Nem tudo é cinza: os desafios da fotografia preto e branco

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À primeira vista, fotografar em preto e branco (ou em monocromático para os tecnicamente-corretos), pode parecer fácil. Basta aplicar um filtro na câmera e pronto! Porém, a verdade é que quem tenta se aventurar nessa área acaba entrando num jogo difícil de ser jogado, onde a frustração e o desperdício de fotos (e filmes, pra quem faz analógico) são quase certos.

A grande dificuldade de se fotografar bem em preto e branco é que o contraste entre cores, que é o que enxergamos normalmente, é muito diferente do que estamos acostumados. Aliás, eu recomendo muito que você leia esse artigo sobre contraste antes de continuar, porque ele certamente vai te ajudar a compreender melhor esse assunto aqui.

Muitos tons de cores que seriam conflitantes a olho nu se tornam praticamente indistinguíveis em tons de cinza. Por causa disso, o resultado final pode ser coisas desaparecendo ou surgindo inesperadamente nas nossas fotos.

Pra complicar ainda mais as coisas, o modo como as cores das fotografias são convertidas para preto e branco dependem do processo ou filme empregado. Para quem fotografa com digital, existem, literalmente, dezenas de métodos possíveis. Para os analógicos, a situação não é muito diferente, com cada filme tendo o seu perfil próprio.

Seja como for, trabalhando com pós processamento digital ou com filme monocromático, o fato é que o fotógrafo tem que ‘pegar o olho’ pra fazer boas fotos preto e branco, porque mesmo usando conversão digital as coisas podem não ser tão simples assim, e é o que pretendo mostrar neste artigo.

Métodos de conversão digital

Neste exemplo, vou partir de uma roda de cores e convertê-la para preto e branco usando 6 filtros diferentes disponíveis no GIMP, que você pode baixar aqui. Além da roda de cores, também vou fazer o mesmo com algumas fotos do meu acervo para ilustrar as diferenças.

As fotos que escolhi são situações comuns na fotografia: arquitetura, flores, rua, retrato e paisagem. As fotos foram tiradas com uma Nikon P510 ou com uma Pentax K70 e estão como saíram da câmera, sem processamento posterior.

Preciso ressaltar que não uso Photoshop neste exercício por dois motivos: um é que eu mesmo não tenho a licença e outro é que o GIMP é livre e tão poderoso quanto. Assim, dou uma opção mais acessível para quem não pode pagar por uma licença.

Os cinco métodos que vou empregar no GIMP nas fotos de amostra são: Luminância, Luma, Claridade (HSL), Média (Intensidade HSI), Valor (HSV) e o misturador de canais.

O sexto método, que é o misturador mono, vou aplicar de diferentes maneiras em um única foto, para deixar mais claro como ele funciona.

Além disso, vou deixar para tratar de cada um desses métodos do ponto de vista técnico num outro artigo, senão vai ficar muito longo e isso aqui não é um e-book (ainda)!

Vamos ao que interessa, então. Para acessar essas opções no GIMP, vá em Cores -> Dessaturar -> Dessaturar, como na imagem abaixo.

Como acessar a ferramenta para transformar em uma fotografia colorida em preto e branco no GIMP. Eu estou usando a versão para Linux, mas ela é idêntica à versão de Windows e Mac OS.

Na caixa de diálogo, selecione o tipo de transformação através do campo ‘modo’. Certifique-se de que a opção ‘pre-visualização’ esteja acionada, assim você pode ver o resultado em tempo real. Para comparar com o original, desligue a pre-visualização.

Delimitado o método, assim você pode conduzir os seus testes do mesmo modo que eu, vamos aos resultados.

Roda de cores

Para ajudar a interpretar melhor os resultados com as fotos do mundo real, vamos começar estudando o que acontece com a roda de cores quando convertemos ela para preto e branco usando os métodos disponíveis no GIMP.

Luminescência e Luma são extremamente parecidos, só é possível notar a diferença entre eles quando estão sobrepostos. A grande vantagem desses dois filtros é que eles conservam bem o contraste de cores, e dá para discernir praticamente toda a roda.

Entretanto, vemos que o ciano e o rosa podem ser facilmente confundidos, bem como como os diferentes tons de azul e também o verde e o laranja. O marrom (que não é uma cor de verdade, você sabia?) se confunde bem com o rosa, o magenta e o lilás. Neste tipo de filtro, as cores que mais se distingüem são os tons de violeta.

Por outro lado, média e claridade formam outro par similar. A diferença para luminescência e luma é que existem mais cores que podem se confundir com violeta, como azul, ciano e verde. Eles também tendem a produzir tons de cinza mais escuros.

Já o filtro Valor satura totalmente qualquer tom de amarelo e laranja, confunde bastante azul, verde, rosa e roxo, além de aproximar rosa e magenta. Em suma, esse é um filtro que gera alto contraste e agrupa bastante as cores.

Na teoria, deu pra ver que os resultados podem ser radicalmente diferentes. Vamos dar uma olhada na prática agora.

Arquitetura: baixo contraste de cores

Para exemplificar essa categoria de fotografia, escolhi uma foto que tirei com uma Nikon P510 dentro da Basílica de São Pedro, no Vaticano. É uma foto que já é praticamente monocromática, já que todos os tons são derivados de dourado. Ela é um exemplo típico de arquitetura, já que prédios coloridos não são muito comuns.

Cores originais
Luminância
Luma
Claridade
Média
Valor

Neste caso, como esperado, não teve muita diferença entre um método e outro, já que o contraste de cores original já era baixo. Este tipo de situação, então, é bem previsível e isso é uma lição importante. Para arquitetura, talvez o tipo de filtro não seja tão relevante.

Flores: alto contraste de cores

Quando o assunto é flores, existem dois tipos de contraste que são muito acentuados: o de formas e o de cores. Neste caso, a fotografia preto e branco tenderá a explorar mais o primeiro do que o segundo, e o resultado pode ser bastante dramático dependendo do método. Esta foto tirei em Perugia, Itália, com a Pentax K70 e lente 18-55mm. Vejamos os resultados.

Cores originais
Luminância
Luma
Claridade
Média
Valor

Aqui os resultados foram dramaticamente diferentes, especialmente entre Luma e Claridade porque as cores das flores estão justamente na parte da roda de cores que diferem entre esses filtros. Esse é um caso em que é preciso prestar bastante atenção e aprender a usar as cores.

Rua: cuidado com os detalhes

Na fotografia de rua, o contraste é aleatório porque ela costuma ser uma mistura de muitas coisas ao mesmo tempo. Pode ter arquitetura, roupas coloridas, objetos coloridos, céu, rostos, etc. Peguei um exemplo bem típico que tirei no comecinho da Broadway, em Nova York, com a Nikon P510.

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Como é de se esperar, numa foto com muitos detalhes, são neles que encontramos as diferenças. Veja o que acontece com as placas que estão mais ao fundo dependendo do tipo de conversão para preto e branco usada.

A diferença, nos dois casos, é gritante. É preciso tomar bastante cuidado com os detalhes!

Retrato

A situação com os retratos depende muito do fundo em que foram tirados. Essa foto tirei na Via dell’Acquedotto, em Perugia, região central da Itália. Esse local era um aqueduto que foi construído por volta do ano de 1254! Nessa, usei a Nikon P510 e a foto foi tirada no meio da tarde.

Nesse caso, tem muita arquitetura e as cores são bem parecidas com a do rosto da modelo, o que faz com que a imagem fique bastante chapada pelos filtros.

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Os efeitos mais fortes foram, sem dúvidas, sobre o rosto e as sombras da roupa. O filtro de valor simplesmente arruinou a foto. Já luminância, luma e média, como de costume, dão resultados bem semelhantes.

Paisagem: cuidado com as texturas

As paisagens costumam apresentar mais contraste de cor entre o céu e a terra, e também são bem ricas em texturas. Porém, como o céu costuma ser bem mais claro que o resto, o contraste de intensidade dá um bom efeito de separação.

Essa foto foi tirada em Pietrelcina, Itália, terra natal do grande Santo Padre Pio. Esta paisagem fica no caminho entre a casa em que vivia a família do Padre Pio e um negócio de seu pai, a Masseria Forgione, local onde aconteceram muitas coisas, entre elas a sua estigmatização. É uma paisagem bem típica dessa região entre Benevento e Foggia, um local bem remoto e de difícil acesso no sul da Itália. Nessa foto, usei a minha Pentax K70 com lente 18-55mm.

Cor original
Luminância
Luma
Claridade
Média
Valor

Aqui, como no caso da arquitetura, os efeitos foram bastante próximos, e as diferenças podem ser resolvidas no processamento através de exposição e contraste, por exemplo.

Misturador mono

Sem sombra de dúvidas, o misturador monocromático é o que dá mais flexibilidade na hora de converter as fotos de colorido para preto e branco. A ideia é que cada canal pode ser convertido de acordo com uma intensidade ajustada pelo usuário.

Assim, a intensidade do contraste de cores pode ser manipulado livremente de acordo com a necessidade de expressão. Como mostro abaixo, os resultados podem ser dramaticamente diferentes.

Cor original
Luminância
Misturador mono com vermelho 1,368; verde 0,768 e azul -0,368
Misturador monocromático com vermelho 0,242; verde -0.484 e azul 2,337

A foto do meio, sem dúvida, tem um efeito muito mais dramático que as outras, com as pessoas sendo englobadas pelo halo solar. Esse é um excelente exemplo de como essas coisas podem afetar a composição e mudar completamente a interpretação da foto.

Compare com a última, que tem um ar muito mais sereno que a do meio. Esses testes não deixam dúvida do quanto a conversão pode alterar o resultado final da imagem!

Melhores filtros para fotografia preto e branco

Assim, fica bem evidente que o filtro de luminância ou o de luma são os que geram resultados mais consistentes. Portanto, na dúvida, é só usar um deles.

Porém, deve-se ressaltar que foi justamente entre eles que as flores deram resultados tão drasticamente diferentes. A lição que fica aqui é clara: é preciso escolher o filtro de acordo com as cores que compõem a foto.

Já quem pretende ter controle total não tem a menor dúvida: misturador monocromático e ponto final.

Outros softwares

Outros softwares possuirão outros filtros, apesar de ter opções semelhantes. O que você pode (e deve) fazer é uma série de testes como esses que fiz nesse artigo. Cada foto vai ficar melhor com um filtro diferente dependendo do que você quer mostrar.

Tiro as fotos em preto e branco ou converto depois?

Este artigo deixa claro que o pós-processamento altera bastante o resultado final da fotografia em preto e branco. O grande problema aqui é que o filtro da câmera é uma caixa preta. Não sabemos exatamente como ele faz a conversão de colorido para tons de cinza, o que torna mais difícil conseguir resultados consistentes. Muito provavelmente, ele usa um método mais neutro, como a luminância.

Todavia, eu encaro esse problema por dois pontos de vista diferentes, que são opostos, mas ambos legítimos. Um é que é da natureza da fotografia digital o uso de pós-processamento. É por isso que as câmeras mais avançadas gravam o arquivo raw.

Por outro lado, assim como no filme, é possível encarar que o resultado final seja a pegada da própria câmera, e aí o fotógrafo tem que trabalhar de acordo com equipamento, exatamente como na analógica.

Essa é a pergunta que todo mundo que trabalha com digital acaba fazendo. A minha resposta, portanto, (e a sua pode ser diferente) é que o artista deve buscar o método que lhe permita a maior expressividade.

Se ele se expressa melhor já visualizando as coisas em preto e branco antes de pressionar o botão, ótimo. Se ele precisa acertar o contraste no pós-processamento, qual o problema? É claro que sempre existem os puristas (e eu mesmo tendo para o lado deles), mas quando o assunto é arte, por definição, não podem existir fórmulas prontas.

Como ‘pegar olho’ para preto e branco na fotografia analógica

Também tem como fotografar com filme colorido e depois converter para preto e branco por software, mas aí acho que mata a graça da fotografia analógica. Aí não vai ter muito jeito, vai ter que queimar muito filme monocromático mesmo. Porém, eu tenho umas coisas para sugerir que podem agilizar o seu aprendizado, e que são métodos que eu mesmo tenho usado.

Uma coisa que pode ser feita é imprimir uma roda de cores e fotografá-la com os filmes que você costuma usar. Em seguida, imprima (ou amplie, se você for raiz, Impressora é coisa de nutella!) as fotos das rodas e coloque lado a lado com a colorida. Esta é a versão analógica do exercício que fiz ali em cima.

Com isso, você vai poder comparar como as cores se transformam em tons de cinza para cada filme e vai aprender o que esperar em cada caso. Um outro exercício é fotografar a mesma cena com a digital (que pode ser o celular mesmo) e depois comparar os resultados.

Como sempre, nada substitui a boa e velha observação no processo de aprendizado. Gaste um tempo olhando para as duas versões e mentalize o que deu certo e o que deu errado.

O passo seguinte é ir pra rua de novo, com as duas câmeras e, dessa vez, tentar prever o resultado. No fundo, o que estou sugerindo é usar o bom e velho método científico para sistematizar o aprendizado, nada mais.

Simuladores

Alguns softwares, como o Photoscape X, possuem filtros que simulam o perfil de alguns filmes. Eles podem ser uma boa ferramenta para ajudar a treinar para o analógico.

Também é uma boa ideia dar uma verificada nos perfis de absorção de cada cor, mas isso vai acabar ficando pra outro artigo.

Ou seja…

Como todo aprendizado, a fotografia também se baseia na prática. Seja para pegar olho ou para manipular através de software, nada substituirá a prática.

Até a próxima!

Fábio Ardito

Pelo mundo atrás de treta.

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