Recentemente, publiquei um artigo mostrando as principais diferenças entre os filtros preto e branco padrão e como eles afetam drasticamente o resultado final da fotografia. Porém, tenho notado que usar esses filtros nem sempre geram o resultado esperado, e as fotos que realmente se destacam acabam sendo poucas.
O problema dos filtros prontos é que eles funcionam como uma espécie de chute. Eles pegam as cores da foto e as transformam em escala de cinza de um modo pre-determinado. Só que cada foto tem uma situação de cores diferente, e aí o resultado nunca é perfeito.
A técnica de usar filtros coloridos no preto e branco consiste em subtrair tons da fotografia colorida original para manipular o contraste do resultado final.
Os filtros coloridos na fotografia analógica
Na fotografia analógica (eu quase escrevi ‘antigamente’, mas a fotografia analógica ainda existe e passa bem), os fotógrafos possuem o mesmo problema quando usam filme preto e branco. Afinal, o que seria o filme preto e branco senão um filtro dessaturador pré-determinado quimicamente na fábrica?
A solução para esse problema na fotografia analógica é o uso de filtros coloridos. Conhecendo bem o perfil do filme que está sendo usado e as cores da cena, é possível manipular o resultado final inserindo um ou mais filtros coloridos na frente da lente.
Infelizmente, filtros coloridos com qualidade óptica são bem caros aqui no Brasil. Os leitores de Portugal podem comprar bons filtros sem maiores dificuldades, e eu recomendo os da Thor Labs, que é uma marca que eu usava nos equipamentos que construía para o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron. Eles possuem boa qualidade e preço acessível aí na Europa. No momento estou trabalhando na criação de filtros coloridos de baixo custo para fotografia, então continue seguindo o blog para mais novidades em breve.
Felizmente, por outro lado, para a maioria de nós que faz fotografia digital, é possível ajustar as cores individualmente no pós-processamento e é exatamente o que eu vou mostrar nesse artigo, que é um tutorial sobre filtros coloridos para dominar a fotografia preto e branco.
A lógica dos filtros coloridos
A ideia por trás dos filtros coloridos na fotografia preto e branco é remover cores para aumentar o contraste, acertar a tonalidade geral da foto e realçar ou eliminar detalhes.
Na vida real, um filtro de cor trabalha sempre removendo uma parte do espectro visível. Para entender isso, vamos dar uma olhada no conceito de cores primárias e como todas as outras cores são geradas.
Nossos olhos, assim como as câmeras digitais e os filmes coloridos, são sensíveis a três faixas de cores primárias, que são o vermelho, o verde e o azul (o famoso RGB, red, green, blue). Então, toda cor pode ser decomposta em três componentes primárias. Algumas terão mais intensidade na região do vermelho, outras do verde e outras do azul.
O jeito mais fácil, então, de manipular as cores é utilizando filtros que bloqueiem essas faixas. Então, um filtro vermelho vai deixar passar só os tons de vermelho, bloqueando azul e verde. O verde bloqueia o vermelho e o azul; e o filtro azul bloqueia o verde e o vermelho. Confuso? É só pegar a cor do filtro e pensar que ela bloqueia as outras duas.
Soma de filtros
A gente pode também somar filtros. Por exemplo, se eu pegar um filtro vermelho (que bloqueia verde e azul) e um filtro azul (que bloqueia vermelho e verde) terei um bloqueio final de (verde+azul)+(vermelho+verde) = (vermelho+azul+2*verde) [isso é só álgebra do ensino médio, aquela que você achava que não servia pra nada!]. Neste caso, o verde seria bloqueado duas vezes mais do que as outras cores.
Como você deve ter notado, todas as cores sofreram um bloqueio, quer dizer, ficaram menos intensas na foto, mas o verde sofreu mais. Então, o passo seguinte é compensar a exposição para aumentar a intensidade como um todo. Só que o verde terá a metade da intensidade das outras cores, e assim ele foi praticamente removido da foto.
Filtros digitais
A ideia dos filtros digitais é a mesma, com a diferença que é possível, também, aumentar a intensidade das cores individualmente. Então, ao usar um filtro digital, a lógica é exatamente a mesma de um analógico, só que você está vendo o resultado em tempo real e podendo manipular as cores uma a uma.
O software que uso, quem sabe o blog já conhece, é o GIMP. Ele é livre, gratuito e extremamente poderoso. O recurso que uso para transformar minhas fotos de colorido para preto e branco manipulando as cores se chama ‘misturador mono‘.
O que o misturador mono faz é transformar todas as cores em tons de cinza iguais, e depois multiplica a intensidade de cada uma delas pela constante especificada na caixa de diálogo. A lógica dele é bem simples. Dito isso, vamos trabalhar uns exemplos.
Para acessá-lo no GIMP, vá no menu ‘Cores’, na barra superior; depois em ‘Dessaturar’ e ‘Misturador Mono…’, como na figura abaixo.
Na caixa de diálogo que surgirá, temos três barras deslizantes que controlam a intensidade de cada canal. Deslizando elas para os lados ajustamos a intensidade do canal. Para a direita tornamos o canal mais intenso, e para a esquerda, menos.
Depois de processar a imagem, você pode clicar no ‘+’ ao lado da caixa ‘Armazenadas’ para salvar as suas configurações e usar novamente depois. A caixa ‘Preservar luminosidade’ compensa o brilho para que a foto não fique nem escura nem clara demais. Geralmente eu deixo essa opção desligada e acerto isso no final.
Para ver como a foto está ficando, deixe marcada a opção ‘Pré-visualização’. A opção ‘Split View’ mostra a imagem dividada entre o original e a pré-visualização do filtro. Em ‘Blending Options’ você pode alterar o modo como o GIMP manipula matematicamente o filtro, mas não é preciso mexer nisso.
Aí você vai movendo as barrinhas das cores, vai vendo o que sumiu, o que apareceu, e pegando o jeito do que você quer fazer. Mostrada a lógica do software, vamos ver alguns exemplos de como usar filtros coloridos para conseguir efeitos bem interessantes na fotografia preto e branco.
Mesclando o céu e a terra
Neste primeiro exemplo, vamos trabalhar uma foto em que o céu e a água do lago possuem tons bem próximos de azul, enquanto a construção é mais alaranjada. Essa foto tirei com a Pentax K70, lente 18-55mm em Passigano Sul Trasimeno, Itália. Veja abaixo.
Assim fica a imagem simplesmente convertendo as cores todas por igual (tirei um pouquinho do azul por acidente, mas não deu muita diferença e ia dar o maior trabalho refazer a imagem por causa desse detalhe, entao vai assim mesmo), sem tirar nem pôr nenhuma delas. O resultado até é interessante, mas meio sem graça.
A lógica aqui é simples, podemos reduzir a intensidade do azul até as nuances entre o céu e o lago desaparecerem. Veja só como fica:
É possível ir mexendo nas outras cores até conseguir um resultado perfeito. Existem algumas sombras e luzes ali que ficaram meio estranhas, mas dá pra entender a idéia.
Transformando dia em noite
Neste exemplo, vou fazer uma composição em preto e branco que seria impossível sem usar filtros coloridos. A foto abaixo tirei em Roma em 2019 com a minha Pentax K70 e a lente original 18-55mm f/3.5. Ela tem muitas sombras duras porque foi tirada ao meio-dia, e o céu estava bem claro e azul, o que é ótimo para trabalhar com filtros.
E ela fica assim depois de remover todo o azul:
Sempre que você tira as cores, a foto sempre fica mais escura. Então, é crucial reajustar os níveis depois do tratamento. A foto final, acertada, ficou assim:
Essa é a diferença entre uma foto comum em preto e branco e uma que tem personalidade. Aí não tem segredo, é só sair treinando o filtro com as suas fotos até pegar a mão, mas é bom evitar algumas pegadinhas, como essas que vou mostrar agora.
Filtros coloridos para ajuste fino no preto e branco
A foto abaixo eu tirei aqui no meu bairro, usando a Pentax K70 e uma lente Helios 44m-6 de 58mm f/2. Essa lente é muito famosa pelo seu bokeh bem característico e foco ultra afiado. Na verdade, a profundidade de campo dela é tão pequena que é possível desenhar linhas na fotografia só mexendo no foco.
Nesta caso, o filtro preto e branco causou a perda de alguns detalhes e a imagem perdeu o brilho.
Diminuindo o valor do verde, o fundo escurece se afetar muito a flor em si. Aumentando um pouco o vermelho e azul, os detalhes das pétalas são realçadas.
Nesta foto, dá pra controlar muito bem a relação de intensidade entre o fundo e o objeto principal utilizando o filtro verde, já que o fundo é uma cor primária.
Outra possibilidade é remover um pouco do vermelho e mais ainda do verde, assim buscamos aqueles detalhes rosas das pétalas e apagamos ainda mais o fundo. Os resultados podem ser completamente diferentes dependendo apenas de como as cores são removidas. Veja abaixo o resultado final depois de ajustada a intensidade.
E depois dá pra trabalhar num recorte, fazer algo mais abstrato, como isso:
Cuidados na hora de usar filtros coloridos para preto e branco
Do ponto de vista matemático da coisa, o que o filtro faz é alterar o valor das colunas do arquivo da imagem que representam aquela cor que você mandou ele aumentar ou diminuir a intensidade. Acontece que a fotografia digital possui uma limitação intrínseca que é a descontinuidade das cores.
Digitalmente, se pode representar apenas um número limitado de cores. Por exemplo, no filme os tons são contínuos, isto é, entre o vermelho e o laranja podem existir, literalmente, todos os tons possíveis e imagináveis. No digital, não. Podem existir apenas aqueles que a profundidade de cor do dispositivo permite. Sabe aquela história de cor de 8 bits, 16 bits, 24 bits? É disso que estou falando.
Porém, mesmo que a sua foto tenha sido tirada e processada com uma boa profundidade de cor, não tem milagre. Quando você altera muito o valor de um determinado canal de cor, todos os bits irão se acumular numa única faixa, reduzindo a profundidade de cor, e não tem o que fazer. O que acontece, nesses casos, são os efeitos das fotos abaixo.
Conforme você aumenta o filtro, começam a surgir ruídos intensos e regiões com cores chapadas, formando aquelas escadinhas de tons de cinza, que são bem feios. Nesses casos, só tem duas saídas: ou diminui o efeito ou vai all-in até sumir com toda a cor problemática.
Esse tipo de efeito é bastante perceptível em fotos ampliadas, onde os contornos e as nuances se tornam mais visíveis. Se você for ampliar a foto tome muito cuidado.
Onde a fotografia digital chora e mãe não vê
Nesses casos de nuances que são acentuadas, a digital realmente ainda deixa a desejar. Lembro de um artigo do Bruce Barnbaum onde ele dizia que a digital ainda não havia superado a analógica no preto e branco. Tendo a concordar, especialmente depois de tentar efeitos mais extremos como esses.
Porém, tenho que admitir que comecei a mexer nesses filtros por um motivo muito mais sórdido. Estou tentando entender bem como eles funcionam para fazer a filtragem analogicamente, mesmo usando uma câmera digital. A ideia é simples, colorir alguns pedaços de vidro e colocar na frente da lente. Consegui alguns resultados preliminares bem interessantes, mas é difícil chegar num filtro que cause pouca distorção óptica.
Só que esse é apenas um passo intermediário de onde quero chegar. A ideia mesmo é usar filme em grande formato para conseguir nuances de cinza perfeitos e resolução monstruosa, coisa do tipo 500 megapixels. Mas isso vai ficar pra um artigo futuro!
Porém, eu encaro a fotografia digital como uma simulação dos efeitos que pretendo conseguir usando métodos analógicos. No fundo, isso é só o bom e velho método científico, onde a gente vai montando um esquema teórico para aplicar na prática só no final. Por outro lado, vão surgindo coisas como esse tutorial, e o assunto de filtros coloridos na fotografia preto e branco certamente vai voltar mais pra frente, então não deixa de me seguir no Instagram e sempre visitar aqui o blog para não perder nenhuma novidade.