5 mitos de fotografia que todo mundo acredita

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Em toda área que atua o ser humano, invariavelmente surgem algumas coisas que, sem a menor comprovação, rapidamente se disseminam e quase todo mundo passa a acreditar quase como se fosse um dogma. Sim, estou falando dos mitos, e hoje vou tratar de alguns que são muito comuns na nossa área de paixão (ou ódio), a fotografia.

Como todo mito, eles nascem e se disseminam pela falta de informação, que faz as pessoas espalharem coisas que não têm comprovação. Tem também o componente de curiosidade e o de parecer mais inteligente que os outros sem saber de porcaria nenhuma. Mas isso aqui é um artigo de fotografia, não um tratado de psicologia dos mitos, então chega de lorota e vamos logo ao que interessa. Mythbusters kicked in, yo!

Foto boa não tem edição

Ontem eu mandei um podcast de três minutos pra um amigo no whatsapp por causa disso (e foi o que inspirou esse artigo, valeu Leonardo!). O fato é que, por definição, não existe foto sem tratamento, especialmente quando estamos falando de digital. Não existe nenhuma câmera capaz de registrar uma cena com realismo exato, porque o nosso cérebro interpreta principalmente as cores com meios subjetivos. Nessa hora, entram em ação vários mecanismos, inclusive psicológicos, que alteram a nossa percepção da cena.

A sua impressão das cores, por exemplo, pode variar muito inclusive de acordo com o seu humor. Você nunca teve a sensação que uma foto que você tirou não representou a cena que você estava vendo? Então, provavelmente um desses mecanismos estava em ação. Existem outros, como a adaptação que os nossos olhos fazem de acordo com a cor que ilumina o ambiente, e é por isso que existe uma coisa nas câmeras chamado de balanço de brancos.

Um outro exemplo é a exposição. Quando a cena é bem iluminada, a câmera consegue representar bem o que a gente vê. Mas, conforme a iluminação diminui, a câmera consegue fazer uma coisa que o nosso olho não faz, que é aumentar o tempo de exposição. Por isso, mesmo uma cena que estivesse completamente no escuro pode parecer totalmente clara se a câmera ficar exposta por tempo suficiente.

O pós-processamento de imagens é intrínseco da fotografia

E onde quero chegar com isso? É que se você quiser fotos com precisão realista, o que está no cartão de memória da câmera é só o ponto de partida, você vai ter que ajustar as cores e os demais parâmetros na mão até deixar do modo como você lembra que era a cena. E só a parte do lembra já é suficiente pra você ver que o negócio é subjetivo. Além disso, toda câmera digital edita a foto automaticamente por causa do modo como ela funciona. Isso é chamado de interpolação de Bayer, e você pode entender como funciona nesse artigo aqui.

Em outras palavras, a edição de fotos começa no momento mesmo em que a luz incide no sensor da câmera. Portanto ela é parte necessária do processo. Segue o fio, que ainda temos mais 4 mitos de fotografia pra detonar.

HDR é foto saturada

Esse aqui é recurso favoritos das influencers do Instagram, e ele é responsável por um dos mitos mais disseminados sobre fotografia hoje em dia! Sabe aquelas fotos com cores ultravivas que as moças ficam até com a pele mais laranja que o ex-presidente americano? Pois então, geralmente o povo acha que aquele efeito é o HDR, quando na verdade não tem nada a ver.

HDR significa high dynamic range, ou alto alcance dinâmico, e ele quer dizer um modo de operação que a câmera usa toda a performance do sensor para tirar fotos que possuam áreas excessivamente claras e escuras ao mesmo tempo na cena. Ele é um recurso feito para evitar fotos estouradas quando tem uma área iluminada e uma sombra ao mesmo tempo na cena.

O que realmente é o HDR?

Resumindo, a câmera tira três ou mais fotos com exposições diferentes e as combina, de modo a descartar as partes que ficaram muito escuras ou estouradas, aproveitando só o que ficou bom de cada uma das fotos. É só isso.

Se é só isso, então porque as fotos do povo do Instagram são todas saturadonas? É porque os fabricantes de celular precisam de um apelo pra vender, então eles forçam uma série de filtros junto com o HDR. Uma foto feita com uma câmera boa, usando HDR, visualmente não tem diferença nenhuma pra uma foto sem HDR, exceto que ela é capaz de não estourar as fotos.

No tempo da foto analógica não tinha Photoshop

Na verdade, esse são vários vários mitos sobre fotografia combinados num só, então vamos por partes. Primeiro, vamos falar dele em sentido literal, sobre um software de manipulação de imagens chamado Photoshop. Ele foi lançado em 1990, sendo um dos pioneiros nessa área. Ainda nos anos 90, surgiram diversas opções, como o Corel Photo Paint e o GIMP, e todos estão no mercado até hoje. Quem não tinha um PC tipo esses da foto abaixo? Tenho até saudade do meu!

Ainda nos anos 90, os scanners já conseguiam digitalizar as fotos com boa qualidade. O ponto fraco da cadeia era mesmo os PCs da época, já que estamos falando de processadores que vão desde o 386 até o todo-poderoso Pentium 2. Edição digital de fotos já existia e era muito explorado comercialmente. Então, sim, na época da fotografia analógica já tinha Photoshop, e eu mesmo já usava.

Uma segunda parte desse mito quer dizer que o uso do Photoshop não era disseminado, e não era mesmo. Usar um software como esse, na época, era pra quem entendia de computador e tinha um scanner, que era um equipamento bem caro. Como pouca gente tinha acesso a essas coisas e muito menos conhecimento e interesse no assunto, ninguém usava. Aí o Photoshop, como ferramenta ultrapopular, fácil de usar e acessível, realmente não existia mesmo.

Na era pré-informática

E a terceira parte desse mito diz respeito à época anterior aos anos 90, quando os computadores mal conseguiam fazer um jogo rústico de ping-pong e a fotografia era um processo analógico do início ao fim. Nessa época, havia um monte de receitas diferentes para revelar os filmes e depois passá-los para o papel. O que pouca gente sabe, hoje em dia, é que o papel que a foto era impressa funcionava exatamente igual ao filme. A imagem registrada no negativo era projetada nesse papel fotossensível. Depois esse papel também era revelado, igual ao filme, resultando na foto impressa.

E nesse processo cada fotógrafo tinha a sua receita para conseguir manipular os resultados. Existem livros extensos sobre o assunto que detalham técnicas químicas para manipular contraste, granulação, cortar, girar, remover coisas, escurecer, clarear, etc. Basicamente todas as operações que o Photoshop faz hoje era possível de se fazer no banho químico. Então, Photoshop, no sentido de que a foto final não era o que saía direto da câmera, mas era algo manipulado pelo fotógrafo, sempre existiu desde a primeira fotografia.

Os celulares vão tornar as câmeras obsoletas

Hmmm, não. Pense bem, se eu tenho um dispositivo com alto poder de processamento, eletrônica compacta, muitas opções de conectividade e uma tela de alta definição, por que alguém não poderia usar tudo isso para fazer um dispositivo totalmente dedicado e otimizado para uma função só? Imagine esse seu celular aí, só que sem todos os apps, com todos os recursos liberados para realizar a única e exclusiva função de capturar fotos com a máxima qualidade possível.

Só que o celular que você tem no bolso tem um requisito que uma câmera não tem, que é o tamanho. O celular tem que ser fino para caber no bolso, enquanto a câmera, não. A bem da verdade, a câmera até precisa ter um certo peso e tamanho por questão de ergonomia, que é um fator importante e que, por si só, vai fazer muita gente ficar com as câmeras por muito tempo.

Ninguém vence os limites da física

Além disso, quando o assunto é a física da luz, tamanho é documento. Isso é uma das coisas que as pessoas geralmente não entendem e que acaba criando certos mitos sobre a fotografia. Quanto maior o sensor e maior a lente, maior a resolução, entre outras coisas como o alcance dinâmico, que são os fatores cruciais para obter fotos de altíssima qualidade. Enquanto o celular precisa ser bem miniaturizado, a câmera não. Isso quer dizer que o resultado final do celular sempre será pior do que a de um equipamento equivalente que não tenha sensor e lente em miniatura. É por esse motivo que os telescópios para pesquisa de astronomia são enormes, com espelhos de muitos metros de comprimento.

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Também, o poder de processamento liberado por um dispositivo dedicado pode ser aplicado em recursos de inteligência artificial para criar câmeras com superpoderes do que diz respeito à taxa de captura de quadros e focalização em tempo real, por exemplo. Sem contar que que quando as tecnologias dos sensores de câmera de celular – que são excelentes, é verdade; são usados em sensores de tamanho maior, o resultado são dispositivos que conseguem trabalhar com ISO altíssimo e resoluções além de 100 megapixels.

Acho que deu pra deixar o ponto bem claro. Se você consegue fazer um celular – que faz milhões de coisas, tirar boas fotos, o que não dá pra fazer se usar essa tecnologia num treco que serve só pra tirar foto?

Fotografia digital é muito melhor que analógica

Ah, esse é um dos meus mitos de fotografia favoritos! A gente tem essa cultura hoje de que tudo só melhora com o tempo, e que tudo o que era de antigamente era ruim. É verdade que a fotografia digital trouxe uma série enorme de vantagens. As três maiores são a capacidade de ver na hora como a foto ficou, de transmitir as fotos para outras pessoas em tempo real e a possibilidade de dispositivos cada vez mais miniaturizados. Basicamente, a fotografia digital viabilizou o smartphone.

Esse é um mérito que realmente não dá pra negar, mas ela também tem algumas desvantagens. A principal delas é que a facilidade de tirar fotos banalizou o negócio, e ninguém mais tem fotos impressas em casa, o que quer dizer que a maioria das memórias das pessoas vai acabar se perdendo. Mas não é exatamente sobre isso que eu quero argumentar em favor da fotografia analógica.

Uma comparação justa

Quando falam que a digital é melhor que a analógica, as pessoas querem dizer que a qualidade das fotos analógicas era muito ruim, e que a da digital é muito melhor. Isso é bem verdade se você comparar as câmeras populares dos anos 90 com as de 2005 em diante. Nos anos 90, as pessoas usavam aquelas câmeras que pareciam saboneteiras, como a da foto abaixo, e elas não tinham, muitas vezes, nem ajuste de exposição. Já as populares do meio dos anos 2000, como as Sony Cybershot, já contavam com recursos super avançados de processamento, sensores excelentes e lentes de altíssima qualidade, com um preço mais ou menos acessível. As coitadas das saboneteiras dos anos 90 não tinham nada disso.

Uma saboneteira típica dos anos 90. Quem não teve?

A bem da verdade, essa é uma comparação de laranjas com tijolos, não estamos comparando coisas que estão em pé de igualdade. Inclusive, já expliquei em detalhes porque as fotos antigas eram tão ruins nesse artigo aqui. Pra coisa ser justa, a gente teria que comparar as saboneteiras analógicas com as digitais. Aí você vai ver que a diferença nem é tão grande assim. Qualquer hora vou escrever um artigo com uma Polaroid de 2001 que tenho aqui que é praticamente uma saboneteira sem filme.

Pentax vs Pentax

Mas o que acontece quando a gente compara duas câmeras boas, uma analógica e uma digital? Vou mostrar um experimento que fiz justamente para demolir alguns mitos sobre a fotografia digital. Nas fotos abaixo, em uma usei a Pentax K70 digital e na outra a Pentax Z1 com filme Kodak. Depois, editei as duas fotos no Photoshop. Veja o resultado:

Essa é a versão digital, com a Pentax K70, que é uma p*&% de uma câmera.
Essa é a analógica, tirada com a Z1. Além da qualidade ficar pau a pau com Pentax digital, ela tem muito mais charme.

E aí, prezado leitor fã de tecnologia, onde está seu deus agora?

Fábio Ardito

Pelo mundo atrás de treta.

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