O que é arte e o que não é

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Definir o que é arte, além de ser uma tarefa ingrata, pode ser extremamente difícil, para não dizer impossível. O problema é que o assunto tem tantas nuances, contra-exemplos e contradições que qualquer tentativa é somente isso, uma tentativa. No entanto, nada impede que listemos algumas características que toda arte de verdade tenha que ter, e isso já será um excelente guia.

No mundo atual, especialmente no Brasil, as definições de arte costumam ser estereotipadas conforme a ideologia. De um lado, tem aqueles que acham que toda manifestação cultural é arte. De outro, os que se prendem somente à arte como manifestação da beleza. Ambos estão equivocados, mas o primeiro caso é o mais auto-evidente. Se qualquer manifestação cultural é arte, então todos os critérios que definem a arte foram abolidos. Se todos os critérios foram abolidos, não existe mais nenhuma forma legítima de arte, e se não existe forma legítima, a arte também não existe.

Já o outro ponto de vista exige um olhar mais aprofundado porque, realmente, a beleza pode ser uma miragem que, por ser agradável, também seduz com facilidade. O grande problema é que a beleza nem sempre vem junto com a verdade, e é a verdade a última juíza de todas as manifestações humanas. Daqui, a gente já pode ver que o primeiro ingrediente para a arte é conter uma boa dose de verdade. Alguma coisa mais profunda e verdadeira tem que ter ali naquela obra pra ela ser considerada arte.

O verdadeiro

E, no fim das contas, o único critério para definir o que é verdadeiro ou não é o tempo. As boas obras de arte sobrevivem até mesmo ao colapso da civilização que as criou. Por exemplo, as pirâmides do Egito não teriam sobrevivido se o seu formato e os seus materiais não fossem um representação real da solidez e da atemporalidade.

O mesmo vale para obras até mesmo do ocidente, cujos valores já se perderam há algum tempo, como é o caso da iconografia católica, que sobrevive somente em alguns pequenos nichos que ainda são fieis a tradições mais antigas. Na verdade, as obras religiosas são sempre as mais persistentes, justamente porque o objetivo de toda religião é sempre buscar as verdades mais atemporais e profundas que, de certo modo, é o mesmo objetivo da arte.

O original

Porém, não basta que uma obra contenha a verdade para ser arte, ela também tem que ser original. Se é possível transformar um estilo de pintura, por exemplo, numa técnica, então não é preciso mais um impulso artístico para produzir mais pinturas, apenas o domínio da técnica. Por mais verdadeira que seja a obra final, ela nada mais é do que uma espécie de cópia da original, esta sim sendo uma obra de arte verdadeira.

Aqui é que entra a diferença entre arte e artesanato. O artesanato é uma forma de arte que pode ser produzida em série, contendo a mensagem original, mas feita com técnicas que conseguem reproduzir essa mensagem sem que o artesão precise, necessariamente, invocar aquelas realidades novamente. Um bom exemplo é a cerâmica majolica. Os primeiros desenhos, originais, são replicados indefinidamente para confeccionar novas peças continuamente. O funcionário que produz as peças não precisa nem sequer saber quais foram as inspirações dos desenhos e das cores, basta apenas saber reproduzi-los.

A vanguarda

Além disso, a arte tem que ter algo a mais, não somente original, mas que acrescente algum elemento novo e superior ao que já existe. A arte sempre tem que ter essa aspiração para cima, porque é ela que rompe o horizonte de possibilidades da cultura corrente. Se a arte começa a decair, o horizonte de consciência daquela sociedade também vai decaindo, e esse é justamente o processo que culmina na extinção de civilizações.

Aqui, pode parecer que eu estou argumentando que as realidades feias, ou até mesmo grotescas, não possam ser representadas na arte, e é justamente esse o erro dessa ala que considera que a beleza esteja intrinsecamente ligada à arte. Na verdade, não tem como representar uma cosmovisão completa sem o mal. Ele é o elemento constante e presente nesse mundo e, sem ele, vivemos numa visão manca que, fatalmente, vai tropeçar cair.

A questão toda é, como você representa o mal utilizando aquilo que de melhor se pode conceber? Existem inúmeros exemplos desse tipo de coisa, como as pinturas do Hieronymus Bosch ou os afrescos “As virtudes e os vícios” de Giotto. Essas obras foram verdadeiras inovações para a época, tanto que Giotto é considerado o elo entre a arte medieval e a renascentista, e essa obra é um belo exemplo de como a tensão entre o bem e o mau pode ser representada de maneira superior.

Sim, é verdade que as pinturas de Giotto até representam os vícios com alguma beleza, mas não é o caso de Bosch, por exemplo. Por outro lado, aqui entra um outro problema, que é vício de caipira. A arte precisa ser vanguarda, mas isso não é o mesmo que o velho estereótipo de ‘a arte serve para chocar’. Isso é só coisa de gente desocupada que não tem habilidade para fazer arte.

O domínio sobre a técnica

Isso nos leva ao último ponto. O artista tem que ter domínio sobre a técnica. Não existe arte sem domínio da técnica porque, sem ele, não existe expressão legítima. É como um bebê que ainda não fala tentando pedir a mamadeira. Artistas modernos que me perdoem, mas tenho a impressão que a grande maioria das artes contemporâneas só são arte se realmente abolirmos todas as definições, especialmente essa última.

Acho que a falta de domínio sobre a técnica é o que mais fomenta os borrões que se chama de arte hoje em dia. Também não acredito que o virtuosismo seja um juiz justo no quesito arte, mas ele é, sem dúvida nenhuma, um requisito básico.

Com esses quatro critérios, fica fácil evitar as maiores armadilhas do mundo cultural atual. Eles não são uma definição final sobre o que é arte e o que não é, mas é o que melhor consegui me aproximar até hoje. Caso isso mude, vos comunicarei num outro artigo! Não deixe de me seguir também no Instagram.

Fábio Ardito

Pelo mundo atrás de treta.

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