Nigel Danson, entre o belo e o sublime

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Dizia o T. S. Elliot, em sua obra ‘What is Culture’, que o intercâmbio entre culturas diferentes é parte fundamental do enriquecimento cultural humano, porque ele traz a troca de valores que se manifestam de maneiras diversas entre os diferentes povos. Por esse motivo, resolvi que seria legal trazer aqui no blog alguns fotógrafos estrangeiros, assim a gente sai um pouco do provincianismo que é tão comum por essas terras, especialmente nos meios culturais. E, pra inaugurar, vou começar com o meu fotógrafo favorito da atualidade, o Nigel Danson.

De onde veio Nigel Danson?

Ele é um inglês, sempre foi um amante da fotografia e pratica a arte desde os 11 anos de idade. Outro dia, eu estava vendo um vídeo em que ele mostrava as fotos de quando era criança. Usando filme preto e branco e revelando as fotos no sótão da casa dos seus pais, ele já criava verdadeiras obras primas, mesmo sendo tão novo. O domínio que ele tem da luz já era bem notável na época.

Em 2016, enquanto dirigia no Parque Nacional dos Yosemites, nos Estados Unidos, ele teve uma parada cardíaca, perdeu o controle do carro e capotou três vezes. Foi levado para o hospital, onde teve mais duas paradas e acabou levando um marca-passos pra casa, além de dores crônicas nas costas. À época, ele tinha uma empresa de software com cerca de 100 funcionários mas, por causa do acidente, resolveu mudar de vida.

Então, em 2017, largou a empresa e foi se dedicar àquilo que sempre foi o seu verdadeiro amor, a fotografia. Criou um canal no Youtube que, hoje, tem 325 mil inscritos. Já viajou o mundo todo e hoje vive plenamente da sua fotografia.

Fotografia de paisagem

No livro ‘Beleza’, Roger Scruton diz que existem dois tipos de beleza nas paisagens, a das pequenas coisas e a das grandes coisas, que ele chama de sublime. As grandes coisas causam uma espécie de espanto perante a escala das forças da natureza. É o caso das grandes montanhas, dos oceanos, das florestas. Já as coisas menores, como árvores e caminhos possuem a sua beleza natural, mas sem essa sensação de espanto.

O que eu gosto no Nigel Danson é que ele justamente sabe andar entre essas duas coisas. Ele não faz somente fotos épicas, mas as suas composições sempre possuem um plano de frente que é próximo do expectador, com uma beleza menor e que quase sempre é confrontada com o sublime. Acho que esse é o caso que torna essa foto abaixo tão especial. A beleza da árvore antiga, iluminada como se fosse poesia, à frente de uma paisagem magnânima, soberana.

Sobre a sua motivação, o próprio Danson escreve no seu site:

A minha paixão é tirar fotos de paisagens e eu tenho sido sortudo o suficiente de viajar para muitos lugares – e o meu favorito de todos é a Islândia. Eu acho tão recompensador quando você consegue uma imagem que captura o clima, ou as condições do ambiente sempre em movimento.

E aí nesta frase está todo o segredo da sua fotografia. O clima e as suas mudanças, como a passagem das nuvens e os nevoeiros, são justamente os seus temas mais recorrentes, e são eles o ingrediente que dá o tempero da receita toda. Essas imagens não teriam a menor graça sem toda essa correlação com o clima.

Mas também há um domínio sobre a luz que é muito especial. Ele é um mestre em encontrar os ângulos que a luz, especialmente do sol nascente, cria texturas que parecem sair de uma obra de ficção. Esse uso da luz é uma das coisas que faz essas imagens serem tão especiais. O melhor de tudo, é que tudo isso é feito conscientemente.

Precisão

E, justamente, é essa capacidade de ser preciso ao descrever o que está fazendo que torna o Nigel Danson um artista que realmente se destaca do restante do pelotão. A sua marca registrada no Youtube é a capacidade que ele tem de descrever e justificar cada elemento das suas fotos. Ele sabe exatamente porque tirar ou incluir coisas na composição, quando uma coisa não fica bem e quando fica.

Os seus vídeos são verdadeiras aulas, e eu não perco um. Na verdade, eles são uma das maiores inspirações que eu tenho pra escrever aqui no blog, e é esse estilo que eu tento colocar aqui nos meus artigos. Acho que a gente precisa começar a ter uma classe de artistas que consegue criar com a cabeça, e não só com um sentimento que nem sabe dizer qual é. E isso é parte fundamental no intercâmbio cultural, porque nós não temos esse elemento aqui no Brasil.

A precisão do Nigel Danson não fica restrita só aos vídeos do Youtube. Na verdade, ela é uma marca registrada das suas fotos. Cada uma delas é como uma composição em que cada coisa é calculada milimetricamente. Desde o formato do mato no plano de frente ao das montanhas no fundo, as cores que se complementam, tudo isso é pensado desde o princípio. Uma outra marca registrada é o foco sempre perfeito, com a profundidade de campo infinita, que inclui desde os pés do observador até as montanhas. Isso é o que cria essa sensação de estar presente naquela cena.

Os 5 princípios de Nigel Danson

Em seu site, ele também lista os cinco princípios que guiam a sua fotografia. São eles:

1) Sempre fotografar coisas que eu amo. Nunca fotografar apenas por ganho comercial

2) Preferir as alvoradas aos crepúsculos – mesmo no verão

3) Não perder muito tempo editando suas fotos

4) Não compro equipamentos novos a menos que eles parem de funcionar ou me impeçam de conseguir as imagens que eu desejo

5) Visitar e fotografar 3 lugares diferentes (ou países) todo ano

Eu não poderia deixar de concordar com todos eles, mas acho que alguns merecem um comentário especial, particularmente o primeiro item. Infelizmente, aqui a gente tem essa ideia disseminada de que uso comercial é uma coisa feia, e que só se faz arte pela arte. Isso não é verdade, tanto que o Danson inclui a condição ‘apenas’ na frase (a original é “Never shoot for commercial gain alone).

Afinal, toda obra de arte só pode se dizer bem sucedida se tiver gente disposta a pagar por ela. Seja como for, o que ele quer dizer aqui é que a inspiração não é comercial, ele não vai aos lugares porque acha que vai fazer sucesso, mas porque acredita que ali tem valor. O ganho comercial é uma conseqüência do trabalho bem feito, mas não é um fator que entra no processo artístico.

Um outro ponto interessante é sobre a edição. As suas fotos são sempre trabalhadas por software, mas nunca excessivamente. Ele sempre se preocupa muito em conseguir a melhor imagem possível na câmera para só fazer uns ajustes depois. Como eu sempre digo aqui, a edição é parte do processo de fotografia, não tem que ter purismos nessa área, senão o resultado final não chega.

E também acho interessante essa questão do equipamento, e é uma coisa que eu também acredito. No mundo da fotografia existe muito essa coisa de ficar querendo comprar sempre o último lançamento. Tudo besteira. Antes de comprar uma câmera nova, você é capaz de apontar, na sua fotografia, o que não sai de acordo com a sua expectativa por causa da câmera? Essa é uma lição importante, porque ela mostra o quanto o fator mais importante é sempre a pecinha que vai atrás do viewfinder.

Acho que deu pra ver o quanto o cara realmente é uma referência. Recomendo bastante que você conheça o trabalho dele no Youtube, no Instagram e no site, que tem as fotos disponíveis para venda. Eu não sei se ele despacha para o Brasil, mas com toda certeza gostaria de ter uma aqui na minha parede.

Mesmo que a fotografia de paisagens não seja a sua área, uma coisa você pode aprender com ele: a dizer exatamente tudo o que se passa nas suas fotos.

Fábio Ardito

Pelo mundo atrás de treta.

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