Por que as fotos antigas eram tão ruins?

  • Categoria do post:Fotografia

Acho que é senso comum que aquelas fotos antigas, principalmente dos anos 80 e 90 eram bem ruins. A maioria delas era desbotada, fora de foco, cortada, enfim… uma verdadeira tragédia. E a gente acabou associando isso ao filme, já que com a chegada das câmeras digitais a qualidade melhorou bastante, mas por que as fotos antigas eram tão ruins? Era culpa do filme mesmo?

1. Ninguém sabia fotografar direito

Hoje, se você tem uma dúvida ou quer aprender alguma coisa, digita o que você quer no Google e acha uma resposta. Eventualmente, você vai encontrar blogs e sites, como esse que vos escreve, com toda a informação que você precisa.

Antes dos anos 2000, a coisa não era tão simples assim. Se você quisesse aprender alguma coisa de fotografia teria que comprar um livro, fazer um curso ou, pelo menos, comprar aquelas revistinhas mais simples que tinha na banca de jornal.

O fato é que isso requeria muito mais tempo e dedicação do que hoje, porque a informação não era acessível e gratuita. Então as pessoas não sabiam fotografar porque não era uma coisa que elas davam prioridade.

Veja que tudo era assim, não somente a fotografia. Qualquer coisa que você fosse resolver, tinha que achar a informação no modo analógico. O Google da época consistia em perguntar para os conhecidos e usar a lista telefônica, e isso pra quem tinha telefone, que não era todo mundo.

Tudo dava trabalho pra encontrar um bom material, então aprender a fotografar ia parar no fim da fila de prioridades, ainda mais porque a maioria das pessoas tirava, no máximo, 36 fotos por ano, que é o tamanho de um rolo. Essa é a explicação para as fotos mal enquadradas, cortadas, sem tema, etc.

2. Não dava pra ver se ficou bom na hora

E não era culpa das pessoas. Veja bem, hoje você vê o resultado da foto na tela do celular e, se não ficou bom, vai lá e tenta de novo. Dá pra repetir até ficar bom, geralmente.

Já antes dos anos 2000, tinha que esperar terminar o filme, que geralmente levava meses, daí mandava revelar e pegava as fotos no final. Era meio que tirar a foto e ficar torcendo pelo resultado.

Depois que a foto vinha, não tinha muito o que fazer. No fim, isso gerava uma espécie de conformismo, o que veio, veio e pronto. E como pouca gente ia atrás de aprender a fotografar de verdade, porque era difícil, a coisa ficava estagnada nos resultados ruins.

Exemplo típico de uma foto bem ruim com uma câmera barata do início dos anos 90. Lamentável.

3. A maioria das câmeras era porcaria

Sim, a maioria das câmeras (ou máquina fotográfica, como a gente chamava) era uma bela de uma porcaria. Isso acontecia porque a tecnologia da época ainda era bem rudimentar e cara.

Os equipamentos eletrônicos foram começar a ficar baratos mesmo só depois do ano 2000. Antes disso, pensar em alguma coisa com processador, motores de passo e lentes móveis, que são partes comuns das câmeras modernas, era praticamente impensável para o cidadão comum.

As boas câmeras, como a Pentax K1000, eram dispositivos mecânicos de precisão e, por isso, custavam caro. Isso numa época em que o poder aquisitivo do brasileiro era ruim e havia sérias restrições à importação de bens.

O resultado é que a maioria das câmeras que as pessoas tinha era a famosa saboneteira de plástico. Essas câmeras eram feitas para serem baratas, mas fáceis de usar.

Aqui é que a coisa ficava complicada, porque para uma coisa ser fácil de usar ou ela tem poucos recursos ou faz tudo sozinha. Como não existia a tecnologia que temos hoje, o jeito era reduzir a quantidade de recursos tinha que ser cortada.

Nessa história, a configuração de câmera mais comum era a chamada focus-free, que quer dizer que não tem ajuste de foco. Aí o truque era aumentar do jeito que desse a profundidade de campo, assim praticamente qualquer coisa fica razoavelmente nítida.

O resultado é que essas câmeras eram quase boas em tudo. O problema é que na fotografia não existe quase bom. Ou é bom ou é ruim, então quase bom é ruim. Daí o resultado era sempre ruim porque as coisas estavam quase no foco, quase bem expostas, etc. As fotos sempre saiam embaçadas, lavadas, escuras, sem nitidez, etc. De vez em quando alguma ficava no ponto.

4. Não existia processamento de imagem

Só existe uma grande diferença entre a fotografia analógica e a digital: o processamento de imagens. A qualidade da foto tirada tanto com um filme quanto com um sensor é praticamente a mesma. O que manda mesmo é a qualidade da lente e a precisão da exposição.

Acontece que, na fotografia com filme, você tirava a foto, mandava revelar o filme e depois a foto era estampada no papel fotográfico, exatamente do jeito que estava no filme.

Já a digital possui uma coisa chamada processador de imagem (como o Canon DIGIC, Nikon EXPEED, Sony BIONZ-X, etc) cuja função é pegar a imagem crua que vem do sensor e transformá-lo no produto final. O processador gráfico ajusta sozinho a maioria dos parâmetros da foto, como a exposição, a vivacidade das cores e o balanço de branco.

Então, ao contrário da câmera analógica, a câmera digital não é somente um dispositivo que tira as fotos, mas ele também as ajusta para otimizar o resultado. O arquivo de dados sem tratamento que vem da câmera digital o famoso arquivo raw, costuma ter uma aparência tão ruim quanto o de um negativo digitalizado sem nenhum tratamento. O fato é que, se você pegar uma foto tirada com um bom filme e uma boa câmera e ajustar no Photoshop, o resultado é tão bom quanto uma câmera digital profissional.

Essa é uma foto tirada com uma Pentax K1000 e filme Kodak Ultramax 400. A qualidade é a mesma de uma câmera digital profissional depois que a foto passa pelo Photoshop.

Hoje, qualquer pessoa pode tratar uma foto em casa. Tem muito app bom e gratuito tanto para celular quanto para computador. Isso sem contar que os próprios celulares estão cada vez melhores nesse departamento.

Mas, antigamente, só se o cara tivesse um laboratório fotográfico, e cada foto levaria horas de trabalho. Você imagina a sua mãe num laboratório fotográfico acertando a cor das fotos da sua festinha de 3 anos? Pois é.

5. Não existia um meio fácil de corrigir pequenos defeitos

O filme é uma película de plástico que corre dentro da câmera conforme ele é avançado quadro a quadro. Como essa é uma operação mecânica, alguns problemas podem ocorrer, naturalmente.

É bem comum, mesmo usando boas câmeras e filmes, as fotos apresentarem pequenos riscos ou manchas brancas. Além disso, a poeira é sempre um fator crítico na hora de digitalizar e, não adianta, sempre tem que dar uma catada no Photoshop pra retirar essas sujeiras e defeitos.

O problema é que hoje isso é trivial, mas antes de 2000 era praticamente impensável. Nem loja de fotografia conseguia fazer isso e os fotógrafos profissionais só podiam evitar essas coisas cuidando muito bem do equipamento.

Não pense, por outro lado, que as câmeras profissionais não sofrem com isso. Toda câmera que tem a possibilidade de trocar a lente está suscetível à sujeira. A questão é que o processador gráfico da câmera é capaz de identificar e remover as pequenas sujeiras da imagem sozinha. Mais uma vez, a diferença principal entre a digital e a analógica é o processamento da imagem.

6. As lojas eram ruins

O processamento da imagem, então, que deveria ser feita na hora da impressão, ficava a cargo da loja de fotografia. Acontece que, quando se tem uma demanda de centenas de filmes para revelar e imprimir e com equipamentos analógicos, não dava pra ficar acertando foto por foto para os clientes.

O negócio era simplesmente pôr o filme na máquina de revelar, depois na máquina de imprimir, pegar o resultado do outro lado, enfiar num envelope e entregar para o cliente. Simplesmente não havia espaço para aprimoramentos porque nem existia tecnologia pra fazer isso em massa, especialmente para fotos coloridas.

Além disso, a maioria dos funcionários dessas lojas eram pessoas que não tinham o mais mínimo interesse em fotografia, estavam ali para receber o filme, pôr na máquina, colocar no envelope, ir embora às 18h e receber o salário no dia 20. Enfim, pessoas comuns. Isso ainda hoje é assim, a diferença é que não dependo deles pro resultado final ser bom. Viva o Photoshop!

7. As fotos preto e branco antigas não eram tão ruins assim

Por outro lado, antes disso, dos anos 80 para trás, a maioria das fotos era em preto e branco. As câmeras eram tão caras que só os profissionais ou entusiastas tinham e a revelação era feita num laboratório simples. A fotografia preto e branco é incrivelmente mais simples que a colorida, então é bem mais fácil de trabalhar..

Acontece que, num pequeno laboratório improvisado, o fotógrafo conseguia ajustar muita coisa da foto, como a intensidade, o contraste e reduzir a intensidade de certas regiões. Isso fazia toda a diferença no produto final e essas fotos antigas não eram nada ruins, ao contrário.

Se você quiser, teste por si mesmo. Não é difícil achar câmeras dos anos 60 e 70 por um preço e ainda funcionando. Coloque um filme preto e branco e faça uns testes. Você vai ver que o negócio é bom mesmo.

Eu tenho várias fotos preto e branco antigas da família aqui e a qualidade delas é realmente muito boa. O detalhe é que elas foram tiradas por um tio que era entusiasta e tinha um laboratório fotográfico no quintal.

Nessa época, as fotos não eram tiradas pelas mães e tias (geralmente), já que era um trabalho bem mais técnico e caro. Isso fazia com que a qualidade fosse bem maior. Eu diria que houve uma época bem crítica ali entre os anos 80 e 2000.

Então, as fotos antigas não eram ruins por causa do filme?

Espero ter te convencido que a culpa pela qualidade das fotos era de todo mundo, menos do filme. É claro que os filmes mais baratos do mercado também não eram lá aquelas coisas, mas eles faziam o serviço direitinho.

Inclusive, o Kodak ColorPlus 200, que é o mais barato do mercado, serve pra fazer muita coisa legal. Outro filme que sempre dava resultados bons, especialmente pela fidelidade era o Fuji 200, e era um dos mais baratos também. Então o filme em si nunca foi o problema.

A maior parte dos problemas responsáveis pelas fotos antigas ruins era, no fundo, devido a falta de informação e interesse das pessoas, câmeras de baixa qualidade e falta de tecnologias acessíveis.

Nesse sentido, a tecnologia da aquisição de imagem por filme em si nunca foi ultrapassada. O que ficou obsoleto foi o modo como a fotografia era tratada antigamente, sem recursos digitais. Quando se aplica esses recursos numa foto tirada com filme, esse problema desaparece.

Fábio Ardito

Pelo mundo atrás de treta.

Deixe um comentário