Como todo plano realista, primeiro é preciso delimitar o problema corretamente com os pés na realidade. Em segundo lugar, é preciso entender que algo ‘realista’ não é necessariamente um plano mirabolante que dê pra ser implantado em seis meses (ou menos, dependendo do nível de ansiedade das pessoas). Dito isso, vamos ao que interessa, porque essa treta é muito mais difícil do que resolver do que parece.
O processo de formação do Estado
Nessa sessão, farei uma apresentação esquemática que, não necessariamente, reflete o processo histórico, mas que serve como um bom guia para entender o processo todo. O Estado surge no momento em que uma comunidade precisa se proteger de grupos externos. Usei o termo ‘comunidade’ porque não basta que as pessoas sejam apenas um grupo, elas precisam, de fato, estar unidas por alguma medida transcendente que forme um conjunto de valores que valha a pena lutar e morrer por ele. Normalmente, quem faz esse papel é a religião, que forma a cultura que desenvolve essa comunidade.
A partir do momento que uma comunidade atinge um certo tamanho, ela começa a enriquecer ou dominar recursos que interessam a outros grupos que possuem algum poder bélico. O resultado, evidentemente, são os saques, as invasões e os roubos. Num certo ponto, essa comunidade precisará defender-se dessas agressões, e é nesse momento que surge um grupo que deterá os recursos bélicos capazes de expulsar os invasores ou até mesmo conquistá-los.
O Estado nasce exatamente aí. Para que esse grupo que detém o poder bélico possa exercer o seu poder, é preciso que ele detenha todos os recursos materiais, afinal não tem como fazer guerra sem armas, e armas são coisas caras. Por conta disso, esse grupo belicoso, que daqui para frente chamarei de nobreza, necessita reunir fundos e recursos da população que ele visa proteger. Disso nascem os impostos, que são contribuições para financiar a manutenção de um exército capaz de fazer frente às ameaças externas.
Evidentemente, como a nobreza detém as armas e, muito provavelmente, a maior parte da riqueza gerada, já que todos pagam impostos, ela também tomará conta da administração do território. Afinal, não é possível executar uma logística militar sem controle dos recursos de um dado território.
E assim vai a relação entre a nobreza e o restante da população. A nobreza cuida dos negócios macro, ou seja, da proteção perante ameaças externas e da administração dos bens comuns. Os bens comuns podem variar de sociedade para sociedade, mas podem conter desde ferrovias e estradas até castelos, fortalezas, etc. Já a população cuida do micro, ou seja, da atividade econômica doméstica, do comércio, da indústria, etc. A relação entre a nobreza e a população é íntima e interdependente. A nobreza precisa da indústria e do comércio interno para obter seus recursos bélicos, e a população precisa ter a paz interna para poder trabalhar. Assim, essa relação pode ser totalmente simbiótico, isto é, em que todas as partes dependam umas das outras e sobrevivam apenas por causa dessa relação.
O que é uma família real?
A família real, normalmente, resulta dos casamentos dos membros desse grupo bélico que detém o Estado. Assim, é do interesse dessa família a formação dos seus membros dentro dessa lógica que acabei de expor. O objetivo máximo de uma família real, obviamente, é a manutenção do poder sobre o território que domina. Deste modo, ela precisa sempre garantir que possui os meios bélicos e que a administração seja boa o suficiente para não causar a falência econômica da sociedade sob sua tutela.
O Brasil tem uma família real?
A resposta curta é não, porque a família imperial abdicou dos recursos bélicos quando D. Pedro II fugiu do Brasil (monarquistas dirão que foi expulso. Eu digo que ninguém é expulso com membros das Forças Armadas, especialmente o comandante da Marinha, o Barão de Tamandaré, implorando por um contra-golpe e tendo seus apelos negados pelo Imperador. Quando D. Pedro II desautorizou que se repelisse a rebelião à força, na prática, ele abdicou do poder bélico). Desse momento em diante, tornou-se impossível a ascensão dos Orleans e Bragança ao poder. Como expliquei ali em cima, o poder de uma nobreza se exerce por meios bélicos. Assim, a única maneira de restaurar a monarquia no Brasil a partir da Casa dos Orleans e Bragança é por um golpe militar que tome o poder Federal. Não preciso dizer o quanto isso é impossível.
Qual o caminho para restaurar a monarquia no Brasil, então?
Voltemos aos primeiros parágrafos. Os ingredientes são uma comunidade e um grupo bélico que a proteja. Sem essas duas coisas, não tem monarquia. Porém, não há nem uma comunidade (ou sociedade, no caso mais amplo do Brasil atual) nem esse grupo bélico que queira proteger o país (as Forças Armadas são apenas um grupo corporativo que visa proteger a toda custa os seus próprios interesses que, no fundo, consistem em desfrutar de dias agradáveis em clubinhos militares e fazer pose de machão, mas que foge até de bate-boca com mulher). Antes de se poder sequer sonhar com uma monarquia brasileira, é preciso existir um Brasil, coisa que já é completamente extinta, do ponto de vista cultural.
Quem quiser restaurar a monarquia precisa, primeiro, refundar algumas comunidades com valores transcendentais profundos, que coloquem os interesses dessas comunidades acima de quaisquer outros. Isso se faz no front cultural, especialmente no religioso. O passo primordial é criar lugares – quero dizer vilarejos, cidades, vilas, etc; onde os proto-cidadãos sejam educados no sentido de buscar o máximo das virtudes, especialmente a coragem. Também é necessária a produção cultural sólida. Essas comunidades precisam ter muitos artistas, músicos, iconógrafos, sacerdotes, etc. Os valores têm, necessariamente, que estar em todos os cantos.
Por outro lado, ela também tem que desenvolver uma tradição fortíssima de artesãos e industriais, já que eles é que fornecem os meios materiais para a ascensão de um poder bélico. Entenda que, no fim das contas, tudo consiste em criar o poder bélico. Sem as armas, não tem como proteger uma comunidade, por mais culturalmente desenvolvida que ela seja. A comunidade precisa, de todos os modos, proteger e valorizar todos os seus membros com vocação artesanal.
Depois que este trabalho for feito, e isso pode levar 100 a 200 anos, no mínimo, começarão a surgir, naturalmente, as famílias de vocação nobre, que acabarão por tomar o poder e refundar o Brasil.