Suas fotos não se destacam por esse único motivo

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Elas são sem graça. Se fossem algo realmente muito inspirador, já estariam viralizando por aí. Pode pôr a culpa no algoritmo do Instagram, na ‘falta de gosto’ das pessoas, no que você quiser. O fato é que, se ninguém está dando bola, é porque o valor é baixo. E esse é, infelizmente, o problema mais difícil de resolver. Como criar fotos que realmente tenham algo que as pessoas deem valor de fato?

A questão, principalmente em tempos atuais, é que a fotografia é uma técnica extremamente acessível, e eu nem precisaria estar dizendo isso, né? Mas o fato é que não basta ter um talento só um pouquinho acima da média para se destacar num ramo em que, literalmente, bilhões de fotos são compartilhadas todos os dias. E também não vou tocar no ponto da fotografia comercial, porque ela tem objetivos muito bem definidos e são muito mais técnicas do que arte.

Porém, quando falamos da arte fotográfica, aí fica bem mais fácil de identificar qual é o problema das fotos que não se destacam. O foco, então, não pode ser a fotografia em si, mas a mensagem que ela carrega. Num artigo recente, sobre se a fotografia é arte ou não, falei bastante sobre esse assunto. Então, a questão, quase sempre, está relacionada ao assunto da foto, e é precisamente o que é fácil de observar no Instagram, por exemplo.

O que faz uma obra de arte ser memorável

Vamos olhar um pouquinho para outras artes, especificamente para obras famosas, que passaram no teste do tempo. Por que essas obras não desapareceram? Por que elas continuam influentes até hoje? Existem obras de arte que têm, literalmente, milênios de existência. As pessoas as colocam em museus justamente para que não se percam, e ainda precisam colocar alarmes ultra sofisticados para que não sejam roubadas. Por que, afinal de contas, essas coisas valem tanto, e as suas fotos ninguém dá a mínima?

Ah, mas você vai querer se comparar com um Michelangelo? Uai… sim. Tá certo que eu não tenho a menor pretensão de ter a estatura de um artista desses, justamente porque estou ciente que não sou um gênio da arte. Porém, se eu quero fazer algo de valor, algum elemento dali eu vou ter que aprender a colocar no meu trabalho.

Pra encurtar o caminho e não entediar o leitor, porque isso destrói as métricas do blog, já vou direto ao ponto: o que torna uma obra de arte atemporal é o fato dela ser transcendente (bastava olhar o significado da palavra transcendente no dicionário). Na arte, a coisa mais importante de todas é tratar de temas profundos, de coisas que falem da substância da alma humana em si ou, como dizemos, da condição humana. São sempre essas coisas que se tornam atemporais.

Quando as pessoas olham pra esses tipos de obras, muitas vezes, elas nem conseguem dizer o porquê, mas sentem-se atraídas, perplexas e, algumas vezes, até mesmo aliviadas. Isso acontece porque as obras de arte de verdade captam coisas que o espírito humano percebe mas ainda não consegue verbalizar, quer dizer, colocar em palavras.

O papel da técnica é limitado

O meio material como isso é feito também importa. Por exemplo, tem aquela escultura famosa, o Sequestro de Preserpina, de Bernini, que é essa da foto abaixo. Tem um monte de simbolismos nela, e a maioria é até óbvio, mas o fato dela ter sido esculpida em pedra e ainda dar a impressão que as personagens sejam de carne e osso ajuda a criar esse senso de perplexidade. É daí que entra a importância de um gênio da escultura, por exemplo.

Só que isso, na verdade, é apenas um aspecto de um grande artista. Antes de ser um gênio da escutura, Bernini é um gênio da percepção. A quantidade de coisas que ele teve que concentrar numa imagem mental antes de cravar o ponteiro na pedra é simplesmente abismal. Pense bem, querido e talvez-não-entediado leitor, quanta imaginação é preciso só para conceber essa imagem na cabeça? E para passar isso pra pedra depois? Acho que agora o ponto está começando a ficar bem claro.

Os quatro discursos de Aristóteles

Esse trabalho é de uma profundidade psíquica tão grande que as obras de arte visuais estão um nível abaixo, no sentido de percepção, do que as obras escritas, principalmente a literatura. Isso acontece porque, primeiro, a gente tem que perceber as coisas, depois assimilar, para só no final pôr em palavras. Essa coisa é tão verdadeira que ela está presente, inclusive, na filosofia de Aristóteles, e é conhecida como a teoria dos quatro discursos.

O discurso humano se inicia sempre num tipo mais básico, que é o poético. Ele não tem que ser preciso, apenas representar as coisas que se apresentam no mundo, e ele é a matéria-prima para os processos mentais que se seguem. E, também, acho que dá pra entender bem a diferença de nível cognitivo entre uma poesia – que é, quem diria, o discurso poético; de um artigo científico – que é um exemplo do último discurso, ou o analítico. Daí você já vê o longo caminho que as coisas precisam percorrer desde a criação de uma obra de arte até o conhecimento científico.

Fotos importantes são aquelas que mostram algo que ninguém ainda foi capaz de dizer

Vamos voltar um pouco pra fotografia, agora. Isso tudo pode ser resumido na seguinte coisa: fotos importantes são aquelas que mostram algo que ninguém ainda foi capaz de dizer. Esse é o elemento que torna uma foto intrigante, que faz as pessoas quererem olhar de novo, ou saírem correndo. Quando a gente acerta uma mensagem dessas, o efeito no expectador é, principalmente, a perplexidade. Ou vai dizer que, vendo a obra do Bernini, ali em cima, você não pense ‘como é possível fazer uma escultura dessas?’

Pois é isso, a coisa, vista desse modo, até parece mais simples do que realmente é. Acontece que é mais fácil dizer do que fazer, como de costume. Inclusive, esse é um desafio cada vez maior, porque conforme a sociedade foi evoluindo, especialmente no nível de riqueza e sofisticação que temos hoje (a humanidade nunca teve tão poucas pessoas pobres como hoje), até o ponto que todo mundo é um artista potencial, e praticamente todas as áreas das artes já foram exploradas.

Some-se a isso, ainda, o desgaste cultural que todo o ocidente vem sofrendo nos últimos 300 ou 400 anos, e que foi especialmente brutal nos últimos 100. Os temas da arte, principalmente depois dos anos 1960, foi se tornando cada vez mais vulgar e tosco, até dar no que deu hoje. Sendo bastante honesto, nunca vi nenhum trabalho artístico que realmente fosse algo impressionante com fotografia. Nem nos grandes nomes da área, nem da atualidade e nem do passado.

Ou seja, os assuntos costumam ser coisas banais ou até mesmo idiotas. Dê uma olhadinha nas fotos que rolam por aí. Todos os temas são superficiais. Flores, crepúsculos, prédios antigos, maçanetas enferrujadas. O que tem de profundo nisso? Nada. São só experiências estéticas simplórias. Inclusive, existe um outro problema estrutural na fotografia que é confundir efeitos visuais com beleza, e isso é quase totalmente a tônica do que rola na internet, hoje.

E aí fica a pergunta: será que a gente ainda vai ver um Bernini da fotografia? Essa é uma questão em aberto, mas sem tratar nenhum tema transcendental, a resposta é que provavelmente não. E é justamente por isso que muito estudioso de arte julga que a fotografia seja uma arte menor. Mas, na minha opinião, a culpa disso não é das câmeras.

Fábio Ardito

Pelo mundo atrás de treta.

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