A arte abstrata pode, de fato ser legítima. Porém, nas últimas décadas, ela tem sido usada como bode expiatório por gente que quer posar de artista mas que não possui nenhuma habilidade para compor qualquer coisa que preste. Daí o jeito é fazer qualquer porcaria e chamar de abstração. É óbvio que é tudo frescura mas, para muito além disso, é uma crise civilizacional muito profunda.
Entretanto, os mestres desse tipo de arte costumam saber muito bem o que estão fazendo, e suas obras não são apenas representações de sentimentos do autor, mas elas possuem mensagens bem mais profundas.
O grande problema é que a maioria das pessoas não entendem as obras abstratas porque não é uma tarefa fácil decodificá-las. Você pode sentir o que elas representam, mas é muito difícil pôr em palavras essas coisas. Por isso mesmo, quando idiotas criam obras sem sentido, eles se acham gênios porque têm a mesma sensação. Infelizmente, no mundo atual, arte abstrata virou sinônimo de obra sem sentido.
O mesmo vale pelo lado dos observadores. Quanta gente não quer posar de descolada num museu, pára em frente de uma tela em branco e fica lá horas falando coisas sem o menor nexo com aquele ar pedante típico dos mais elevados ignorantes?
No entanto, é meio fácil distinguir o que é palhaçada do que é arte se prestarmos atenção a algumas coisas. Vejamos.
O que é uma abstração?
Uma abstração é quando pegamos o significado de um conjunto de coisas e representamos de alguma maneira sintética, de modo que descrevemos as características de uma classe de coisas e não de um indivíduo específico dessa classe. Pode parecer complicado, mas é uma das coisas que todo ser humano faz, mesmo sem perceber.
Por exemplo, se pensarmos em vacas, logo imaginamos um bicho gordinho com quatro patas, um rabo e assim por diante. Essas coisas se aplicam a todas as vacas e são características abstratas delas. Podemos representar essas coisas de maneira concreta através de um desenho realista de uma vaca. Neste caso, todos os elementos possíveis estarão lá de modo que a própria figura se pareça com uma vaca do mundo real.
Entretanto, esse desenho irá fazer referência a um animal específico, seja ele real ou imaginário. Uma vaca grande não pode ser uma vaca pequena ao mesmo tempo, então o artista que vai representar concretamente precisa decidir quais dos dois tipos vai usar.
Vacas abstratas
Por outro lado, vamos dizer que queiramos fazer um desenho que represente todas as vacas. Então, não podemos colocar nenhuma característica de uma vaca particular nessa ilustração. Por isso mesmo, talvez seja melhor representá-la com traços simples e formas geométricas, como na figura abaixo.
Mas note que não é qualquer coisa que representa uma vaca abstratamente. Algum demente pode fazer uns rabiscos e dizer que é uma vaca, mas só ele vai entender. Em alguns casos, como no exemplo acima, o ‘artista’ pode fazer uns rabiscos e depois acharem que parece com alguma outra coisa. Aí não é mais arte, porque uma das funções da arte é comunicar coisas verdadeiras para as pessoas.
Um monte de rabiscos sem sentido só vai comunicar uma coisa: o suposto artista é só um sujeito num estado mental psicótico ou alguém que finge ser um artista para ganhar o dinheiro dos incautos.
A arte abstrata verdadeira
É claro que eu não sou nenhum gênio da arte abstrata, como você pode ver na minha vaca abstrata da figura acima, mas acho que deu pra pegar a ideia. A questão é que um gênio desse tipo de arte conseguiria representar uma vaca muito melhor do que eu fiz, capturando muito mais significados e colocando no desenho de maneiras muito mais sutis.
Elementos da arte abstrata
Um artista abstrato precisa ter muito mais conhecimento que um artista realista para conseguir fazer alguma coisa que preste. É preciso que ele conheça extremamente bem aquelas realidades que pretende representar e que também tenha um extenso conhecimento dos métodos de representar essas coisas.
Por exemplo, eu gosto muito de fotografia e esses dias estava vendo umas fotos do Bruce Barnbaum. Dê uma olhada na galeria abstrata dele, as fotos são realmente geniais. Infelizmente não posso reproduzir as fotos aqui por causa dos direitos autorais.
Dias depois, comecei a ler um livro dele, onde explica todas as questões de como ele usa os contrastes e as linhas para representar determinadas sensações. Quer dizer, o Bruce Barnbaum entende perfeitamente o que está fazendo.
As fotos do Bruce Barnbaum não são coisas aleatórias, e isso é uma característica da boa arte abstrata. Todas elas possuem uma intencionalidade e, por conta disso, requerem destreza técnica para serem realizadas. Repare nos títulos e veja como eles descrevem muito bem as imagens!
Todo bom artista domina a técnica
Se você for dar uma olhada nas outras fotos que estão no site dele, vai ver que o homem de fato domina a técnica da fotografia. Isso é uma característica importantíssima de todo bom artista. Sempre pergunte: esse cara possui, de fato, domínio da técnica?
Um pintor que faça trabalhos abstratos é capaz de pintar uma paisagem? Se não for, desconfie do que ele faz. O cara pode estar pintando rabiscos só porque não consegue fazer nada além disso, e isso acontece com uma freqüência assustadora.
Arte abstrata e fraude concreta
Além disso, comece a reparar se as pessoas desconfiam que aquilo não seja arte. Instintivamente, você vai saber se uma coisa transmitiu alguma mensagem ou não, e as outras pessoas também. Quando muita gente começa a ter dúvidas, é bem provável que ali não tenha nada que preste mesmo. Nunca menospreze seus instintos e os dos outros quando for ver obras de arte. Geralmente, as pessoas têm bom faro para fraudes, mas as melhores nessa técnica costumam ser chamadas de caipiras.
Quando eu estudava na Unicamp, sempre tinha as exposições do pessoal do Instituto de Artes. Toda vez era a mesma coisa. Rabiscos, gritos e manchas de tinta com gente fazendo dissertações em volta, louvando a genialidade do artista e essas besteiras todas. Era muito nítido que aquilo ali era pura encenação. Ninguém ali estava entendendo nada e todo mundo sempre achou o pessoal das artes um bando de loucos idiotas. Quando entrei na Unicamp para cursar física, em 2003, eu tinha um preconceito de que os cursos de humanas eram freqüentados por gente desocupada que estava ali só pra encher o saco. Não podia estar mais errado. A coisa era bem pior que essa imagem simplista.
Naquela época, no começo dos anos 2000, a coisa era meio que só incapacidade disfarçada mesmo. Entretanto, de 2010 pra cá, o negócio descambou para arte politicamente engajada e hoje é só uma ala do hospício mesmo. Dê uma procurada no Youtube e vai achar as representações artísticas dessa gente. Se você não achar que aquilo é uma ala de manicômio, provavelmente também está com problemas.
Aliás, vá dar uma olhada nas teses de doutorado do Instituto de Artes de qualquer universidade pública e veja com seus próprios olhos. Só não diga que eu não avisei.
Borrões de tinta costumam representar apenas fogo no rabo
Uma outra categoria de arte abstrata é a que é real mas só significa a frescura de algum artista incompetente. Esses quadros que parecem explosões de tinta em exposições culturais de bancos são exemplos bem clássicos.
É óbvio que aquilo vai representar uma explosão de emoções porque foi justamente o que aconteceu com o cara no momento que pintou a tela. Só que isso é exatamente a mesma coisa que alguém que quebrou uns vasos da sala por causa de um chilique. Sério. Qual a diferença?
Sendo totalmente honesto, a grande maioria é só isso. Depois posam com aquela carinha de gênios incompreendidos e um bando de idiotas, hoje conhecidos como críticos de arte, ficam tecendo elogios numa flatulência verbal sem fim. Quem nunca viu uma cena dessas devia ir nessas exposições e ver por si próprio. Se você não achar aquilo tudo uma piada, sério… nem sei o que te dizer.
O estado da arte atual
Infelizmente, a arte nas últimas décadas tem se tornado uma coisa extremamente deprimente, e a arte abstrata tem sido o maior bode expiatório desse movimento.
Acho que a palavra que melhor define a arte atual, e também o mundo atual, é o tédio. As coisas caíram numa mesmice sem fim. Tudo virou protesto, e essa ideia incrivelmente cretina de que a função da arte é chocar realmente estragou com tudo.
Porém, nada que chegue na sociedade já não estava representada na arte. O caos do mundo atual é exatamente o mesmo da arte contemporânea. Os temas mais comuns em toda a parte são sempre os mesmos. Bandeiras ideológicas, blasfêmias e coisas sem sentido dominam todo o cenário.
Isso tudo nos deveria fazer pensar quando foi que morremos.
Como é possível uma coisa dessas?
Todo esse estado deprimente de coisas deveria ter-nos mostrado que morremos. No entanto, assim como a classe artística sobrevive como um zumbi na base da fraude, o mesmo rumo tomou a vida do cidadão comum.
Em um certo sentido, podemos até dizer que a arte atual é bem sucedida, porque ela nos passa uma mensagem muito clara e contundente sobre o nosso estado atual. Vendo todas essas aberrações que recheiam os museus, deveríamos ser capazes de admitir que habitamos uma sociedade selvagem, que mais parece uma ala de hospital psiquiátrico.
Numa camada ainda um pouco acima dessa, poderíamos constatar facilmente qual é o estado da nossa inteligência observando o que esses sábios da crítica artística estão fazendo. Se compararmos o que realmente acontece com o que dizem, e com a posição social de prestígio que ocupam, não escaparíamos à conclusão de que não somos apenas uma sociedade zumbi, mas uma sociedade zumbi esquizofrênica.
Por aí já deveríamos ter notado porque outras classes menores, como a jornalística, decaíram até a loucura pura e simples, a histeria com carteira assinada das redações.
Os graus da arte abstrata
No fim das contas, eu só cheguei nesse assunto porque comecei a pensar em como a arte abstrata serviu de muleta para charlatães intelectuais. Também é por causa desses que ela não é mais levada a sério.
Apesar disso, a arte abstrata sempre vai ter um papel imprescindível no meio cultural, ainda mais porque o nível de abstração das obras varia. Essa variação também diz muita coisa a respeito de nós mesmos. Vou dar uns exemplos para tornar claro o que quero dizer.
Uma obra de arte pode ir desde o muito concreto, como uma foto de uma paisagem ou uma pintura mais realista, como um Canaletto, até o totalmente abstrato, superando até os exemplos do Barnbaum que dei acima.
No meio disso tudo, existem artistas geniais como Monet. As pinturas impressionistas conseguem ser as duas coisas ao mesmo tempo. Você entende a cena ao mesmo tempo em que ela não tem todos os detalhes e pode até mesmo ser transportada para outras ocasiões.
Um pôr-do-sol impressionista tem a capacidade de representar todos os pôr-do-sol possíveis, ao mesmo tempo que ainda é possível reconhecê-lo numa paisagem particular. Isso é muito patente nos quadros de Monet. Dê uma olhada em algumas dessas imagens e vai notar muito bem o que estou dizendo. Existem tanto verdades universais e abstratas quanto particulares e concretas ao mesmo tempo.
O quase abstrato
Entretanto, uma característica da arte atual é que ela perdeu a capacidade de fazer essa ponte. Geralmente o que se vê são artistas fazendo absurdos sem sentido e colocando na conta da arte abstrata, ou obras simplistas que são somente uma reprodução de alguma realidade banal.
Acompanho muitos fotógrafos no Instagram, por exemplo. A maioria das fotos caem numa dessas duas categorias. Entre os pintores, ou são simplistas ou são dementes ou são hiper-realistas.
Isso demonstra uma outra realidade muito patente do mundo atual, porque perdemos a capacidade de sobrepor o concreto e o abstrato, que é uma capacidade humana imprescindível para se compreender a realidade.
O que eu posso aprender com essa cena particular que também é uma verdade universal? Onde estão os pôr-do-sol de Monet no mundo atual? Tudo virou caso particular? Parece que sim, ainda mais porque uma das palavras favoritas da atualidade é o famigerado contexto.
Eu acho que, na verdade, foi já no passo de saída do realismo naturalista que a arte abstrata se perdeu. A nossa inteligência sucumbiu nessa exata hora, porque a perda da capacidade de abstração nos faz perder o elo entre os fragmentos da realidade.
Será que foi aí que nós morremos?