Um dos mitos mais comuns entre os iniciantes em fotografia que resolvem abandonar o celular é que os bons fotógrafos só usam modo manual. Isso é uma bela bobagem, porque o bom fotógrafo é aquele que fotografa a cena que ele quer, não o que fica perdendo tempo apertando duzentos botões e deixa a cena passar.
A função do modo manual na câmera é permitir o ajuste fino de parâmetros, operar em casos que os sensores não consigam determinar os melhores parâmetros ou garantir a uniformidade da exposição durante fotos repetitivas.
Veja que em nenhuma dessas funções está escrito “modo manual serve para eu parecer o cara“. Existe essa noção de que o bom artista é aquele mais virtuoso, o que tem mais habilidade em lidar com as técnicas. Porém, a arte não se resume a virtudes técnicas, e sim cognitivas. Já escrevi extensivamente sobre arte e inteligência aqui no blog, e agora é uma boa hora pra você dar uma espiada nesse artigo.
Só pense o quão ridículo você soaria se perguntasse para o Leonardo Da Vinci como ele segurou o pincel para pintar a Monalisa.
Se você leu os artigos e entendeu direitinho, deve ter percebido que eu demonstrei muito bem demonstrado que o objetivo do artista é expressar algo. Portanto, o que torna um fotógrafo bom não são os métodos que ele usa, e sim o resultado que ele obtém.
Por exemplo, você já viu alguém olhando uma foto bonita e dizendo “nossa, o cara deixou -1.3 EV na exposição, hein?”. A verdade é que, tirando outros fotógrafos (e só os ruins, nesse caso), ninguém dá a mínima pra essas coisas, até porque os caras bons batem o olho e já sabem mais ou menos todos os parâmetros que precisa pra conseguir aquele resultado.
A verdade é que ninguém tá se importando se você é o cara que sabe mexer em todos os menus da sua câmera. Mas todo mundo que tá vendo suas fotos tá se importando com o resultado final. Principalmente se você é um profissional que vive de fotografia e as pessoas te pagam por elas.
Modo manual de foco e de exposição
Praticamente todas as funções de uma câmera moderna possuem algum tipo de automação. Geralmente, quando falamos em modo manual, estamos nos referindo ao foco e à exposição. Porém, existem muitos outros, como balanço de brancos, perfis de cor, modos de cena, etc.
Como daria um verdadeiro livro escrever sobre todas essas funções, vamos focar a nossa atenção aos dois que mais importam e que, geralmente, são independentes.
Em todas as câmera que já tive que possuíam modo manual, todas permitiam que o modo de foco e o de exposição fossem ajustados independentemente.
Em ambos os casos, contudo, a lógica de funcionamento é a mesma. A câmera utiliza os seus sensores para detectar os objetos e ajustar os parâmetros utilizando estratégias de otimização digitais. Essas estratégias não são nada diferentes do que você faria no olho. Você tenta, vê o resultado, se melhorar continua, se piorar volta.
Então, no fundo, a câmera faz exatamente o que você faria, só que com muito mais velocidade e precisão.
Para que serve o modo manual da câmera
O modo manual da câmera tem três funções principais: permitir lidar com situações que os sensores da câmera não consigam fazer os ajustes necessários; permitir que o usuário faça ajustes finos e permitir constância de resultados.
O primeiro caso ocorre especialmente em situações de iluminação anômala. Por exemplo, em cenas escuras que a luz auxiliar câmera não consegue pegar nenhum contraste suficiente; cenas que um objeto seja muito mais luminoso que o restante do quadro; cenas que não possuam nenhuma borda na qual o contraste seja suficiente para acertar o foco e assim por diante.
Outro caso é o de fotografia estática ou que possua repetições, de tal modo que você pode ir variando os parâmetros pouco a pouco até conseguir o resultado ideal. Isso inclui fotografia de interiores, por exemplo. Você põe a câmera no tripé, fotografa, amplia, vê os detalhes, muda os parâmetros da câmera e do ambiente e assim por diante.
Um outro exemplo em que o modo manual é crucial costuma ser o timelapse. Se todos os quadros não tiverem constância de iluminação, a animação certamente ficará bem esquisita. Outro exemplo é para fazer montagem panorâmica. Se todas as fotos não estiverem expostas exatamente do mesmo jeito, a montagem não vai ficar boa.
E existem casos em que as três coisas são fundamentais, como é a astrofotografia. Você tem que ir variando os parâmetros, a câmera não consegue se ajustar sozinha e é preciso ter repetitividade.
Então vamos detalhar um pouco mais essas situações.
Quando usar o modo manual da câmera
A pergunta que fica, então, é: quando devo usar o modo manual? O modo manual é um recurso que existe para ser usado em situações nas quais a câmera não consegue determinar sozinha os parâmetros corretos de exposição e foco.
Como tudo em arte, não existem regras nem exceções. O que existe é o que permite o artista se expressar, e alguns recursos são convenientes em certas horas e outros não.
Por exemplo, em astrofotografia a câmera não consegue julgar sozinha nem os parâmetros de exposição e nem o foco porque as estrelas são pontos praticamente infinitesimais e a maioria do espaço entre elas é vazio e escuro. Então ela se perde e não consegue achar o foco e nem a exposição. Um bom exemplo disso é quando fotografamos os planetas. É preciso reduzir bastante o tempo de exposição para que eles não sejam pontos estourados na foto. Para a lua, vale a mesma coisa.
Podem, também, existir situações em que você queira forçar demais os limites. Um bom exemplo é a técnica de hiperexposição, na qual você mantém o sensor ou filme exposto por muito mais tempo do que o necessário, fazendo as partes claras queimarem bastante e criando um contraste extremo, como nessa foto abaixo.
Outra situação é quando você quer fotografar algo que seja muito sutil e o autofoco não consegue detectar. Aí você vai no modo manual e trava onde quiser. Aliás, pelo menos na minha vida prática, uso muito mais o foco manual do que a exposição manual.
Em cenas estáticas, como fotos de interiores, uso bastante um recurso da câmera que é a ampliação para acertar o foco. No caso da Pentax K70, que é o meu rifle de batalha, posso dar zoom até aparecer os pixels individuais no modo liveview. Aí, eu ajusto o foco manualmente até conseguir a resolução máxima. Nesse tipo de cena é um ajuste fino que vale a pena.
Entretanto, repare que, em todos esses casos, você tem tempo para ajustar tudo com muita calma.
Quando não usar o modo manual da câmera
Em praticamente todas as outras situações. Os modos automáticos têm a função de transferir a carga de trabalho do fotógrafo para a câmera, justamente para ele focar no que interessa, que é a composição.
O intuito disso é que a maior parte das funções da câmera são feitas por intermédio de sensores, mesmo no modo manual. Por exemplo, para acertar a exposição no modo manual você fica de olho no fotômetro ou vai tirando as fotos e acertando. Nos dois casos você dependeu dos sensores da câmera. Então, no fundo, você está fazendo a mesma coisa que a câmera faria.
O mesmo vale para o foco e para todos os outros parâmetros, como balanço de brancos, perfil de cores, nível de HDR, etc. Você estaria fazendo exatamente o mesmo julgamento que a câmera, baseado nos mesmos parâmetros e usando os mesmos sensores, só que mais lento e muito menos preciso.
Numa cena em que é preciso fazer o foco rápido, você acha mesmo que vai conseguir ser melhor que a câmera? E mesmo onde tenha tempo para fazer o foco, é bem difícil acertar o olho para conseguir focalizar melhor que a câmera. E essas coisas afetam negativamente o seu resultado final.
Porém, no final das contas, o ideal é usar os modos semi-automáticos, que são os modos A e S. No modo A você define a abertura e câmera faz o resto. No modo S você define a velocidade. A vantagem desses dois modos é que a abertura e a velocidade afetam a composição.
No caso da abertura, ela controla a profundidade de campo, então a quantidade de fundo desfocado pode ser ajustado pelo fotógrafo e a câmera se vira com o resto. É por isso que gosto da minha Pentax ME, na foto abaixo, que é uma câmera analógica que opera em modo A. Só o foco que é manual mesmo.
Uma outra câmera que eu gosto muito é a Praktica B200, fabricada pela Zeiss na Alemanha Oriental. O legal dela é que possui modo A e também o modo totalmente manual.
Já o modo S é útil quando a velocidade de captura é importante. Geralmente, isso está atrelado a movimento. Quando você quer que a cena fique estática, aumenta a velocidade do obturador, quando quer que fique fluida, diminui.
E existe o modo P, que faz um jogo entre abertura e velocidade para obter a imagem mais nítida possível. Esse é o modo automático que eu costumo evitar porque diminui a minha expressividade, já que não consigo controlar o desfoque de fundo muito bem.