Mais um artigo que faz muito tempo que eu queria escrever, mas que só saiu agora! A fotografia de rua é uma das técnicas mais divertidas que existem, porque é através dela que a gente acha verdadeiras pérolas enterradas no meio da cidade. Na verdade, eu acho esse tipo de coisa extremamente importante, porque ela valoriza lugares onde muitas pessoas moram, transitam e não percebem o valor que está enterrado no meio dos detalhes cotidianos.
Particularmente, gosto muito de fazer essas cenas que surpreendem as pessoas, que elas olhem e digam ‘nossa, eu passo aqui todo dia e nunca tinha reparado!’. Outro dia mesmo – tipo, uns 2 anos atrás! eu fiz essa foto aí abaixo dentro do meu prédio. Pra ser mais artístico, usei um filme preto e branco, um Agfa Cinerex 50, e uma câmera Praktica B200 (fabricada na Alemanha Oriental!).
Quando postei essa foto no grupo do condomínio, todo mundo achou o lugar lindo e queria saber onde era. Para surpresa geral, era só uma arandela na entrada da recepção. Até hoje tem gente que tira foto do lugar e posta no grupo, e a arandela deixou de ser uma coisinha esquecida no meio de jardim e passou a ser uma coisa que alegra a vida das pessoas que moram aqui!
Seja invisível
Esses dias eu estava vendo um vídeo do Sean Tucker que, na minha opinião, é o melhor fotógrafo de rua vivo, e ele dizia que o ponto central da fotografia de rua é justamente ser invisível. O problema todo é que as pessoas reagem quando veem um cara com uma câmera DSLR na mão. Tem gente que foge e tem gente que quer aparecer no quadro. Já aconteceu comigo de umas moças pedirem pra aparecer na foto pra depois mandar no Instagram pra elas – bom, não vou questionar as intenções de ninguém aqui!
O fato é que sim, as pessoas reagem quando alguém está tirando fotos na rua. O problema é que daí o fotógrafo vira personagem também. É claro que, dependendo do efeito final, isso pode ser interessante e, na arte, tudo é uma questão de mensagem. Porém, na maioria das vezes não é isso que a gente quer. O que queremos é mostrar a vida na cidade com um pouco mais de cor e de romance e, por isso mesmo, as cenas precisam ser naturais e espontâneas.
É preciso manter a espontaneidade
Imagine que você queira mostrar pessoas se divertindo em algum lugar. Se você se aproximar muito e elas perceberem, com toda certeza vai acabar com a espontaneidade. Acho que já deu pra perceber onde quero chegar. Um outro aspecto disso é que tem gente que fica incomodada com alguém fotografando a frente da sua casa, por exemplo. Via de regra, não tem problema fotografar coisas públicas, e a frente de uma casa está na rua. Mas isso não quer dizer que não possa surgir confusão por causa disso.
Um outro aspecto, infelizmente corriqueiro aqui no Brasil, é a violência. As cidades brasileiras, especialmente nas zonas centrais, estão sofrendo cada vez mais com a degradação urbana. Então é preciso tomar muito cuidado para não despertar a atenção de criminosos, e esse é mais um bom motivo para ser discreto. É bom evitar andar com uma DSLR na mão por aí. Aqui no centro de Campinas isso é quase uma sentença de roubo.
Câmera
Para se manter invisível, então, é bom ter a câmera certa. Quem gosta de fotografar a rua precisa ter uma boa compacta. A opção mais usada no exterior é a Ricoh GR III. A vantagem dessa câmera é que ela tem um sensor APS-C e ainda assim é uma compacta. Então ela produz imagens com qualidade de DSLR só que é totalmente portátil. A desvantagem é que ela usa uma lente fixa de 18,3 mm, que dá o equivalente a 27 mm no formato full frame. Isso quer dizer que essa lente é uma grande ocular, e isso pode requerer se aproximar muito das cenas, o que acaba comprometendo a invisibilidade. E não tem como trocar a lente.
Se você acha melhor uma câmera que possa trocar a lente e ainda seja compacta, uma das opções que muita gente usa é a Fujifilm X-T3, que é uma mirrorless compacta com qualidade excelente. Fora que o design dessa câmera é inspirado nas analógicas e, sem dúvida, é uma das mais bonitas do mercado.
Por fim, sempre tem a opção da analógica. Uma DSLR compacta, como a Pentax ME, e a série Olympus OM são excelentes para isso, e dá pra achar com certa facilidade com a lendária lente 50 mm f/1.4. A recomendação é usar um filme com ISO 400, porque as cenas na cidade costumam ser mais escuras. É normal ter que fotografar na sombra. E um equipamento analógico, por melhor que seja, sempre custa uma fração do digital. Essa foto abaixo também foi feita com analógica.
A fotografia de rua é uma pescaria
Um dos meus fotógrafos favoritos de todos os tempos é o Fan Ho. Ele nasceu na China, acho que nos anos 1940, e cresceu em Hong Kong. A sua especialidade era fotografar cenas cotidianas em Hong Kong nos anos 1960. O Fan Ho é um desses artistas que nasce só um punhado deles por século. Uma das lições que ele ensina é que você deve achar os lugares e ficar esperando a cena acontecer.
Toda cena mágica de rua requer uma combinação perfeita entre o ambiente e os acontecimentos. Então tem que ficar de olho quando vão surgir as condições ideais de iluminação e ficar esperando acontecer alguma coisa, ali naquele local e naquele horário, que valha a pena ser fotografado. Ele diz que ficava sentado por horas no lugar, com a câmera pronta na mão, esperando a cena acontecer. E, muitas vezes, essa cena pode levar semanas pra aparecer. Se você não estiver lá, não vai capturar. Então prepare a sua paciência e fique lá, pronto pra disparar.
Uma boa dica, nesse sentido, é preparar os parâmetros da câmera pra foto ficar perfeita enquanto a cena não aparece. Assim, quando ela aparecer, já vai estar tudo perfeito e as chances de conseguir aquele belo fotão aumentam muito.
As pessoas não podem ser identificadas sem autorização
Quando a cena que você quer acontecer, esteja a postos e tire o maior número de fotos possível pra garantir. Porém, um cuidado é se tomar é que as pessoas possuem direitos de imagem e, muito além disso, o de privacidade. Apesar de estar transitando em público, pode ser que ela não queira o rosto dela viralizando na internet, não é mesmo?
Virar um meme ou uma celebridade repentina pode ser uma experiência terrível pra muita gente, e tem muito caso de gente que tem a vida arruinada por isso. Então, em respeito ao próximo, sempre tenha esse cuidado. Evite mostrar rostos quando estiverem muito próximos, e procure ter distância suficiente para que a pessoa não tenha resolução suficiente para ser identificada. Ou, ainda, peça permissão.
Vou dar um conselho meio contraventor agora. Para não estragar a foto, tire antes sem permissão mesmo, pra não estragar a espontaneidade. Daí você vai lá e pede autorização pra fotografar. Se a pessoa deixar, você vai lá, tira umas duas fotos pra fazer de conta e boa. Se ela não deixar, apague a foto que você tirou sem autorização e vá embora.
Ande por tudo e em todos os horários
Esse é mais um dos segredos do Fan Ho pra fazer fotografia de rua. Ele conhecia todos os becos, vielas e passagens de Hong Kong. Daí você escolhe uma lugar que queira fotografar e começa a reparar como fica a luz em diversos horários diferentes. E também precisa reparar no fluxo de pessoas nesses locais. Depois tem que preparar a pescaria e ficar lá esperando com a câmera pronta.
No fim, o maior segredo mesmo é esse, conhecer muito bem todos os lugares. E uma coisa que vai fazer você se destacar muito é justamente saber reparar no que as outras pessoas não reparam. Pra isso, tem que conhecer tudo e prestar atenção em tudo. Nessa fase de reconhecimento, você pode sair com o celular, em qualquer horário, e fazer umas fotos de referência. Uma boa dica é garantir que o celular esteja gravando a localização do GPS na foto, assim você consegue voltar no lugar que fez esse rascunho com mais facilidade.
E o celular pode ser exatamente isso, seu caderno de anotações e rascunhos, que você pode ir guardando as coisas até elas amadurecerem. Daí é só voltar lá e fazer a foto final no horário e na circunstância ideal. A fotografia é isso, na maior parte das vezes ela envolve muito planejamento e, quase nunca, é totalmente espontânea. É bem raro alguém que, do nada, saia passear num lugar que não conheça e volte de lá com fotos incríveis.
Tem muito vídeo no Youtube do tipo ‘fazendo fotografia de rua ao vivo em uma hora’. Esse ‘em uma hora’ aí não costuma ser bem verdade, porque ou o cara já conhece o lugar como a palma da sua mão, ou leva junto alguém que conhece, ou já estudou antes de sair de casa. As pessoas costumam não levar em conta as muitas horas de planejamento que são envolvidas em fazer as coisas direito. Então, esteja sempre ciente de que pode ter que gastar um bom tempo pensando, estudando e planejando antes de ir lá e agir.
E essas são as 3 coisas importantes sobre fotografia de rua
E acho que essas são as três coisas mais importa. Também pode ser que você consiga aprender umas coisas legais com o meu livro, A Arte de Mostrar o Mundo Através da Fotografia. Também não deixe me seguir no Instagram, que eu posto umas dicas bem legais nos stories. Um abraço e te vejo por lá, e por aqui também!