pintura. Mas é artesanato, não é arte. E não tem nada demais nisso, artesanato também é bonito.

Você não sabe o que é arte

E é verdade mesmo. Hoje em dia a gente nem faz ideia do que seja a arte porque ela virou sinônimo de qualquer coisa, especialmente nos meios acadêmicos nacionais. Uma coisa que ajudou a destruir com qualquer seriedade no assunto foi a derrocada das manifestações culturais dentro das universidades públicas, que virou simplesmente panfletagem política, e da pior possível.

Apesar de que esse não seja um fenômeno meramente nacional, aqui a “crackolandização” do meio acadêmico é um dos mais profundos do mundo. O que se chama de arte nas universidades brasileiras, muitas vezes, é só um espetáculo digno de hospício, no sentido literal. Procure uns vídeos de hospício no Youtube e compare com os eventos de arte das universidades brasileiras e veja por si próprio. Teve até um caso, uns anos atrás, de um aluno que meteu a mão num fio desencapado e morreu eletrocutado porque as pessoas que passavam achavam que era uma apresentação artística e não prestaram socorro.

E qual o problema disso, deixa os caras lá, tomando o choque deles – você deve estar pensando. A questão é que as universidades formam os professores, e os professores ensinam o povão. Aí o povão começa a absorver todas essas ideias tortas e perder completamente a noção das coisas, aí o hospício vai se alastrando. Por isso, a gente precisa recuperar um pouco a sanidade, e eu acho que já falei demais sobre isso. A essa altura, você já deve estar pensando em sair da página, o que prejudica as métricas do blog com o Google e acaba com o meu faturamento. Então vamos adiante.

Tá, então fala sobre arte, cara

Vamos pensar na arte num sentido mais clássico, então. Por exemplo, vamos pegar essa foto abaixo, que eu tirei lá no Vaticano em 2019. Responda com sinceridade, vendo um negócio desse, e vendo o que se chama hoje de arte, você consegue considerar as manifestações “artísticas” contemporâneas como arte? Ou parece simplesmente loucura?

Daí eu jogo a pergunta pra você pensar um pouquinho: o que é que tem, nessa imagem, que te faz instintivamente pensar que ela é arte? Eu já vou dar a resposta, mas as coisas só funcionam pra valer se você fizer força por si próprio

Definição de arte

Boa parte desse artigo, inclusive aquela seção anterior, é baseada numa aula do Prof. Luiz Carreira intitulada justamente “você não sabe o que é arte“. Se você tem interesse no assunto, é obrigatório assistir, porque ela é simplesmente o que há de melhor em qualquer meio cultural brasileiro, hoje. Mas, como eu sou um cara legal, pra te poupar o trabalho, eu peguei o enunciado da definição lá do meio vídeo:

A arte é o fenômeno da cultura que se manifesta na tradição de confeccionar objetos e eventos simbólicos que comunicam a experiência humana universal por meio da imaginação e numa relação de transfiguração desse mesmo objeto ou evento simbólico como parte do mistério da beleza.

Prof. Luiz Carreira

Aí tem um monte de coisas que diferencia um objeto de arte de um objeto de não-arte. Primeiro, a arte é uma tradição cultural, então ela precisa estar encaixada numa corrente de coisas que são manifestações culturais. Toda arte faz parte de algo maior, e ela não é simplesmente um único cara que faz um negócio esquisito ali no canto. Ela tem que ter continuidade com as coisas que já existiam antes dela.

Depois, ela trata de confeccionar – ou seja, fazer, fabricar; objetos e eventos simbólicos. Então ela tem que ter uma forma material. Pode ser uma pintura, uma escultura ou pode ser um evento, como o teatro. O importante é que ela tenha uma forma material bem definida. Não tem como existir arte imaginária, por exemplo. Isso é empulhação.

Fraudes artísticas

Aliás, isso me lembra uma história. Em 2013 eu visitei o Museu de Arte Moderna de Nova York. Ali só tinha porcaria, mas um negócio me chamou atenção, e era uma tela de pintura gigantesca e vazia. Aí a plaquinha dizia aqueles clichês de que é o expectador que tem que imaginar e não sei o quê. Ora, mas é óbvio que isso é estelionato! O cara me cobra ingresso pra chegar lá e eu ainda ter que fazer o trabalho dele? Enfim… deu pra pegar o ponto.

Experiência humana universal

Adiante, então. A arte também tem que comunicar a experiência humana universal. Não é a experiência humana de uma pessoa, mas a que transcende as experiências de todas as pessoas. Ou seja, a arte tem que tratar de temas universais, ou que a gente chama de condição humana. A arte verdadeira tem que criar símbolos que expressem o drama da vida humana em todos os seus aspectos.

Um adendo aqui é que uso a palavra drama não no sentido negativo, mas no sentido abrangente de uma peça de teatro, de uma história humana. É mais ou menos como a comédia, a gente tem no sentido cotidiano como algo engraçado, mas na verdade é toda história com final positivo.

Imaginação

Depois, a arte tem que fazer isso através da imaginação. Você tem que olhar pro negócio e começar a imaginar as coisas a partir dele. A arte é um ponto de partida para a imaginação. A partir dela, você tem que ser capaz de encontrar quais são os aspectos do drama humano que estão representados naquela peça e o que eles querem dizer pra você. Isso não é fácil de fazer, e colocar essas coisas em palavras é uma das coisas mais difíceis que tem. Mas também é por isso que tem aquele clichê que diz que a arte é um espelho. Por que é mesmo.

Beleza

Por fim, tem que ter a componente da beleza. E isso acontece porque a arte, como expressão da condição humana, precisa se basear na realidade e conter alguma verdade fundamental. Acontece que, para expressar uma verdade, é preciso haver ordem, e a beleza é a forma suprema com a qual a ordem se manifesta. Se você não é capaz de classificar uma coisa como bela, ela dificilmente é arte.

Tá, mas e a fotografia?

A essa altura, você já deve ter percebido que a pergunta ‘a fotografia é uma arte’ não faz nem sentido. O que faz sentido é ‘essa fotografia aqui é uma arte?’. E daí você tem que sair procurando essas coisas dentro de uma fotografia específica pra saber se ela se classifica como arte ou não. É um processo que envolve ganhar sensibilidade e aprender um monte de coisas, e não pra chegar cravando.

Porém, já adianto que 99.999999% da fotografia que existe no mundo não é arte. A razão é que a maioria dos temas são banais, não têm um significado transcendental. E na fotografia existe um outro problema bem grave que é confundir beleza com efeitos visuais. Quando a gente fala em beleza, na arte, é sobre o conceito clássico de beleza, tipo esse da foto abaixo. É mais fácil mostrar do que explicar, nesse caso.

Pietà, na Basílica de São Pedro, Vaticano. Fabio Ardito com Pentax K70 e Pentax 18-55mm.

Então, sinto informar, mas pra saber se uma coisa é arte ou não, tem que olhar caso a caso e tem que estudar pra saber como que faz. Estudar, nesse caso, é começar a ver e vivenciar obras de arte. O caminho mais fácil é partir do clássico, que é o mais seguro e ir aprendendo a partir daí. Outra coisa que você pode fazer é me seguir no Instagram, porque esse é um assunto bem recorrente lá no perfil.

Fábio Ardito

Pelo mundo atrás de treta.

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