Minhas anotações das aulas do COF

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Aula 01 (14-03-2019) – 13-12-2018, Perugia

Olavo começa o curso falando da importância dos amigos e dos grupos afins. Talvez seja essa a maior dificuldade que eu tenha encontrado até hoje, a saber, principalmente, que encontrei poucas pessoas que não estivessem de palhaçada na vida, ou fazendo idiotices obscenas acreditando praticar o bem. Acho que esse segundo grupo foi o que mais encontrei dentro da Igreja Católica até hoje. Lembro-me que foi isso que me afastou da Igreja, a hegemonia completa dos idiotas, perto dos quais, eu que achava estupidez abanar folhinhas na missa, era um alienígena completo, um idiota sem senso de humor. Hoje, após longos anos nesta estrada, o sentimento não é muito diferente e, infelizmente, mesmo dentro do COF, não tenho encontrado resultados muito diferentes, com algumas nobres exceções. Tanto na Igreja quanto fora dela, é essa massa de idiotas completos, que se julgam ultra-capazes, que inventam modas cuja adesão já os transforma em intelectuais superiores, é que dominam a terra. Não se pode ser um intelectual na direita brasileira sem fumar cachimbo ou gravar vídeos com uma prateleira cheia de livros aprovados pelo index prohibitorum da direita nacional. Claro, existe ainda o grupo dos tradicionalistas, do qual nada mais existe fora do seu mundo interior que não seja gnosticismo. Foi isso que me impeliu a buscar algo fora do Brasil, porque dentro, até hoje, só encontrei miséria moral e intelectual e uma dose cavalar de burrice. Poucas vezes na vida algo fez tanto sentido do que quando descobri que o QI médio do brasileiro é de 87 enquanto o meu deveria ser, segundo um teste que fiz no site da Universidade de Cambridge, uns 120. Eu deveria ser só inteligentinho, mas 33 pontos é uma diferença tão abissal que é o equivalente à diferença entre uma pessoa normal e um quase-gênio. Não é a toa que as pessoas sempre me trataram como uma espécie de gênio excêntrico no Brasil. Mas a verdade é que não era eu o gênio, eles é que eram os burros.

E aí vem o necrológio. Faz um ano que estou o curso e até não consegui chegar num consenso sobre o que eu quero ser quando morrer. Eu não sei. Eu sinceramente não sei. Todas as coisas que penso parecem supérfluas. Já me ocorreram inúmeras ideias, desde um construtor de carros artesanais que tenta resgatar o vínculo entre a engenharia e a arte, até um intelectual renomado. A primeira ideia é tosca demais, a segunda falta um propósito, um assunto. Mais adiante o Professor dirá várias vezes que este assunto deve ser um que te consuma por dentro, que seja uma questão existencial, como se a vida não pudesse existir sem uma resposta a essa questão. De todas as coisas que me ocorrem, acho que a única que me importa é por que o brasileiro é um povo preso na camada 4. O curso de Formação da Personalidade não me sai da cabeça. A camada 4 e o QI 87 são os problemas que me atormentaram no Brasil, e os quais, nem pretendendo achar uma cura, nem ao menos conseguia mais tolerar as pessoas. E era o entorno todo. A multidão dos idiotas era uma combinação de infantibilidade e burrice, com uma alimentando a outra continuamente. Fiquei exausto de tantas cobranças emocionais estúpidas, pequenas chantagens sentimentalistas, a impotência completa de uma velhice que nada mais sabia fazer do que recorrer a métodos baixos para conseguir favores. Vi idosos próximos descerem de volta à camada 2. E era isso. Nada podia ser tratado de maneira prática. No Brasil, até onde vi, nada escapou disso, nada. Voltando ao necrológio. Acho que essa é a questão que queima a minha alma. Por que as pessoas ficaram assim? Ou sempre foram? Por que os imigrantes de outrora, como era o caso da minha família, saíram de culturas relativamente evoluídas – no meu caso italiana, que não é lá essas coisas, mas a diferença para os brasileiros é gritante, acabaram tendo esse mesmo destino? Tem horas que penso que o Brasil sofre de alguma maldição. E eu continuo com essas questões, encontro algumas respostas aqui e ali com o Prof. Olavo, o Jordan Peterson e o Stefan Molineaux. Entre os brasileiros, não conheço ninguém que esteja atacando especificamente estes pontos. Qual a confluência entre QI baixo e infantilismo? Vejo muito essas histórias de personalidade, de colérico pra cá, fleumático pra lá… parece tudo modinha da direita. Até agora não vi ninguém atacando o problema frontalmente. Talvez seja isso. Meu necrológio pode ser somente esse. Profissionalmente isso não resolve o meu problema, porque eu vou ter que arrumar um jeito de ganhar a vida. Talento pra isso eu tenho, mas tenho que inventar algo. Acho que agora talvez eu consiga escrever um necrológio.

Em seguida, o Prof. fala da necessidade da formação dessa imagem do necrológio, que vai ser seu guia na vida, que vai te manter longe dos julgamentos das pessoas e grupos inadequados e é a partir dessa imagem que você vai falar com Deus, especialmente na confissão. O quanto você se desviou desse ideal é que te dará a medida correta dos seus pecados, ou seja, o seu julgamento moral.

O Prof. define filosofia como sendo “a busca da unidade do conhecimento na unidade da consciência, e vice-versa”. É no sentido de obter a unidade da consciência que o necrológio é fundamental, a meu ver. Ou buscamos a unidade da consciência ou não termos a unidade do conhecimento.

Expõe o problema de se tornar a filosofia uma instituição, o problema intrínseco da universidade, que tolhe a liberdade da filosofia em troca de deveres de profissão e cargos. Tendo visto por dentro a constituição desse bicho, nos meus anos de físico, é que vejo quanta distância eu quero das universidades. Surge a confluência entre a tradição da especulação filosófica e a formação das nações modernas. Essa confluência é visível nos desdobramentos dos séculos XIX e XX. Todas as catástrofes causadas pelas ideologias nefastas foram arquitetadas de dentro das universidades. O Prof. afirma que a filosofia então, cresce sem uma consciência clara das condições sociológicas que a gerou e determinou, ou seja, alienação da classe filosófica. Acredito que daí tenham surgido todas essas utopias descabidas dentro da universidade. Já Sócrates fez o contrário, e sabia exatamente as condições sociológicas que estava envolvido. As universidades criam, então, as divisões de campos de trabalho onde cada filósofo é delimitado numa certa área, o que cria um ambiente completamente anômalo e que impede o exercício real da filosofia. Em seguida, dá um exemplo de como Sócrates fazia exatamente o contrário, e sabia muito bem em qual situação social ele próprio se encontra, ao contrário dos nossos acadêmicos contemporâneos. Daí segue na importância de se partir da própria localização exata do filósofo no seu meio social.

Talvez aqui caiba um exercício. Qual a minha posição na sociedade brasileira? Praticamente toda minha família é de origem italiana, exceto pelo meu bisavô Machado que tem uma história bem interessante. Mas, a grosso modo, minha história consiste de pessoas humildes que imigraram em busca de uma vida melhor e foram parar no Brasil. Essas pessoas geraram famílias grandes e desordenadas, com muitos problemas graves, os quais tive a imensa sorte de não ter, visto que o casamento dos meus pais é muito estável, meus tios e primos também geraram famílias coesas, etc. Meus avós paternos tiveram um casamento sem maiores problemas, tiveram três filhos incluindo o meu pai e somos em seis primos, todos casados exceto eu. Meus avós paternos já tiveram uma história mais complicada. Meu avô era alcoólatra, o casamento sempre foi conturbado, mas nunca desfeito, minha mãe teve que ir trabalhar cedo para sustentar os irmãos, etc. Somos emoito primos por este ramo da família, dos quais cinco são casados. Do ponto de vista familiar, faço parte de um círculo de uma sorte ímpar. O grande problema da geração dos meus pais e dos meus avós parece ter sido a entrada do ocultismo e espiritismo em suas vidas. Praticamente todos ou são adeptos do espiritismo ou simplesmente é do ‘ah, deixa pra lá, deve ter outras vidas mesmo’. Nenhum deles parece ter maturidade ou coragem suficiente para enfrentar a possibilidade de se foder eternamente. Essa pusilanimidade espiritual leva a um tipo de materialismo que é enfeitado por crenças esotéricas do tipo Nova Era. Tudo não passa de camuflagem para o medo, creio eu. Seguindo, a minha vida não foi de grandes problemas financeiros nem também de abundância. Um grande traço de personalidade da família do meu pai e a capacidade de construir as coisas. Coincidentemente ou não, meu avô ergueu a própria casa com as próprias mãos, boa parte da casa do meu pai foi feita por nós mesmos – incluindo minha mãe e eu ainda no fim da infância, e o apartamento que eu morava reformei eu próprio sozinho. Eis aí um traço marcante, mas sinceramente espero nunca mais fazer de novo! Segui a carreira de físico, fui bem até o último da graduação quando perdi totalmente a motivação porque, justamente nessa época, me dei conta da realidade da universidade que o Prof. descreve nesta aula. Ademais, descobri que a Física não daria as respostas fundamentais que eu procurava. É verdade que fui fazer este curso pensando que as respostas eram todas de ordem materialista, mas, ainda assim, tinha a metafísica que me interessava, e que era evitada no meio acadêmico como uma peste. No curso de física, só fui ver um pouco de filosofia em três semestres do curso de História da Física, que era um conjunto de disciplinas eletivas. Passadas as disciplinas, meu interesse pelo curso se foi. Fiz mestrado e doutorado porque era o caminho fácil, e ainda não tendo passado pela camada 6, não sabia me virar fora daquele meio. Do mestrado em diante, com interesse absolutamente zerado no assunto da tese, fui levando tudo na base do puro talento, que eu sempre tive de sobra, nas coisas do laboratório. E assim fui parar no LNLS, onde fui pesquisador – que não pesquisava! e passei três anos construindo e operando equipamentos de pesquisa. Finalmente, em 2017, decidi que bastava daquilo e resolvi sair. Fui embora com ofertas de promoção e aumento de salário, mas a questão era parar com aquilo e dar um sentido real na minha vida. E assim ceguei aqui. Fazia parte de uma classe média bem-sucedida, sendo um outsider na comunidade científica, tendo furado as relações hierárquicas rígidas do meio acadêmico, sem ter criado uma família e sem a sensação de pertencer a lugar algum. Virei um tipo de forasteiro dos filmes do Clint Eastwood, sem a .44, infelizmente. Essa história até se parece com a do Eric Voeglin, com a diferença que eu não sou um gênio do calibre dele e que a física não era uma questão fundamental para mim a ponto de realmente querer subverter a ordem do meio acadêmico. Aquilo foi simplesmente uma situação profissional que terminou desse jeito por base da força. Uma hora alguma coisa ia ter que ceder, e provavelmente seria eu, já que a questão não era de vida ou morte para mim.

Continuando, o Prof. define que “A técnica filosófica é a técnica de você converter
os conceitos gerais em experiência existencial efetiva, e vice-versa” e, em seguida dá o exemplo de como Foucalt tratava da opressão da sociedade ao mesmo tempo que frequentava clubes de sadomasoquismo. Ou seja, ele próprio nunca se relacionou com os conceitos abstratos que criou. É interessante que isso também ocorra, de modo análogo, na mentalidade nacional. Quase todas as pessoas parecem que tem teorias e critérios sobre a vida, mas que nunca se aplicam a si próprios.

Agora comenta no papel da personalidade e como ela se interpõe entre a consciência e o conhecimento como uma tela opaca, conforme Agostinho. Isso me faz pensar o quanto essa tela ficou opaca no Brasil. A personalidade tem suas crenças, preconceitos, auto-engano que a fazem não ver a verdade. Aqui parece ser o pivô da catástrofe da personalidade nacional. Agostinho inaugura o gênero das confissões tentando resolver este problema. Entendo que a confissão seja o ponto comum no qual interlocutor e Deus saibam algo em comum, então, a partir dali é que Deus pode revelar algo a mais que o interlocutor não tenha percebido, mas que faz parte da sua experiência. Ou seja, Deus nos fala somente a partir da nossa própria experiência. O objetivo do filósofo é obter o grau de confiabilidade máxima dos conhecimentos que já se têm, ou seja, procurar coisas que possam ser provadas e que ele possa acreditar naquilo pessoalmente, delimitando as decisões da sua vida.

Do outro lado, está o que se chama de verdade científica. O método científico consiste em isolar um certo campo de outros fenômenos, com a hipótese de que exista uma ordem intrínseca por trás desse campo de fenômenos. Então ele observa a ordem externa dos fenômenos, supõe que exista uma lógica interna que possa ser expressada por uma teoria científica e em seguida procura por essa ordem interna dos fenômenos. Ou seja, é um método circular em que se procura validar uma hipótese tentando encontrar fenômenos que possam ser explicados por essa hipótese.

O Prof. faz uma distinção importante sobre a atividade filosófica, ou seja, a “busca efetiva da credibilidade máxima, da articulação do pensamento e da seriedade existencial na afirmação das verdades e supostas verdades que você encontra — e outra coisa completamente diferente é a cultura filosófica, no sentido de que agora precisamos desenvolver a primeira e buscar a segunda depois. Cultura filosófica é tentar compreender aquilo que outras pessoas já pensaram sobre o assunto. A filosofia é a busca da capacidade interna de discernir a verdade.

Nós não podemos pensar nas coisas diretamente, mas apenas em conceitos, e então pensamos sobre os conceitos, por isso temos que adquirir a habilidade de elaborar os conceitos com a máxima precisão possível, e isso é feito através da atividade literária. Uma formulação inadequada de um conceito baseado em uma experiência acaba apagando a experiência efetiva da memória. Isso dá origem à paralaxe cognitiva.

O que é consciência? é uma pergunta deixada em aberto aos alunos. Mas o o Prof. diz que a consciência é a única coisa da qual não se pode falar na ausência dela. A consciência é auto-consciente.

“A língua pública está tão carregada de estereótipos, de jargões e de slogans que praticamente já não serve mais para falar da realidade, mas apenas para expressar aquilo que você quer que o outro pense. São as famosas três funções da linguagem do Karl Bühler: (a) a função nominativa, que é dar nome às coisas e descrever a realidade; (b) a função expressiva, ue é expressar seus sentimentos e experiências; e (c) a função apelativa, que é a linguagem usada para influenciar a cabeça do outro. No Brasil, atualmente, só existe a função apelativa: todo mundo só fala para influenciar a cabeça das pessoas”.

A destruição da atividade literária no Brasil é um fator importante para compreendermos como chegamos ao estado de coisas atual. Sem a capacidade de criar conceitos realistas, tudo se perde no pueril. A literatura e o cinema nacionais são a mostra mais concreta de que não se fala mais da realidade, mas de caricaturas ideológicas de coisas. Esse hiato cria toda essa atmosfera sombria porque as pessoas simplesmente não conseguem mais expressar nada da realidade que as cerca.

Aula 02 (21-03-2009) – 14-12-2018, Perugia

A ideia por trás do exercício do necrológio pode ser sintetizada pela seguinte frase: “a eternidade o transforma enfim naquilo que ele era”. A ideia do necrológio é buscar a sua forma de vida fechada, aquilo que é constante e imutável no seu ser, ou seja, a sua forma final que não poderá ser mais mudada é que será apresentada ao observador onisciente. É discernimento do que é passageiro e do que é definitivo.

Essa imagem do seu eu final, terminado, conforme entregue a Deus na morte, é a baliza que vai reger todos os seus atos durante a vida. É ela quem vai guiar entre as escolhas, oportunidades, dificuldades que surgirão no caminho. Obviamente, a vida quase nunca será favorável a este projeto, o que torna o exercício ainda mais importante, já que é a bússola pela qual nos guiamos. Não ter possuído, até então, um necrológio, apenas me fez de passageiro da vida, na qual fui muito hábil em evitar problemas graves, apesar da minha personalidade aventureira que sempre inventava algo novo a se enrascar. Não me lembro de uma fase da minha vida que eu não estivesse preso a algum tipo de projeto muito maior do que eu mesmo. E, no entanto, todos eram sem motivo, apenas passatempo e aventura, uma tentativa vã de encher uma existência sem sentido.

É ter um projeto de personalidade. Como todo projeto, ele precisa ser executado de alguma maneira, e o fato de se ter uma planta ou um desenho, um blueprint, faz com que se mapeie e se saiba evitar os desvios da vida. As dificuldades e os acontecimentos vão nos desviando do caminho, mas é o projeto que nos traz de volta. Cada desvio é uma quebra da unidade da personalidade e a função do projeto é mantê-la unificada no percurso. O Prof. comenta que os fatores adversos podem ser posteriormente usados e retrabalhados para restaurar dialeticamente a unidade do trajeto percorrido. Isso é uma coisa que noto, e sempre que olho pra trás e vejo as coisas que deram errado não posso deixar de observar que o destino poderia ter sido completamente diferente, e, muitas vezes, muito pior do que o atual. Pra mim, isso é a providência. A gente acha que uma coisa deu errado, mas o que é que a gente sabe pra saber que deu errado? Apenas não correspondia ao que você esperava. Ortega y Gasset dizia que ‘eu sou eu e minhas circunstâncias’. Sem dúvida, as suas circunstâncias moldam a sua substância que já estava lá.

Olavo comenta sobre a hereditariedade de certos fatores, inclusive psicológicos. Pra mim essa foi uma parte reveladora, porque era incrível como eu sempre todos os trejeitos e gostos de italiano, sendo o único na família a apresentar essas coisas. Toda a cultura italiana da minha família foi perdida com o tempo, apenas eu sobrei. Esse foi um motivo para vir para a Itália, era uma espécie de reencontro, recomeço. Fiz questão de passar na cidade onde nasceu meu bisavô, era como voltar ao ponto de partida e, olhando como as coisas não funcionaram muito bem para o Pasquale, tentar fazer melhor dessa vez. É como se fossemos refugiados. Não somos parte de lugar algum, apenas nômades vagando no mundo. Mas queríamos, mesmo, era ter uma raiz firme. A citação de Szondi, de que nós repitamos o destino de nossos antepassados é especialmente marcante pra mim.

Já a influência do círculo social é um fato que parece bem mais secundário na minha formação. Nunca tive dificuldades em largar os amigos exigiam o enviesamento das ideias por aceitação grupal. Sempre tive facilidade em mandar os outros pastarem. No entanto, como as pessoas são mal formadas o Brasil, o círculo imediato é pobre e opressor. Nos últimos tempos, tirando uns dois ou três amigos, o resto era uma espécie de corredor polonês cognitivo. Era impossível qualquer conversa que não terminasse em obviedades, fuga do mal – esse é o mal final do brasileiro, refúgios de bom mocismo, etc. Me incomodava muito como as pessoas se importavam com a imagem que os outros tinham delas. Nas eleições isso foi até interessante. Quase todo mundo acabou se revelando uma coisa outra, mas sempre buscando a aceitação grupal. Já as pessoas que não faziam parte do meu círculo social propriamente dito, como vizinhos, pedestres e pessoas aleatórias eram insuportáveis. Nada me fazia gostar delas, tudo era terrível. Da aparência ao gosto musical.

O ensino de filosofia, ao contrário de outras disciplinas, envolve muito mais o fazer do que o assimilar as obras de outros autores. É preciso fazer o fortalecimento da consciência para que se possa tornar-se um filósofo. O necrológio é o princípio do ensino de filosofia porque ele ensina onde buscar essa consciência.

Uma ideia central é a da testemunha solitária. Existem coisas que só você viu. São fatos, independem de provas ou arbítrios. Mesmo em ciências, a repetibilidade dos experimentos nada mais é do que refazer tudo perante uma testemunha solitária, porque, no final das contas, todo observador é uma testemunha solitária. Eis a importância de nos tornarmos testemunhas fidedignas, porque é de nossas descrições dos fatos que passaremos a fazer filosofia. Isso é meio óbvio se lembrarmos que raciocinamos por conceitos e não por objetos. A testemunha fidedigna é fundamental para que os conceitos sejam criados com precisão.

As questões da filosofia vêm dos elementos culturais já consolidados da sociedade. Elas nos chegam como experiências, crenças, situações. Essas questões precisam ser formuladas adequadamente e a linguagem do homem comum é inapropriada, é preciso transcrever as situações numa linguagem precisa. Essa é uma questão preliminar no estudo filosófico.

Esse processo se dá pela percepção, retenção na memória, produção da imagem estabilizada e a extração de um conceito verbal. Recordar é a produção de uma imagem, você a cria baseado numa experiência que já teve. Retemos mais facilmente imagens de objetos que já vimos alguma representação. Isso adiciona um elemento cultural no processo. Ou seja, a cultura é um facilitador no processo cognitivo, mas ela também pode contaminar a percepção dos fenômenos. É crucial se aprenda a lidar com essas interpretações culturais, e isso é feito através do refinamento da linguagem e da descrição precisa da experiência direta. Neste sentido entra a literatura e a alta cultura, porque elas fornecem elementos que já foram refinados por grandes autores. A formação da alta cultura literária é parte fundamental do aprendizado de filosofia.

No Brasil, esses elementos culturais são extremamente precários porque os grandes romancistas acabaram. Não existe retrato fiel da sociedade brasileira nos últimos 40 anos. Isso cria uma dificuldade porque não temos disponíveis material cultural suficiente para processarmos certas situações peculiares da vida brasileira. Os símbolos que circulam são apenas chavões e figuras de mídia. Quando esse curso foi dado, há quase 10 anos, nós não estávamos nem perto do que se tornaria a mídia, um verdadeiro esgoto ideológico. E é isso que circula e molda a mentalidade brasileira atual. A solução, na falta de ficcionistas, é o aluno habituar-se a fazer esses retratos mentais da melhor maneira possível. Acho que isso talvez seja uma boa missão para O Incursor, criar um canal no qual se faça a descrição, até quem sabe obras de ficção.

Como a literatura brasileira é pobre, há que se buscar fontes estrangeiras. Entretanto, é necessário cautela para não fazer transposição de estilos de idiomas incompatíveis, como elementos de inglês para português. Quando a língua perde a sonoridade, perde a capacidade de expressão porque a experiência real de estar falando é encoberta por uma fala artificial. Também neste sentido é importante que se saiba identificar a própria voz, coisa que a maior parte das pessoas é incapaz, e isso impossibilita uma expressão verdadeira dos seus sentimentos. Com isso as pessoas se tornam falsas, nem tanto por querer, mas por não ter meios reais de expressão.

Uma crença moderna é que é objetivo aquilo que pode ser confirmado por todo mundo ao mesmo tempo, mas isso é apenas um recorte esquemático que representa uma verdade e, portanto, é, na verdade, subjetivo. Assim como a lógica não lida com a realidade, mas apenas com a possibilidade. A lógica é uma ferramenta para processamento das informações percebidas mas não como um método de averiguação de realidade.

Aula 03 (04-04-2009) – 15-12-2018, Perugia

A forma final da personalidade é o que servirá de guia moral no julgamento dos seus próprios atos. Regras morais são genéricas e abstratas enquanto a sua aplicação é particular e concreta, por isso é necessário ter uma base pela qual se possa julgar. O julgamento dos atos depende do seu enquadramento dentro de um sistema de valores e normas morais. A ideia é que o necrológio revele a parte superior da sua alma, e esta parte é que faça o julgamento moral dos seus atos, e não mais as partes inferiores.

Eric Voeglin chamava de fundamentalista aqueles que acreditam em frases, no seu sentido superficial, sem realmente compreender a que se referem na realidade. Como essas pessoas não conhecem o sentido real das frases, elas se tornam símbolos que precisam ser protegidos com unhas e dentes. Histérico e Analfabeto funcional parecem se combinar e formar o fundamentalista. É impossível que um fundamentalista seja capaz de fazer algum julgamento moral adequado simplesmente porque é incapaz de reconhecer as situações reais e precisa recorrer a frase prontas para descrever as coisas.

A habilidade filosófica consiste em saber articular as categorias, os termos apropriados, as perguntas cabíveis e as não cabíveis. Trata-se de saber pensar a realidade, e não somente pensar ou perceber a realidade, separadamente. Portanto se vê, obviamente, que é impossível um fundamentalista fazer filosofia, além de evidenciar, mais uma vez, a importância da formação literária. O exercício fundamental para fugir do fundamentalismo é retroagir constantemente dos pensamentos à realidade, ou seja, buscar, continuamente, a correspondência entre os seus pensamentos e a realidade.

Exercício com texto do Louis Lavelle

Témoignage (“Testemunho”) e está colocado no apêndice do livro De l’Intimité spirituelle (Da intimidade espiritual), de Louis Lavelle, 1ª edição publicada pelas Edições Aubier, no ano de 1955.

“Há na vida momentos privilegiados nos quais parece que o universo se ilumina, que nossa vida nos revela sua significação, que nós queremos o destino mesmo que nos coube, como se nós próprios o tivéssemos escolhido. Depois o universo volta a fechar-se: tornamo-nos novamente solitários e miseráveis, já não caminhamos senão tateando por um caminho obscuro onde tudo se torna obstáculo aos nossos passos. A sabedoria consiste em conservar a lembrança desses momentos fugidios, em saber fazê-los reviver, em fazer deles a trama da nossa existência cotidiana e, por assim dizer, a morada habitual do nosso espírito.”

Essa é uma experiência até que bastante comum, aquelas horas que magicamente tudo faz sentido. O problema é, como diz o próprio Lavelle, que são momentos fugidios. Quando esses momentos ocorrem, muitas vezes eles me escapam e não os gravo na memória. Muitas vezes faço esforço em relembrá-los para justificar o porquê me apeguei a certos atos que me pareciam tão claros em determinados momentos. Pra mim, esses momentos se tornam check-list mais pra frente que viram uma espécie de guia se estou no caminho certo ou não. Antes de ter um necrológio eu seguia apenas com um rumo imediato cujo objetivo era me livrar de todas as encrencas que eu havia me metido, incluído a carreira de físico. Era também preciso deixar o Brasil e os problemas dos brasileiros de camada 4 para trás, para, enfim, ter sossego. Todas essas coisas me ocorreram, na maior parte das vezes, em momentos desse tipo e a sua recordação furtiva é que fazia perder o medo e seguir adiante confiante no que estava fazendo. Esses momentos são raros, mas ocorrem quando se procura. É normal esquecer de prestar atenção nesses momentos. É fácil passar despercebido, sem tomar a importância devida.

Podemos ser divididos em dois aspectos: um é aquele do indivíduo particular, que está metido em situações particulares e concretas e outro é aquele abstrato que é o objeto do necrológio. Estamos divididos entre o ser individual concreto e o universal, daí surge a dificuldade não somente lógica, mas psicológica, existencial e cognitiva da situação. Os pontos de encontro entre as duas coisas é do que trata o texto do Lavelle.

Daí se segue para a questão fundamental: quem é você perante Deus? Perante o absoluto? Essa é uma questão que, pra mim, ainda não tem nem esboço de resposta verbalizada.

Quem faz a mediação entre o abstrato e a vivência particular é a imaginação. Mais uma vez voltamos ao tema da literatura e à ligação com o fundamentalismo. Como a imaginação é capaz de criar milhares de situações que são conflitantes do ponto de vista concreto, ela pode criar cenários que, frente a intermediação entre o abstrato e o concreto permita selecionar aqueles que são verossímeis ou não. Por isso que Leibniz diz que aquele que conhece o maior número de figurinhas será o mais inteligente, porque será capaz de criar mais cenários possíveis e, consequentemente, ter mais possibilidades de conexões entre abstrato e concreto. Aristóteles dizia que imaginação e memória são a mesma coisa, que chamava de fantasia. A memória nada mais que uma reconstrução de situações feita pela imaginação.

Olavo fala sobre o papel das circunstâncias na nossa vida e os desvios que muitas vezes terão que ser feitas para se alcançar o objetivo do necrológio. Foi por este motivo que saí do Brasil. O ambiente era tão antagônico que eu precisava me libertar dele para respirar. A história do personagem que acorda na peça errada é praticamente a minha própria história, era assim que eu me sentia naquele lugar. Eu ainda não sei se vim para o lugar certo, mas lá parece que não é. Vendo tudo de fora, agora talvez perceba que bastavam algumas mudanças locais para que a maioria dos problemas fossem desfeitos, teria sido suficiente e bem menos dispendioso. Por outro lado, teria percebido essas coisas sem me afastar? Dificilmente. Ademais, o estado de desesperança era tão grande que só saindo dali poderia me livrar daquilo.

A criação é o ato de repetir, na memória, fórmulas cada vez mais concretas e duráveis que passa por um estado de fluidez de imagens que acaba se estabilizando em algumas delas até o ponto que cria uma forma durável e fixa em palavras, imagens, etc.

Aula 04 (18-04-2009) – 16-12-2018, Perugia

O Prof. começa a aula recordando e expandindo o trecho de Louis Lavelle da aula anterior. Em seguida nos relembra, conforme a própria temática da aula anterior, da influência das circunstâncias na nossa formação, principalmente das situações corruptoras que estamos sujeitos. Parece que a pressão do meio social, seja da sociedade como um todo, como da família e dos amigos pareça ser uma das mais perigosas influências. Realmente, olhando o estado de coisas de quando deixei o Brasil, não tem como não chegar nessa conclusão.

Mas as pressões sociais não são apenas as impostas pelo convívio com outras pessoas, mas também os próprios mecanismos que organizam a sociedade. Pesam sobre todos os horários e o trânsito, por exemplo. Só o mero existir no meio de uma cidade já lhe impõem uma série de compromissos e regras rígidas que, se não cumpridos, podem arruinar a sua vida. A vida moderna é uma vida sob constante pressão.

Esse antagonismo entre o cidadão e a sociedade é peculiar da modernidade. Enquanto o indivíduo tenta agrupar a sua personalidade, as demandas da sociedade e demolem. O parágrafo de Louis Lavelle é justamente um produto da modernidade. A organização da sociedade medieval não impunha este tipo de situação. Hoje, é comum pessoas isoladas em grandes cidades. O gênero do romance também surge daí, e é uma batalha entre o indivíduo e a sociedade. No meio disso tudo, o que vale, ao pretenso filósofo, é a sua luta de preservação do seu próprio ser, que não se venda às pressões externas e lute pela sua unidade. A principal força que atua contra nós é o nosso próprio instinto de servir à sociedade, o medo do ostracismo. Este é o impulso que precisa ser combatido.

O coeficiente de ignorância é a quantidade de aspectos de uma determinada coisa que você não sabe, ou porque desconhece, ou porque a própria estrutura da realidade o impede de conhecer. Fazer uma lista de todos os aspectos que desconhece de um determinado problema é começar a estudá-lo. Ver http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/intver.htm

Alienação é a recusa da estrutura da realidade, quando o indivíduo passa a viver num mundo de sua própria criação, que pode ser uma invenção coletiva do seu grupo. A estrutura da realidade não pode ser conhecida no seu todo, justamente pela questão levantada acima sobre o coeficiente de conhecimento que se pode ter dela.

Aula 05 (25-04-2009) – 17-12-2018, Perugia

Mais uma vez, voltamos ao tema da formação literária e sua importância. O Prof. começa com uma citação de Benedetto Croce: “O pressuposto da atividade lógica são as representações ou intuições. Se o homem não representasse coisa alguma, não pensaria. Se não fosse espírito fantástico, não seria também espírito lógico”.

Ou seja, como as relaçoes lógicas entre objetos são meramente abstratas, elas em si próprias nada significam. Por exemplo, de uma relação do tipo “A≠B” apenas se pode inferir que A é diferente de B, mas o que significa “A” na realidade e o que significa “B”. Por que um é diferente do outro? Quem responde a essas perguntas, claramente, não é a lógica. Para isso, devemos tomar os signos “A” e “B” pelo que eles representam no mundo real. Por exemplo, Se “A” é um elefante e “B” é uma borboleta, então é óbvio que “elefante ≠ borboleta”. Por outro lado, tanto “A” quanto “B” podem se referir a elefantes. Se “A≠B”, então não podem se referir ao mesmo elefante, e assim por diante. É realmente verdade que elefantes são diferentes de borboletas, e o que a lógica pode fazer é obter relações entre elefantes, borboletas e outras coisas que sejam igualmente verdadeiras. Mas as relações é que são verdadeiras, neste caso. Se a representação dos signos será ou não, dependerá de como eles foram construídos, e eles só podem ser construídos através do uso da linguagem. Ou seja, a lógica é a articulação da possibilidade. Conforme vimos na aula passada, essa representação precisa ser a mais fidedigna possível para que ela possa representar algo de fato.

Quando se interpreta uma obra de filosofia, é necessário que o leitor recupere as experiências originárias daquilo que está sendo exposto. Essa recriação não precisa depender apenas da experiência direta do leitor, mas também de experiências análogas que ele encontrou nas obras literárias. Voltamos a Leibniz, mais uma vez. Aquele que viu mais figurinhas consegue criar o maior número de cenários, e, portanto, estará mais apto a compreender obras de filosofia.

A linguagem da filosofia é uma articulação de juízos e conceitos possíveis raiz no mundo nos fatos. Sem essa raiz, você só pode admitir que aquilo seja possível, ou seja, no máximo obtém uma certeza de ordem lógica. Por isso é preciso sondar o substrato de realidade que há por baixo de uma obra filosófica. Se o que está expresso nela é realmente possível ou não, somente poderá ser descoberto após esse substrato ser reconstruído. Muitas vezes, o filósofo usa essa linguagem para esconder os fatos que estão por trás da sua filosofia, numa tentativa de dominação psicológica. O Prof. esmiúça Descartes para mostrar um exemplo de como isso acontece.

A própria ciência moderna é uma camuflagem. Os seus fundadores eram todos alquimistas, magos, ocultistas, gnósticos. Essa ideia de transpor a realidade a um recorte de relações entre quantidades está, na verdade, camuflando essas ideias iniciais que estavam por trás delas.

Todas essas camuflagens podem ser desfeitas a partir do momento em que se transforma a filosofia numa narrativa com personagens, tentando traçar o que realmente sucedeu quando o filósofo concebeu aquela filosofia. E isso só pode ser feito com treinamento literário.

A memória e a imaginação dão forma as coisas que são captadas pelos sentidos, a imaginação os agrupa e torna-os uma forma repetível. Essa forma pode ser repetida, elaborada, misturada com outras, etc. As formas do que está se passando só são reconhecidas por analogias com formas já consolidadas na memória. Analogia é um jogo de semelhanças e diferenças, e é discernindo-as que se reconhece o que há de novo na situação que se apresenta. As situações do mundo real são interpretadas em vista do que já foi visto, por exemplo, na literatura, cinema, teatro, e aquilo que não possui um paralelo pre-existente não é inteligível.

Alienação é a ação cognitivamente irresponsável. É a ação desarraigada da situação existencial real.

Aula 06 (03-05-2009) – 18-12-2018, Perugia

Aula especial sobre Eric Voeglin. O método sociológico de Voeglin consiste na análise de “documentos auto-expressivos”, que são aqueles escritos em linguagem teorética. Com isso, ele obtém uma leitura explícita que os próprios autores, americanos, no caso do seu trabalho inicial, têm da sociedade americana e, com isso, revelando os pontos de confluência de diversos agentes históricos, reconstrói o que seria a mentalidade americana.

Voeglin também estuda o conceito de raça, do qual conclui que para que hajam ideologias racistas é necessário o conceito biológico de raça, que é inexistente. O racismo, no sentido moderno, que classifica as pessoas por características anatômicas é um conceito moderno, inconcebível até o século XVIII, quando a palavra raça era usada em sentido cultural. Portanto, os movimentos racistas nada mais faziam que forjar a sua identidade grupal através de um conceito inexistente. Ao final, Voeglin dizia que “o seu discurso sobre a raça alheia não diz nada sobre aquela raça e nem sobre a sua, mas sobre o seu grupo ideológico”.

Civilizações cosmológicas são aquelas que acreditavam, ou eram guiadas pelo princípio, que os acontecimentos da sociedade eram guiadas ou faziam parte de uma ordem cósmica, ou seja, a integração total entre as civilizações e o cosmos. A ordem cósmica e a civilização são uma só coisa. Uma é a outra. Como a sociedade é o cosmos, não pode haver nada fora da sociedade, pois estaria fora do próprio cosmos. Portanto, as civilizações cosmológicas eram incompatíveis entre si, sendo que uma enxergava a outra como sendo o caos, ou a parte não ordenada do cosmos, a destruição.

A partir da revelação hebraica, surge a verdade transcendente, supra-cósmica. Trata-se da ordem divina, acima da ordem cósmica, que não se realiza numa ordem social mas que é revelada a alguns indivíduos que não ordenam a sociedade diretamente mas, antes, a sua própria alma e a sua própria vida. A revelação impunha ao indivíduo obrigação de agir segundo o que havia sido revelado. Penso que aí está também, boa parte do que o Prof. tem sido enfático neste curso. Vendo por esse lado, a obrigação moral de agir de acordo com o conhecimento é análogo à revelação, com a diferença de que a revelação é Deus próprio agindo e o conhecimento depende do esforço humano. Mas é cada um obedecendo a realidade de acordo com esta se revela.

As civilizações cosmológicas atingiram um elevado grau de refinamento das relações entre sociedade e cosmos, como a imensa rede de interpretações de sinais cósmicos que eles tinham. Não é possível que tenham durado cinco mil anos na base do erro e da ilusão. A maior parte desses conhecimentos foi descartada ou tratada como subcultura no ambiente cristão, sob a forma de ocultismo, esoterismo, etc. Só recentemente surgiu a tentativa de tentar interpretar essas ciências nos próprios termos, mas é uma ciência tão diferente que não os meios linguísticos adequados para sua compreensão, que precisam ser criados acompanhado do seu desenvolvimento.

“O filósofo é o sujeito que tenta, por seus próprios meios cognitivos, descobrir algo da ordem divina”. Diz Eric Voeglin: “a razão é a simples tendência da inteligência humana em direção ao fundamento.” Ou seja, a razão é a faculdade de ordenamento baseado na ordem transcendental. Só se pode raciocinar logicamente se se aceitar que exista um fundamento transcendente.

Os habitantes das civilizações cosmológicas acreditavam viver perfeitamente no meio da ordem, que era a pró´ria civilização. Os elementos de desordem tinham que ser explicados como parte intrínseca da própria ordem, e daí que os deuses dessas civilizações eram meio deuses e meio demônios. Com o ‘mergulho no ser’, ou seja o movimento ocorrido na revelação hebraica e na filosofia grega, sempre se está na fronteira entre a ordem e a desordem.

A mecânica newtoniana trouxe de volta a visão cosmológica do universo, na qual tudo pode ser medido quantificado, etc. A mecânica quântica rompeu novamente com essa visão, nos trazendo novamente à fronteira entre a ordem e a desordem. Já os estudos recentes sobre o caos mostram que não há nem ordem nem caos, mas apenas uma tensão constante entre as duas coisas.

Os dois ‘saltos no ser’, o hebraico e o grego, se fundem no cristianismo, ou seja, não é mais a comunidade que sofre essa tensão, mas é cada indivíduo perante Deus. É isso que marca o nível cognitivo superior da civilização ocidental. Acontece que essa visão é problemática em si, pois vive-se na incerteza permanente na qual a única garantia era a fidelidade a uma revelação que é passada de geração em geração. Essa é uma vivência enervante demais para muitas pessoas. As heresias eram elementos novos que surgiam de dentro do cristianismo, mas que tinham, em parte, elementos do legado cosmológico anterior. Dentre eles, o principal é o gnosticismo. O gnosticismo é a experiência da desordem.

Dentro do cristianismo, surgiu então a corrente dos que esperavam pela iminente volta do Cristo. Acontece que essa volta, para a humanidade como um todo, nunca se deu. Santo Agostinho já havia advertido que a volta do Cristo era iminente no plano individual, isto é, todos podemos morrer a qualquer momento, e, dali, iremos diretamente ao juízo final. O ‘salto no ser’ cria a ideia de tratar Humanidade como um ser humano, porque a alma do profeta, aquele que recebeu a revelação, é o modelo de comunidade. Se antes a comunidade era o cosmos, agora é o indivíduo. Basta um desajuste de foco para que se trate a história humana como se fosse a biografia de um indivíduo, com um começo, um meio e um fim. Santo Agostinho dizia que há duas histórias: uma terrestre, que não vai a parte alguma e a história da salvação que culmina no Juízo Final. A história da igreja também tem duas partes, e a história espiritual tem um fim na eternidade, fora da dimensão do tempo. O Juízo Final não é um acontecimento histórico, mas algo que acontece depois que terminou a história. Entretanto, a confusão continuou, e então o fim da história era esperado como sendo a realização da justiça na terra.

Como a segunda vinda do Cristo não acontecia, junto com a visão de desordem e decadência de dentro da Igreja, surgem os movimentos messiânicos destinados a corrigir o mundo à luz da fé cristã e impor o reino da justiça a ferro e fogo, que atrairia a volta do Cristo. A linha messiânica deu origem à Reforma Protestante e desemboca nos movimentos de massa modernos. Calvino cria a estrutura organizacional dos movimentos de massa, propaganda, passeatas, manifestações e também inventa a noção de estado totalitário, que surge nas confissões públicas e fiscalização dos pecados. Essa linha não tem nada a ver com gnosticismo.

Segundo Eric Voeglin, os movimentos gnósticos se transformaram em movimentos revolucionários de massa, mas, para o Prof. Olavo, esses movimentos têm origens messiânicas. As ideias gnósticas foram incorporadas nos movimentos messiânicos conforme eles foram perdendo a substância cristã. Na França do século XVIII, era quase impossível estabelecer uma fronteira entre os movimentos políticos revolucionários e os movimentos ocultistas e sociedades secretas. Nas sociedades ocultistas se preservava um resíduo de doutrinas gnósticas e pagãs que se incorporou aos movimentos de massa. Sobre este período, não existe a documentação que o método do Voegelin exige.

A obra de Voegelin é aberta, e uma das questões que ele deixou é como os movimentos messiânicos foram incorporando elementos gnósticos até se tornarem anti-cristãos.

Como muitas dessas coisas aconteceram dentro de sociedades secretas, não há textos auto-expressivos disponíveis.

Segundo Voegelin, o patamar de consciência elevado criado pelo ‘salto no ser’ se deve a ter escapado da prisão do mundo cosmológico e descobre a existência histórica diante de Deus. Essa tensão em história e eternidade expressa muito mais a realidade da vida humana do que o fechamento dentro de um cosmo mágico das civilizações antigas. Quando se descobre a existência histórica, a civilização cosmológica passa a ser um inferno porque ela é fechada e você está a mercê dos demônios. Embora a experiência histórica diante da eternidade seja feita de incertezas, existe a fé e a esperança mediadas pela caridade que são a nova chave da existência. Um dos fatores que levou à eclosão dos movimentos de massa foi a incapacidade da Igreja de criar uma filosofia da história que estivesse à altura da existência histórica perante Deus.

O Prof. Olavo comenta sobre o Islam, que também é uma religião histórica na qual a revelação é progressiva. O componente totalitário do Islam é a absorção da componente cosmológica.

Outra observação do Prof. é que a obra de Voegelin leva em conta a transcendência, mas não Deus como agente histórico, não a ação de Deus na própria história.

Voegelin chama de fé metastática a crença de que, num estalo, o mundo se transformará e será o reino da justiça e é característico dos movimentos ideológicos de massa, que é uma espécie de loucura porque vai contra a estrutura da realidade. O Prof. acrescenta que uma transfiguração da ordem da realidade por meio da fé é impossível, mas e por Deus? Este ponto não é levantado por Voegelin. O seu método não permite a inclusão de Deus na história por causa do seu recorte metodológico. A obra de Voegelin tem essa limitação porque ela é definida pelo mundo da ciência moderna, de onde os milagres são excluídos.

Os pontos da obra de Voegelin que precisam ser esclarecidos são:

  1. Primeiro: — Como os movimentos revolucionários messiânicos se infundiram de gnosticismo ao ponto de tornarem-se radicalmente anti-cristãos, quando tinham uma origem cristã?]
  2. Segundo problema: — Se a civilização ocidental tem uma superioridade cognitiva em relação às outras por ter descoberto e incorporado em si a idéia da existência histórica perante Deus, ela pode ser superada pela civilização islâmica que é exatamente isto e em nível muito mais explícito e muito mais autoconsciente, sendo que ela tem uma filosofia, existe uma filosofia islâmica da história pronta desde o tempo da revelação de Maomé, e não existe uma filosofia cristã da História até hoje.
  3. Terceiro ponto: — As perguntas levantadas por Eric Voegelin não têm resposta dentro do plano, do campo de observação, que ele escolheu, porque esse campo é exclusivamente dahistória humana e exclui a ação divina

Aula 07 (16-05-2009) – 21-12-2018, Perugia

Virtual é tudo aquilo que existe em potência, sem se efetivar. Quase todas as relações que temos com o mundo são virtuais, porque pouquíssimas nos estão presentes fisicamente. As pessoas que conhecemos sabemos como são e atribuímos a elas uma identidade baseado em impressões que são apenas representações parciais delas e que se conservam em nossa memória. Nossas relações com objetos também são assim. Se saio de casa e volto depois de uma hora, é porque na minha memória atribuí que ali era minha casa, mas, fisicamente, não haveria nada que lhe atribuísse tal valor. Eu reconheço a casa como minha, assim como meus vizinhos, o governo, etc. Na ausência de todas essas relações, estaríamos presos somente ao que é fisicamente sensível, sendo assim, nosso mundo seria drasticamente reduzido somente a impressões imediatas. O homem vive dentro de um círculo de símbolos, expectativas e virtualidades. O passado, tanto o nosso próprio quanto a história, também são virtuais porque são representados apenas pela memória ou narrativas, relatos, etc. As conseqüências de atos passados também são virtuais. Portanto, quando identificamos o real com o fisicamente presente, estamos cometendo um erro pueril.

Ao passo em que vamos crescendo, no sentido físico mesmo, novas situações virtuais vão surgindo, com complexidade cada vez maior, de modo que a nossa linguagem, entendida como o conjunto não somente do idioma, mas também de símbolos, gestos e tudo o mais, deveria se desenvolver e adequar-se a essas novas situações, caso contrário estaremos nos referindo a situações complexas com linguagem infantil. Esse é o caso do Brasil, definitivamente. Uma das funções da educação é justamente suprir essa deficiência. Pessoas que falham nesse desenvolvimento vão viver em dois andares, um das experiências reais e outro daquele que elas são capazes de refletir e pôr em palavras.

No meio deste descompasso, as pessoas consideradas em si mesmas (cabe a observação: pessoas consideradas em si mesmas é a expressão que o Prof. Olavo usa na aula. Ele está se referindo à pessoa que está pensado pensar sobre ela mesma ou estar pensando em terceiros? No segundo caso, parece que a tendência é a da fofoca, coisa que é praticamente uma monomania brasileira) são muito mais interessantes do que o que elas são capazes de dizer de si próprias. Como a linguagem e o meio de dizer são deficientes, a pessoa se banaliza. Com isso, ocorre uma diminuição da riqueza da experiência que acaba criando uma auto-imagem super-simplificada que não corresponde ao que um observador melhor qualificado teria. (Obs 1: parece que o significado de pessoas consideradas em si mesmas é o primeiro. Obs 2: essa é a regra no Brasil e, pelo que percebi, leva aos sintomas de esquizofrenia paranoide do livro do Szondi). Podemos ainda voltar àquela aula em que o Prof. discorre sobre o papel da cultura na nossa apreensão da realidade, e como esses elementos ajudam a simplificar e interpretar os dados da realidade com maior facilidade, mas que pode também levar a distorções se essa cultura não for adequada. Aqui isso é fatal. Se o sujeito não se livrar de uma cultura completamente precária, ele está no mato sem cachorro. A infantilização constante que tem ocorrido, com certeza é um fator predominante nisso e é um bicho autofágico.

O próximo exercício é o de tentar imitar os escritores consagrados, pois são eles que dominaram o uso da linguagem para expressar as situações humanas. Com a leitura dos clássicos, poderemos ter estruturas que poderemos usar para expressar corretamente nossas próprias experiências.

Desde o modernismo, a cultura brasileira adotou como norma apenas a presença física imediata, e todo este mundo virtual foi delegado a um segundo plano. Isso veio da ideia de que o ser humano é menor que as circunstâncias, e daí a total impotência da cultura brasileira atual. O sensualismo imediatista brasileiro vem daí.

O Prof. passa o exercício de fazer uma bibliografia. Vou fazer uma para o estudo de psicologia.

Aula 08 (23-05-2009) – 22-12-2018, Perugia

A formação filosófica é composta por blocos, e o primeiro deles é o “adestramento do imaginário”, que é feito através do contato com a alta literatura, conforme tem sido tema das últimas aulas. Com isso, podemos nos identificar com pessoas que são diferentes de nós, mas que têm algum ponto de contato, pois, se conseguimos colocar-nos nas posições dos personagens, é porque algo de comum temos com eles, apesar de todas as diferenças. A prática da literatura nos permite criar esses personagens imaginários das obras. Neste sentido, a literatura é um “sonho acordado dirigido”. O imaginário desenvolve o sonho que é pautado pela narrativa.

Isso também é importante na convivência humana, porque é através da imaginação que podemos nos colocar no lugar dos outros e imaginar pelo que estão passando. Não há como amar ao próximo sem fazer isso. Amar ao próximo significa compreendê-lo como ele mesmo se compreende. É o caminho do abstrato para o particular, que foi trabalhado nas primeiras aulas (terceira, se não me engano). Essa arte de compreender pessoas depende da amplitude do seu imaginário.

O adestramento do imaginário pode prosseguir no estudo aprofundado da psicologia, entendida como elemento auxiliar da compreensão dos seres humanos reais.

O segundo bloco é o enriquecimento e o adestramento da compreensão e uso da linguagem que corresponde a ser capaz de encontrar, por baixo de termos abstratos e genéricos, a experiência concreta.

O terceiro bloco é o seu objetivo de vida, aquilo que foi discutido no necrológio.

A auto-imagem é uma armadilha na qual você se julgará de acordo com aquele padrão imaginário que você concebeu.

Não somos a nossa biografia, somos a nossa consciência. E ela está tentando tornar-se algo como os recursos internos e externos que a vida lhe deu. Se a consciência só existe nessa luta, ela não tem forma determinada, e, portanto, não pode haver auto-imagem. A consciência não pode descrever a si mesma, nem mesmo através das qualidades que se auto-atribui, porque são todos elementos que estão em constante transmutação. Quando a auto-imagem se dissolve e resta apenas esse núcleo de consciência, não nos preocupamos mais consigo mesmos, mas apenas com o nosso dever. Saímos da auto-contemplação para a auto-criação permanente. É nessa hora que começa o auto-conhecimento.

Entendo que um dos problemas não só do Brasil, mas do ocidente como um todo, é que, com a perda da referência transcendental da consciência, que no fundo é disso que o Prof. Olavo está falando, o sujeito necessariamente precisa se apegar a algo, e esse algo é a sua auto-imagem. Quando uma pessoa tem um objetivo de vida, geralmente é uma projeção de auto-imagem de executivo, de atriz, etc. Também existem aqueles que, mediante o medo da vida após a morte, atribuem a si próprios uma imagem de pureza religiosa, onde qualquer um que mostre os vestígios da sua farsa mental é brutalmente repudiado, o que comprova a farsa e, por isso mesmo, cria um estado de neurose cada vez mais agravado que culmina no quadro, que já citei, dos sintomas de esquizofrenia paranoide do Szondi.

O quarto bloco é o que diz respeito a aquisição de ferramentas de investigação. Esse é o que a universidade passa mais perto, mas, também, patologicamente deficiente. Em linhas gerais, o método investigativo consiste em articular, como se fosse uma única teoria, todo o conhecimento já existente sobre determinado assunto. No começo da aula, O Prof. havia comentado, mas não anotei aqui, que até mesmo os livros mais imbecis são importantes para a investigação, pois eles permitem traçar as ideias idiotas que poderíamos ter pelo caminho, e que não devemos nos preocupar com a sua refutação, porque vai acontecer naturalmente no curso do estudo da bibliografia e vai nos servir de depósito de ideias idiotas que outras pessoas podem ter. Elas fazem parte do confronto dialético da busca do conhecimento.

No topo desses quatro blocos é que vem a técnica filosófica, que é a síntese dos eforços desenvolvidos ao longo dos milênios para elucidar algum problema.

Aula 09 (06-06-2009) – 23-12-2018, Perugia

O Prof. relembrando a importância de se fazer uma bibliografia para ganhar um panorama amplo do assunto de interesse. Aconselha a escolher os livros por tema, e não por sucessão histórica ou outro critério. Essa visão abrangente pode ser motivada por duas razões: a de se tornar um observador externo, que tudo compreende (“a suprema beatitude do conhecimento”) ou, além de ser um observador, também um agente capaz de modificar os fatos. Tudo isso é muito bonito, mas é uma falácia porque, por mais informado que se esteja, ainda se está abaixo da realidade, do observador onisciente, Deus.

Na cultura ocidental, tem crescido a tendência ao “eu” observador que está acima do fluxo dos acontecimentos. O Prof. havia citado Descartes como exemplo e reconhece que este é um tipo auto-divinização, que fica evidente conforme o parágrafo acima. Mas também não é possível fazer filosofia sem se elevar um pouco acima do fluxo dos acontecimentos, mas há uma medida correta de se fazer isso.

A recusa da realidade, da condição humana, dos seus sofrimentos e misérias é uma característica importante do gnosticismo. “O gnóstico é um sujeito que não está aguentando o mundo, então ele finge que está acima do mundo”. Essa postura de estar acima da realidade, como observador, é, então, notadamente gnóstica.

O princípio da ética intelectual é: cave onde você está. Use as suas próprias circunstâncias, motivações, meios, misérias para despertar o seu interesse intelectual. Daqui vem o exemplo de Santo Agostinho, as confissões nada mais são do que ‘cavar onde se está’. A confissão, no fim das contas, é um mergulho na realidade, aquela testemunhada por quem confessa, diretamente, sem intermediários. Esse é verdadeiro conhecimento objetivo. Sem esse pé na realidade, a vida intelectual vira um teatro mental. O Prof. fala mais uma vez (talvez não tenha anotado antes, deve estar na parte do sonho acordado dirigido) sobre a importância do teatro mental, na incorporação dos personagens como se fosse você mesmo, a fim de encontrar os pontos de convergência, sentimentos análogos, que estão sendo descritas na obra de ficção. A diferença fundamental entre uma coisa e outra é que no primeiro caso se esqueceu que é um teatro. No segundo, como é deliberado, ao acabar da peça você larga do personagem e pronto. O primeiro caso a coisa vira alienação num primeiro momento, e loucura mais adiante.

A impossibilidade do conhecimento pleno, que seria a ambição da beatitude do conhecimento, é mais um fato da realidade negado pela cultura intelectual moderna. Formalmente, quase todos os intelectuais admitem esta limitação, ao mesmo tempo em que creem que é uma questão de tempo para que ela seja eliminada. Mas o conhecimento total, infinito, pode ser dado a uma criatura finita? A resposta, obviamente, é não. Essa limitação é intrínseca da estrutura da realidade, não há como vencê-la, mas, cave onde você está, o que significa que certos mistérios podem se abrir um pouco, dos quais se pode tirar proveito. O importante é encontrar um meio de se conviver com o mistério que lhe permita ter uma reação adequada ao próprio mistério e obter o “coeficiente de luminosidade” adequado para agir, pensar e decidir responsavelmente.

Também é fundamental a noção de gradação dos conhecimentos, você sabe aquilo com: certeza imediata e evidência, alto grau de probabilidade, verossimilhança ou só como especulação de possibilidade. Coisa que sempre acontecia no Brasil era dar uma coisa como possibilidade e imediatamente todos começarem a tratar aquilo como certeza imediata. Isso era tão profundamente irritante e gerava tanto problema que adquiri o hábito de tratar tudo por possibilidades distantes, assim as pessoas inflariam tudo a, no máximo, um alto grau de probabilidade. Nunca funcionava, e além de não funcionar, me adicionou uma insegurança absurda nos meus próprios testemunhos, porque eu mesmo não sabia mais graduar nada, descalibrou a minha escala. Além do mais, as pessoas julgavam tudo ou como verdade incontestável ou como plenamente falso de acordo com aquilo que ela estava inclinada a aceitar, de modo que a gradação dos fatos era simplesmente impossível, e aí ninguém mais entendia nada de nada. Era impossível contar planos de vida. Por exemplo, se você dizia ‘olha, vi hoje um anúncio de um cara vendendo uma oficina, parece um bom negócio”, já se espalhava “ele está abrindo uma oficina”, e lá vinham as tias especularem do meu novo empreendimento. Fico feliz que isso tenha acabado. Ontem, vi um vídeo do Jordan Peterson dizendo que você deve se afastar das pessoas que não desejam o seu bem, mesmo que seja sua família. Neste caso, era preciso me afastar não porque as pessoas quisessem ou meu mal, mas porque aquilo era, literalmente, um hospício a céu aberto. Realmente, é um grande alívio psicológico e cognitivo.

Aula 10 (13-06-2018) – 24-12-2018

O Prof. começa dizendo que não existe mais uma casta intelectual capaz de julgar os trabalhos dos escritores, filósofos, cientistas, etc. No Brasil. Esse espaço foi ocupado pela estratégia gramsciana, que encheu as universidades de militantes que fazem um simulacro dessa casta intelectual. A função dessa classe letrada é agir como uma espécie de filtro que separa o que faz sentido do que não faz, criando uma espécie de senso comum superior da sociedade. Essa classe impostora se apresenta a quem chega e ao público geral como autoridade, então a opinião desse grupo de ignorantes funciona para a sociedade brasileira, como a expressão da cultura superior. O Prof. fala que os professores mais jovens são analfabetos, e eu atesto porque vi. O Prof. agora disseca o Vladmir Safatle.

Aqui novamente, é preciso frisar a importância dos agentes históricos numa discussão. Pergunte quem são os agentes históricos reais, e não os entes abstratos, que cometeram as ações e pegará o charlatão.

Agora começa o exercício de leitura lenta. A ideia é pegar um bom livro de filosofia, ler duas ou três frases por dia e meditá-las. Vou usar o “Aristóteles em nova perspectiva”. Meditação é o confronto aprofundado com o que está sendo dito, buscando a experiência interior que o autor está falando. O Professor usa o seguinte parágrafo, do livro “A Presença Total”, de Louis Lavelle, como exemplo:

“Há uma experiência inicial que está implícita em todas as outras e que dá a cada uma delas a sua gravidade e a sua profundidade. É a experiência da presença do ser. Reconhecer essa presença é reconhecer no mesmo ato a participação do eu no ser”.

O ser é tudo quanto existe. Então o Prof. propõe o exercício de tentar se imaginar na ausência completa de todas as coisas, o que, evidentemente, é impossível. Sempre sobra algo. Já fiz esse exercício algumas vezes. A ideia é tentar pensar como o autor pensou, vivenciar o que se passou para que ele escrevesse o parágrafo. Não é para concordar ou discordar, é apenas para buscar a experiência originária. Após tentar suprimir o ser, podemos tentar sentir a sua presença, e o Prof. sugere o exercício do Narciso Irala, que consiste em fechar os olhos, relaxar e perceber conscientemente todos os sons do ambiente. Há muito mais sons do que conscientemente se percebia, mas não pode-se afirmar que você não percebia, mas, principalmente, que não estava pensando neles porque a sua mente estava focada em outra coisa. Depois o Prof. sugere um segundo exercício, de construção mental. No entanto, quando a atividade construtiva da mente começa a se exercer prematuramente, antes de se ter desenvolvido a consciência da percepção, troca-se a realidade pelo mundo das ideias, como o Vladimir Safatle e os professores da USP.

Um ponto fundamental do exercício de percepção é que não se percebe somente os sons, mas as fontes. Todo ruído tem uma fonte originária, portanto, estamos notando presenças e não simplesmente ruídos. Adquirir essa experiência é fundamental para evitar a alienação, ou seja, viver num mundo paralelo criado por si próprio. Nesse sentido, a viagem tem sido extremamente interessante, porque ela nos desliga de todas aquelas coisas que já estávamos acostumados. As pontes, os caminhos, os ruídos das coisas, cheiros, sabores, etc. Como aqui tudo é uma experiência nova, é muito fácil fincar os pés no chão. Outro dia, observando um pilar, supostamente erguido em 1400 e pouco, fiquei pensando como aquele pilar lá já estava há tempo tempo, eu nunca imaginei que ele existisse, porque estava a 10000 km de distância, e agora estava ao seu lado. Do mesmo modo, as coisas que deixei para trás continuam existindo. Isso acaba dando um certo reconforto porque te desonera da responsabilidade da existência das coisas. Elas vão continuar existindo, queira você ou não, e existem inúmeras outras coisas por este mundo. Para algumas pessoas, talvez, esse pensamento possa parecer esmagador, mas para mim foi libertador.

Esse comentário que fiz acima exemplifica muito bem o que o Prof. quer dizer que sentir a presença do ser cria-se o senso de continuidade. A nossa mente tende a picotar as coisas, muitos fatos se passam entre um acontecimento e outro de nossas vidas, e esse senso do ser preenche esses passos porque, na realidade, era isso mesmo. Nossa história não passa de alguns pontos do ser que, quando nos damos ao trabalho de perceber, complementam a nossa história.

Essa questão de continuidade parece ser chave para compreender a mentalidade dos reencarnacionistas. Ainda não sei formular o que ocorre, mas essa ideia me pipoca agora.

Depois de todas esse exercício, podemos, enfim, compreender o que esta frase do livro queria dizer. Parece um exercício difícil de fazer sozinho, principalmente porque sempre parece que falta símbolos para dar a partida. E, sinceramente, não sei se tem como ler a introdução assim.

O Prof. comenta sobre aprender línguas traduzindo livros dessa maneira. Parece bom mas leva muito tempo, coisa que me falta ultimamente. Tá certo que eu estou correndo feito um louco pra tirar o atraso do curso, mas agora é impensável.

O objetivo desse tipo de leitura é a “intercomunicação de consciências”. Com o tempo, vai se fazendo essa leitura cada vez mais rapidamente, de modo que passa a ser o modo corriqueiro de leitura, e é o modo correto de se fazer.

“Latência é o que está presente, que você sabe que está presente sem que você o perceba com os cinco sentidos”.

Aula 11 (20-06-2009), 25-12-2018 – Perugia

Essa aula é sobre o nosso posicionamento dentro do caos da sociedade brasileira, e como vamos ter que lutar para criar uma nova situação a parte da decomposição geral e da ausência de instituições legítimas.

A educação começa pelo adestramento da personalidade, das emoções, das reações básicas, dos valores etc., que é essencialmente obtida domesticamente. Não há como supri adequadamente o papel da família nessa etapa inicial, que é a que guia o sujeito pelo resto da sua vida. A escola pode mais tarde interferir em alguns valores ou hábitos, mas que dizem respeito à vida pública. Entretanto, cada vez mais, as crianças são entregues mais precocemente às escolas que as moldam desde cedo. Em 2009, quando o Prof. ministrou essa aula, ele dizia que o processo ainda não havia se completado, mas hoje, quase em 2019, essa tendência já parece praticamente completa, fora a degradação dentro das famílias que se acentuou drasticamente nestes 10 anos.

Já a educação formal não tem os códigos e tratamentos pessoais da educação doméstica, e quando o aluno vai para a escola recebe um código que é comum a todos, que permite que ele aja e viva dentro dessa sociedade de acordo com as regras comuns. As punições, dentro de um sistema desses, são impessoais e, por isso mesmo, menos confortáveis. Surgem as primeiras obrigações, o Prof. cita a caderneta da cantina, onde adquiriu as primeiras dívidas que tinham um prazo para serem pagas. Mas a educação intelectual exige uma compreensão e elaboração mais pessoal do mundo, que neste nível de ensino não é exigido mas até proibido. Neste sentido, basicamente todo o sentido disciplinar não é, ainda, atividade intelectual. E cabe aqui assinalar que essa foi uma das desilusões que tive na vida, quando cheguei no curso de física e tudo se resumia a fazer exercícios, exercícios e mais exercícios, sem nunca, jamais, discutir os princípios metafísicos que estavam por trás deles. Todo mundo naquele curso era macaco adestrado e, como eu não sirvo pra circo, acabou a minha inspiração. Foram 10 anos, após a desilusão, sobrevivendo a base de talento experimental puro e resignado pelo conformismo do meu destino, e também pusilanimidade em saltar fora desse circo, que cheguei onde cheguei. O que me leva a olhar para o passado com certa amargura. Se fiz o que fiz tendo como principal adversário a mim mesmo, onde poderia ter chegado sem esse impedimento? Por sorte ainda tenho mais ou menos metade da vida pela frente. Talvez dê pra consertar. Ao menos aprendi a estudar 10, 12 horas por dia. Lembro-me até quando a revolta contra minha situação, comigo mesmo, me levou a ser revoltado com o valor e as condições das bolsas. Uma das coisas que eu advogava, na época, era que o bolsista deveria ser tratado como um funcionário, demonstrar rendimento no trabalho, etc, e ter liberdade de buscar outros meios de sobrevivência para complementar a bolsa. Realmente, a situação econômica de quem estava no meio acadêmico era ruim, era desmoralizador você ser sempre o mais estudado e o mais pobre da família, da turma. E era formalmente proibido buscar outros recursos, mas todos buscávamos meios informais de complementar a renda. Acho que era até justa a minha revolta, e a questão do retorno me importunava muito, porque eu tinha consciência de que era um vampiro de impostos. Por outro lado, sempre tratava de manter minhas obrigações em dia, era, obviamente, um dever que eu tinha por ter recebido um benefício que, embora eu julgasse ruim, havia aceitado espontaneamente. No fim do doutorado eu já tinha mais a ideia de que era melhor ter largado logo do que ter jogado esse joguinho idiota. Mas o próprio meio acadêmico te impedindo de procurar a própria subsistência fora dele já é, em si mesmo, um fator de extrema alienação.

A corrupção intelectual começa justamente quando o ensino é disciplinar quando deveria ser intelectual, ou seja, o indivíduo aprende a raciocinar dentro de fórmulas socialmente aprovadas e não de acordo com os cânones do conhecimento. A imitação do conhecimento passa a ser usada como um meio de aprovação do grupo de referência. Tudo vira teatro.

No COF, o objetivo é educar-nos nessas três esferas, devido a toda essa devastação: fazer um exame retroativo da formação moral, da educação social e entrar na educação intelectual, para desempenhar, no futuro, um papel social que ainda não existe.

Sobre a educação social, creio que estes últimos anos foram de mudanças profundas de valores e comportamentos, a ponto da convivência com as pessoas no Brasil se tornar impossível devido a imensas diferenças nesses valores. Principalmente no que se refere ao sentimentalismo, coisa que atinge bem no gatilho. Em geral, as pessoas não têm a mesma concepção dos papeis sociais que eu tenho, o que dificulta demais as coisas. Inclusive é marcante como as pessoas sempre estão deslocadas dos seus papeis e das situações. Praticamente em todas as situações tem alguém agindo inadequadamente.

O Prof. fala sobre a pusilanimidade moral do brasileiro, de como é uma cultura que cede facilmente à pressão do grupo e está sempre atrás da aprovação social, das aparências e como isso impossibilita a vida intelectual. Fala sobre o papel que cada um tem, inclusive dentro da família e como é preciso ter coragem para seguir frente, mas também que a maior parte dos medos não é real, não são fatores físicos realmente, mas pressões emocionais, geralmente relacionadas com esse desejo de aceitação.

A educação moral só pode ser feita através da prática continuada da confissão. Uma boa ideia é usar um guia de exame de consciência, o Prof. cita o do livro do Tanquerey. É preciso vasculhar, principalmente, sobre essas tendências da sociedade brasileira, principalmente a covardia e o ódio ao conhecimento. Também existe um componente mimético, imitar para parecer uma coisa e não para ser. A imitação é parte fundamental do aprendizado de qualquer coisa, mas no Brasil se aprende a imitar somente para imitar e ter uma aparência de alguma coisa.

“Emoção é a repercussão de um fato real ou imaginário sobre a totalidade do seu ser psicofísico”. A emoção é uma medida da importância que algo tem para você e essa medida pode ser completamente inadequada. “Todo o problema consiste em emocionar-se diante de coisas que aconteceram, e não das que não aconteceram”. Histeria é quando a emoção é excitada por aquilo que a pessoa imagina e não pelo que está acontecendo.

A histeria é o traço fundamental de toda essa classe intelectual devido ao espalhamento da paralaxe cognitiva e da inversão sujeito objeto. Exemplo deste último é o artigo do Vladimir Safatle que o Prof. dissecou. A totalidade dos valores, reações, etc é determinada pelo imaginário e não pela realidade. Para combater isso, se usa a chamada objetividade científica, composta pela frieza e ausência de emoções, que na verdade é uma auto-defesa, uma máscara. Portanto, saber medir a importância das coisas pelas emoções é fundamental. Sem saber se medir perante a realidade, perde o senso das proporções, que é justamente a razão. Portanto, não existe divisão entre razão e emoção.

A emoção não pode ser separada da imaginação. Mas a imaginação não poderia funcionar se estivesse totalmente livre da realidade. É preciso haver um estímulo que não seja imaginário para ela funcionar. Este estímulo não é simplesmente sensorial, mas acontece através da percepção das latências (o Prof. não disse isso, mas entendo que seja assim), que é anterior ao trabalho do imaginário e que os escolásticos chamavam de estimativa. Ela faz uma ponte entre o intelecto e as emoções. Então, essa visão de que o ser humano é composto por razão e intelecto é completamente falsa, e um ser humano é muito mais complexo do que um simples jogo entre essas duas coisas.

Aqui talvez entre a minha ideia sobre a Teoria do Monstro Interno. Como a base da cultura brasileira é o fingimento e a covardia, desde cedo somos criados a inibir essa função da estimativa em função das outras duas, o que acaba desequilibrando o combate com o monstro interno. A desenvolver melhor.

Aula 12 (20-06-2009) – 26-12-2018, Perugia

O behaviorismo é uma teoria da psicologia que alega que o ambiente é que determina as ações do indivíduo. Se isso fosse mesmo verdade, como Skinner, o autor da teoria, poderia tê-la feito para modificar o ambiente de outras pessoas? Ou ainda, como o ambiente condicionou o próprio Skinner a condicionar o ambiente das outras pessoas? Então o behaviourismo não é aplicável a si mesmo, e vemos aqui, mais uma vez, um belo caso de paralaxe cognitiva. O peso do ambiente em nós existe, mas não pode ser total como essa proposta, e é o assunto desta aula. Este é o método de pegar as paralaxes cognitivas: aplique a teoria a ela mesma e aparecerá uma contradição.

A paralaxe cognitiva é o deslocamento entre o eixo da experiência real e o eixo da teorização.

Por outro lado, existe o determinismo metafísico, abrangente, que é o de Lutero e Calvino, no qual tudo já está pre-determinado. O destino do homem é pre-determinado, então todas as suas ações, pensamentos, etc, já estavam prontos quando ele nasceu e, neste sentido, a sua salvação ou danação já estava decidida no momento em que você nasceu. Então tudo o que acontece já veio determinado, e isso implica que até a noção de livre arbítrio já foi determinada como uma ilusão. Sendo assim, pode-se dizer que Deus te enganou, o que não pode ser verdade de acordo com o dogma da bondade divina e, portanto, o determinismo calvinista é contraditório com a própria moral do cristianismo.

No caso do behaviorismo, a contradição é ainda pior, porque chega a ser material. Se um experimento científico é feito por escolhas e probabilidades, então se tudo já foi determinado, não pode haver experimento científico. É mais ou menos uma brincadeira que faço: a lei de Murphy não pode ser provada experimentalmente, porque o experimento deu errado. Mas se o experimento desse certo, a teoria teria sido refutada, mas ele foi um experimento feito para dar errado, então, independentemente do resultado, você não pode nem provar, nem empugnar a lei de Murphy experimentalmente. A “influência” do ambiente, no caso do behaviorismo é apenas uma figura de linguagem, pois o ambiente significa “tudo aquilo que não é o eu”.

Existe uma série de referências que no vem do ambiente. O Prof. dá como exemplo a orientação espacial numa cidade. Esses códigos vêm de modo que praticamente todas as pessoas dessa sociedade possam compreendê-los. Esses códigos formam um conjunto de referências que determina as suas possibilidades de ação e aprendizado. A educação consiste em dar ao indivíduo possibilidades de ampliar esse quadro de referências, adquirir uma consciência maior da unidade e coerência desses vários sistemas. O ideal é que o indivíduo consiga expressar tudo isso em palavras, dizer a si mesmo quais são os códigos nos quais ele tem baseado suas condutas e suas ações.

Como a educação consiste na ampliação do quadro de referências, ela deve ter como foco as maiores autoridades que se conhecem, aqui chamados de sábios. O que importa é a opinião dos melhores. No desenvolvimento da nossa vida, começamos pelas experiências da nossa casa, do nosso bairro, etc e essa coisa pode ir-se ampliando até atingir esse limite máximo que é o dos sábios.

A nossa liberdade consiste em escolher as coisas que nos determinam.

“Um fato concreto é o fato tomado não apenas na relação lógica que o expressa, mas na totalidade dos acidentes necessários para que ele aconteça”. O experimento isola o fato desses acidentes e fica só com a definição lógica. O que a ciência sabe sobre a natureza é apenas como ela reage a certas provocações humanas. “A hipótese científica é a superposição de que certo grupo de fatos comportar-se-á de acordo com uma constante hipotética se você selecionar os fatos a serem investigados de acordo com que essa mesma constante determina.”

A ciência surge, no renascimento, a partir dos “livros de segredos”, de origem ocultista, que estava sendo descoberto na época, que trata de “processos ocultos da natureza”, que parecem com livros de receitas que ensinam truques, mágicas, remédios domésticos, coisas desse tipo. A partir de um dado momento, houve a intenção de separar-se dessa coisa toda, mas a inspiração era essa. O método experimental que se criou nada mais era do que os livrinhos de receita, de modo que há um comprometimento íntimo entre a ciência e o ocultismo que não pode ser confessado. Outro fenômeno importante dessa época é o das falsas auto-biografias, como as “Meditações Metafísicas” de Descartes. O renascimento é a época da paralaxe cognitiva.

A ideia de que o mundo da ciência pode coincidir com o real é a rejeição da presença total.

Na origem da ciência moderna estava o ressurgimento das seitas ocultistas que ficaram escondidas durante a média, mas que voltaram mas não podiam tornar explícita a sua feição de feitiçaria, justamente porque esta não era uma prática aceita na época. A ideia era tomar o poder, mas isso tinha que ser feito às escondidas, então a ciência surgiu como uma camuflagem desse movimento.

Aula 13 (04-07-2009) – 28-12-2018, Perugia

Resumo das atividades do COF até então:

1-) Necrológio

2-) Os momentos privilegiados do Louis Lavelle

3-) Gramática latina

4-) Imitação do grandes escritores.

5-) Confissão – Santo Agostinho e Tanquerey

Ainda não encontrei o exame de consciência do Tanquerey. Até baixei o livro, mas não encontrei lá dentro.

6-) Leitura lenta

Ia começar com o Aristóteles em Nova perspectiva, mas achei melhor pegar o Presença Total mesmo. Estou seguindo.

7-) Exercícios do Narciso Irala

9-) Outros exercícios

Imaginar as vidas das pessoas como dramas

Aceitar tudo o que te acontece, mas esse é pra mais tarde

Audição de peças de música até a memorização completa

Leituras de romance e poesia

10-) Proposto nesta aula. Fazer uma biblioteca imaginária com todos os livros que você deseja ler na vida. No fundo, isso seria um pouco como fazer a bibliografia? Esse exercício o Mário Chainho não citou.

Começar com o “Great Books of the Western Civilization”, dali tirar os principais pontos de interesse e partir para fazer sua própria lista. Pegar uma história da sua área de interesse, no meu caso História da Psicologia. Entre “histórias” diferentes, uma obra cita um autor que é omitido em outra. Geralmente isso significa que ali existe um embate de um ponto central da disciplina. Por exemplo, em filosofia há três correntes independentes e incomunicáveis: 1-) a tradição continental onde predominava a fenomenologia e o existencialismo, 2-) a tradição anglo-saxônica com a filosofia analítica 3-) a tradição marxista. Os autores de uma dessas correntes não dão relevância a autores de fora dessas correntes.

A biblioteca imaginária tem por função servir de guia e, ao mesmo tempo, de mapa da ignorância. O que eu fazia com artigos científicos era mais ou menos esse método. Eu baixava o review mais atual possível do assunto, ia lendo e anotando as principais referências. Baixava as referências e lia. É claro que é relativamente fácil fazer isso com artigos de 4 a 6 páginas do que com livros, e os reviews científicos raramente expressavam uma corrente inconciliável de outra. Mas o método, em essência era o mesmo.

“A onipotência total é a capacidade de fazer o que você quer, e não de fazer qualquer coisa”. Parece que aqui está a chave para entender o conceito de liberdade. A onipotência do arbitrário é uma contradição. A arbitrariedade leva ao caos.

O método teatral Stanislavski consiste em procurar experiências vividas, usar a memória afetiva, para encontrar passagens análogas às do personagem que se tenta reconstruir. Funciona como a psicoterapia que reconstrói as situações de trauma através de análogos.

Tudo o que é ideológico é figura de linguagem disfarçada de conceito efetivo. A figura de linguagem é um recurso empregado quando falta precisão na descrição das coisas.

Outro exercício deixado de lado pelo Chainho:

11-) traçar as origens das suas ideias.

Aula 14 (11-07-2009) – 29-12-2018, Perugia

A verdade é um fato que não pode ser negado. Qual foi a primeira vez que você teve a experiência da verdade? Vivemos numa mescla de experiências que passam e se entrelaçam, dentre elas, algumas são mais importantes que as outras, vai um pouco mais além. Aqui de novo, volta a ideia do texto do Lavelle. A verdade se revela plenamente naqueles momentos em que o universo se abre? Além disso, vem ainda a noção que você sabe que sabe aquela coisa. A verdade vem, então, em três níveis: a experiência, a diferenciação e a consciência. “A verdade é um tipo de experiência que não é igual às outras, vale mais do que as outras e representa, conscientemente, uma certa aquisição de possibilidade de novas ações”. Além disso, é uma experiência que não pode ser negada.

Para o ser humano surge um novo elemento, moral, que é a possibilidade da mentira. Esta desvia uma nova linha de temporalidade, que descola a verdade dos fatos passados da sinceridade do presente e inaugura uma nova série de desencadeamentos. A sinceridade restabelece a linha do tempo. Os filósofos costumam analisar a questão da verdade abstraindo-a do problema da sinceridade, o que não é possível. É daí que eles caem naqueles engôdos de que a verdade tem múltiplas faces, etc etc? Parece que sim.

O Prof. volta ao problema da lógica e como ela não é suficiente para o discernimento da verdade, uma vez que ela versa sobre as relações entre entidades, e não sobre os signos que as representam. Para que exista um conceito de verdade em lógica, é necessário que exista uma verdade efetiva, ou verdade ontológica.

A sinceridade é a veracidade da situação atual, é uma ação que o torna verdadeiro naquele instante. Ou seja, existem duas verdades, a sinceridade é o que te coloca dentro do quadro real que já foi determinado pelas ações passadas.

Diante das questões realmente importantes, qual é a base da experiência que se dispõe para investigação? Sem essa base, resta apenas a investigação lógica, que vai discutir estruturas de possibilidade mas não a realidade. É raciocinar a partir de símbolos vazios. Ou seja, salta-se da discussão sobre a verdade para a da coerência entre possibilidades. Passa-se apenas a discutir o discurso.

O discurso lógico, conforme o conceito de Aristóteles, não fornece conhecimento, mas apenas averigua a coerência do discurso, que é uma providência preliminar para se descobrir se ele é verdadeiro ou falso. A coerência do discurso é uma condição para que ele possa se referir à realidade. Aristóteles acreditava que todas as coisas que existem possuem uma estrutura, e que essa estrutura é inteligível. A forma, segundo Aristóteles, não é a figura externa das coisas, mas a sua funcionalidade. Quando se faz a confissão, se esquematiza logicamente a sucessão de fatos. Com isso se cria um novo ato que rearticula a situação presente com a situação passada dentro da situação real. Então se tem a) a verdade esquemática da relação de causa e efeito. b) a verdade temporal da sucessão de fatos c) a verdade da sua declaração no momento. Se inventar uma outra história, terá que criar uma nova temporalidade hipotética e terá de agir de acordo com ela, tornando tudo um teatro. E como um teatro criado, ele não tem toda a riqueza da realidade. Isso cria uma situação psicológica que requer novas mentiras para se sustentar.

A ruptura com o passado, ou seja, colocar uma construção no lugar da narração é universal na paralaxe cognitiva e é a prática comum na filosofia moderna.

A ciência não se ocupa em compreender a natureza, mas de observar relação mesuráveis e compará-las com outras com a finalidade de operá-la tecnicamente, mas não de compreendê-la. Bertand Russel chamava isso de “a verdade técnica”. Ele dizia que, desde a renascença, a verdade não é o que as coisas são, mas aquilo que nos permite operá-las tecnicamente. A tecnologia não é o conhecimento dos objetos, mas é o conhecimento das possibilidades de ação humana sobre eles.

O iluminismo atinge o auge com Kant, que o define como o “fim da servidão humana”, ou seja, o ser humano não tem que seguir nenhuma autoridade, mas apenas a sua própria razão. Isto presume a emancipação em relação à autoridade e inauguração de uma época de liberdade civil; a libertação não era só civil e política mas era também intelectual e espiritual. Kant chamava de “imaturidade” submeter-se voluntariamente a uma autoridade por covardia. Pra mim isso não tem pé nem cabeça. Ele confunde a maturidade cívica com a maturidade psíquica. Mas, por outro lado, se vê que hoje esse é o padrão de maturidade. Vide o empoderamento. O controle do ser humano sobre a natureza não permite que ele controle a natureza em si, basta ver os fenômenos climáticos, mas apenas que ele gere tecnologia para controlar outros homens, ou seja, é uma ferramenta de poder. E é o poder mais avassalador que já se teve notícia na história da humanidade. É exatamente o oposto da libertação que prometia o iluminismo. Já o florescimento da inteligência humana deu exatamente o contrário do previsto. Mas era de se esperar, com um conceito de maturidade tão deslocado da realidade. É óbvio que isso só geraria uma massa infantilizada.

A vantagem de um ambiente devastado e sem nenhuma tradição filosófica, como o Brasil, é a liberdade de se estudar e misturar várias correntes diferentes, como fez o Mário Ferreira dos Santos. Podemos nos livrar da desgraça da universidade moderna.

Aula 15 (18-07-2018) – 30-12-2018, Perugia

Essa aula é que mais me recordo até aqui, e foi, de fato, a que mais me chamou atenção até a 36. Acho que as notas serão breves, porque esse assunto eu já incorporei no meu modo de ser.

O Prof. fala sobre um experimento envolvendo cartas e recompensas para mostrar a noção da presença da verdade, pois este experimento mostra que é possível raciocinar ‘inconscientemente’ ou, ao menos, não do modo convencional, no qual você cria representações dos objetos, trabalha com essas representações e chega em conclusões, ou seja, a diferença entre os dois processos não é a consciência ou a falta dela (por isso coloquei entre aspas na frase anterior). “Existem dois tipos de raciocínios: um feito com signos que reproduzem mentalmente a situação que foi vivida não mentalmente, mas realmente, e outro com racicínio indutivo feito não com signos mentais, mas com os próprios objetos.” Essa sacada é fenomenal. Foi aí que eu descobri porque eu era tão bom em alinhar a óptica no laboratório e não conseguia contar pra ninguém como fazer. A partir desse momento eu deixei de me importar com isso e simplesmente fazer as coisas. Foi aí que eu dominei a arte.

Aqui ainda falta um nome, o Prof. ainda chama de “primeiro raciocínio” e “segundo raciocínio”. Mas, aquele que é feito com as representações é o que evoca maior noção de certeza, porque ele foi inteiramente construído por nós mesmos, dominamos a fórmula inteira do raciocínio. Como foi dito na aula passada, nós sentimos segurança nas coisas que nós mesmos criamos. A ciência, no fim das contas, é a tentativa de suprimir o raciocínio direto com os objetos pelo representativo. O apelo à razão, feito pelos iluministas, vai por este lado. Entretanto, o fato é que o raciocínio que se faz diretamente com os objetos é muito mais preciso, porque ele não é feito com os signos, mas com os dados imediatos da situação. Aqui voltamos naquele ponto. Quando representamos um objeto mentalmente, temos apenas um recorte de algumas propriedades dele, aqueles que nos chegam e que podemos apreender através da latência. É o velho exemplo, quando você vê uma vaca, você vê um lado dela, mas na realidade mesmo a vaca está inteira lá de uma vez. É por isso que o raciocínio representativo é menos preciso, não temos como apreender completamente os objetos. E também existe a influência da nossa própria cadeia dedutiva que pode ter erros.

O raciocínio representativo, é tido como certo e objetivo na cultura moderna. Entretanto, o experimento nos mostra exatamente o contrário. Os participantes faziam teorias sobre o que estava acontecendo lá pela 80a rodada, e as teorias divergiam entre si. Mas, lá pela 10a, todos já respondiam identicamente pelo suor das mãos e mudavam suas decisões. Ou seja, o fato objetivo estava, na realidade, com o raciocínio direto com os objetos.

“A conexão entre dois conceitos só pode ser percebida intuitivamente, não logicamente”, ou seja, só pode existir conhecimento direto. Entretanto, o conhecimento socialmente preferido é sempre o das deduções lógicas, é ele que domina tudo desde as discussões do cotidiano até a academia.

Nós temos que aprimorar a nossa capacidade de aceitar os dados da realidade porque a nossa percepção direta já é perfeita, por isso não há exercício para aprimorá-la.

A prova é a versão purificada e límpida do fato. Ela é uma construção mental feita apenas de conceitos sem os elementos acidentais, ao passo que tudo o que foi percebido na realidade envolve todos os acidentes que têm algo a ver com o processo. “O fato de gaver uma infinidade de elementos acidentais em torno de cada processo real é justamente o que dá consistência substantiva ao que está acontecendo”. Quando se separa um processo de seus acidentes, ele não existe mais, existe apenas o processo mental, que se eleva para o plano das abstrações. Para fazer a conexão disso com a realidade concreta, é necessária uma série de correções de prova. Realidade são os dados e verdade é aquilo que pensamos a respeito deles.

Aula 16 (25-07-2009) – 31-12-2018, Perugia

Essa aula, no fundo, versa sobre o desenvolvimento da personalidade e o papel da sociedade no processo, é a teoria das camadas, mas ainda não enunciada formalmente. O Prof. fala de como se adquire novos níveis de complexidade de linguagem no desenvolvimento humano e como eles o afetam. O Prof. está seguindo a ordem das camadas da personalidade. Na adolescência, a preocupação é a absorção de códigos e condutas que permitam que o indivíduo se ajuste ao meio social, que ele se sinta aceito. Nesta fase da vida, o problema a resolver é ele próprio. Na fase seguida, após dominados esses códigos sociais, o problema passa a ser prático, o indivíduo deixa de ser, em si, o centro do problema. É necessário que haja uma certa estabilidade de situações para que o indivíduo passe da adolescência para essa nova prática. Esse talvez seja um motivo fundamental para que o brasileiro não saia jamais da adolescência. Ali parece que nada é estável e ninguém se entende. O sistema educacional, por ser focado na adolescência, é todo feito tendo o interesse do aluno como ponto central, de modo que ele não é feito para buscar o conhecimento verdadeiro, mas cumprir um conteúdo programático para ser aprovado no final da disciplina. É lógico que esse é um ambiente artificial e completamente alienado. Já um estudioso, que precisa saber um determinado assunto por questões realmente sérias, tem que saber da melhor maneira possível o assunto, ou seja, o foco agora é a realidade e não mais um interesse meramente pedagógico. Que aliás, no Brasil, esse segundo tipo foi extinto pela imitação simiesca de adolescentes incapazes. Ou seja, qualquer sistema pedagógico é apenas um teatro cujo objetivo é obter aprovação social, do professor e da sociedade, através de um diploma. Na fase seguinte, prática, não importa mais a sua adequação ao meio social, mas apenas a sua capacidade de fazer aquelas funções que se espera.

Conforme chega a idade adulta, os círculos sociais se ampliam ainda mais, surgem grupos mais importantes para se comunicar, com pessoas que estão, inclusive, distantes. Para isso, precisa-se, novamente, adquirir toda a linguagem necessária para a integração nesse grupo. Um grupo desses, que só pode ser acessado por linguagem expressa, requer certas habilidades especiais que o identifiquem com o grupo.

A alta cultura, então, nada mais que a integração num outro grupo humano, que é das pessoas que criaram aquilo de melhor ao longo dos anos. As pessoas que fizeram parte desse grupo vão Homero até filósofos contemporâneos, como Louis Levelle. Então, aqui, não é só o laço espacial é rompido, mas também o temporal. Torna-se um membro deste grupo quando entende-se o que estes homens estão falando e conhece-se o sistema de inter-referências ali presente. Obviamente, este aprendizado é mais difícil que os demais porque os personagens não estão mais fisicamente presentes, não há ‘gabarito’. Esse é fator é um fertilizante de idiotas porque, o idiota não sabendo nada que esteja fora do seu horizonte de consciência, é incapaz de julgar corretamente as suas ações. Como todo idiotas é, desde a definição, presunçoso, vai assumir que está certo, se idiotizando ainda mais. Esse é o processo pelo qual se forma um Yago Martins da vida. A parte mais difícil desse aprendizado é das inter-referências, que uma espécie de conversa entre todos estes autores. É preciso ler muitos livros e adquirir muita cultura par perceber essas conexões. E voltamos aqui, de novo, à leitura dos clássicos. Não tem como entrar nesse mundo sem ler os clássicos. “Todo o ingresso na alta cultura é feito de equívocos, mas eles permitirão medir a distância existente entre os grupos sociais nos quais você já se inseriu e esse outro grupo do diálogo entre os grandes espíritos de todas as épocas”. Aqui é que a coisa fica totalmente desesperadora no Brasil.

Todas as ideias e ações foram iniciadas por indivíduos e, posteriormente, a sua propagação se impregna em toda a sociedade de modo que essa ideia passa funcionar como se a massa fosse um único grande conjunto. Acontece que a massa nada mais é do que indivíduos fazendo, cada um, o seu próprio movimento. Portanto, não é concebível pensar em coisas como ‘psicologia das massas’ ou, pior ainda, assumir que uma determinada coisa foi uma criação social, porque não podem existir criações coletivas, apenas individuais. Por mais que uma coisa seja um costume estabelecido, frequentemente é possível rastrear a ideia até o seu autor. Quando não é possível fazer isso, e, portanto, o autor é anônimo, tem-se a impressão de que se trata de uma criação coletiva.

Com o passar do tempo, a complexidade das discussões nesse meio de alta cultura foi aumentando, e a partir de um certo momento, não bastava apenas saber qual ideia era verdadeira ou falsa, mas também tornou-se necessário saber quem teve essa ideia e quando. Era preciso rastreá-las historicamente. Todo trabalho de pesquisa parte de questões que já foram elucidadas anteriormente. Seria dispendioso e improdutivo que sempre que se fosse fazer uma pesquisa tivéssemos que resolver todos os problemas desde o começo, o famoso “reinventar a roda”. Por isso o sistema de citações é fundamental, pois pode-se apresentar as soluções já encontradas anteriormente por outras pessoas e, em seguida, apresentar a sua. Saber rastrear as ideias é fundamental porque é preciso localizar-se na história do diálogo entre os grandes espíritos.

O ingresso no mundo da alta cultura significa repetir e imitar os mesmos experimentos interiores e cognitivos que foram feitos por Homero, Aristóteles, Santo Tomás de Aquino, etc. até que todas essas coisas se tornem atuais no sentido de que são possibilidades que se está realizando. Somente as pessoas investidas de alta cultura podem dar um senso de medida ao debate coletivo, pois as ideias em circulação só adquirem sentido quando se referem a um diálogo mais universal.

Aula 17 (01-08-2009) – 01-01-2019, Perugia

“Todo problema das relações entre os seres humanos consiste em saber passar de um estado de simpatia ou antipatia naturais, que reinam entre os caracteres, àquele estado de mediação mútua que permite a cada um deles realizar, por intermédio de um outro, de um indiferente, de um amigo ou de um inimigo, sua própria vocação espiritual.”

– Louis Lavelle

Nenhuma ciência tem autoridade para criticar a experiência comum, porque ela é um recorte específico feito em função de certas perguntas específicas. Isso faz com que a educação científica não tenha nenhuma função na alta cultura. A ciência moderna se baseia no pressuposto de que a natureza é um domínio fechado, mas isso parte, na verdade de pressupostos teológicos. Se a natureza fosse um domínio fechado, existiriam leis naturais constantes e inabaláveis, e não foi descoberta nenhuma, exceto a segunda lei da termodinâmica, mas esta, por natureza, diz justamente o contrário: se tudo está se deteriorando, então nada pode ser estável. A grande precisão de algumas leis, como a gravitação newtoniana, impressionou as pessoas que passaram a acreditar que essas leis inabaláveis realmente existem.

O raciocínio teológico que surgiu no meio protestante e anglicano foi o seguinte: se Deus construiu esta máquina tão perfeita e depois interferiu nela, acabou por desmoralizar-se, e, com isso, Deus estaria reconhecendo que a sua criação não é perfeita. Entretanto, essa hipótese não se sustenta porque não sabemos quais são os limites do natural e ela se baseia inteiramente na hipótese de que as leis naturais são eternas e imutáveis. Na teologia cristã, a estrutura da realidade é muito mais complexa que isso, e vai do inferno até Deus. Existe a infranatureza e a preternatureza, que são os fenômenos estranhos à natureza, mas não ainda sobrenaturais, como as possessões demoníacas. Ainda há todas as hierarquias angélicas até chegar em Deus. Então a relação entre Deus e a natureza é mediada por todas essas coisas, de tal modo que não é possível distinguir claramente o que é natural do que não é. A primeira premissa, de que as leis naturais são eternas, exigiria que a própria natureza fosse eterna, mas, ela sendo eterna não poderia haver o juízo final. Na verdade, isso é contraditório com a Criação. Os teólogos dos séculos XVII e XIX não percebiam este tipo de contradição porque haviam perdido a alta cultura escolástica. Nesta época houve uma puerilização da filosofia (Em latim, pueris = menino, ou seja houve uma infantilização), perdendo a noção de sutileza e complexidade das questões. O pressuposto de que Deus se desmoralizaria a si mesmo é um exemplo disso, pois, nesse caso, Deus é retratado como um ser humano, pois desmoralizar-se é um ato que se pratica mediante a uma sociedade. Deus não tem perante de quem se desmoralizar. Nós podemos, em última instância, não nos desmoralizarmos perante a sociedade, mas perante Deus. Mas, isso também é uma condição humana. Deus jamais poderia desmoralizar-se ante a si mesmo. Deste tipo de ideia pueril que surgiu o naturalismo.

Uma explicação parte do estudo de um fenômeno particular e se encaixa numa concepção metafísica que vai dar justificação do todo no qual ela se encaixa. O raciocínio lógico tem a propriedade da não-contradição, significa a unidade do discurso. Como poderíamos ter a noção da unidade do discurso sem a percepção da unidade e totalidade geral? Temos uma antevisão da unidade do real que nos permite ter raciocínio lógico. Sem a unidade do real não existe nenhum conhecimento. Sem a unidade do real não conexão entre fatos sucessivos, então não se poderia nem completar uma frase. A admissão antural e imediata da unidade da realidade está presente em todos os seres humanos e é a base do raciocínio lógico. Aqui, o Prof. retorna a tradição filosófica moderna de separar o mundo mental, criado pelo “eu”, do resto da realidade. Isso faz com que o discurso racional seja sedutor, porque, como vimos nas aulas anteriores, aquelas estruturas que nós mesmos nos sejam mais confortáveis do que lidar com as contradições da realidade. Então os filósofos passam a acreditar mais no próprio discurso, pela sua coerência, do que nos dados da realidade. Essa é a inversão tão comum em Descartes, Kant, etc. O ser humano tem a capacidade de criar premissas ficcionais. “Como seria o universo se ele fosse assim” e tirar conclusões a partir disso como se fosse verdade . Acontece que isso é extremamente perigoso, porque pode levar a falsificações monstruosas. E quanto mais exata a descrição pior, porque mais verossímil vai parecer. Neste sentido, a ciência moderna, principalmente nos últimos 50 anos, ganhou uma precisão imensa que permitiu todos esses desenvolvimentos tecnológicos, o que a tornou ainda mais alienada e alienante. As descobertas científicas eram interpretadas à luz naturalista e, portanto, sempre confirmavam a hipótese de que a natureza seria um sistema fechado. É uma espécie de profecia auto-realizável. Se essas descobertas fossem interpretadas de outra forma, chegar-se-ia a outras conclusões diversas. Toda profecia auto-realizável é, por definição, um universo ficcional. A própria premissa naturalista determina que é ilegítimo o apelo pessoal real, mas só é legítimo o apelo à experiência já recortada e confirmada pela comunidade científica. Este parece ser exatamente o mesmo problema do espiritismo e demais doutrinas ligadas. No fundo, o espiritismo não passaria de uma naturalização do espírito? E isso tudo é uma doença mental, um delírio persistente.

Concluindo esta parte, tudo o que pode ser aproveitado educativamente das ciências é o seu núcleo metodológico e não o conjunto das observações e teorias.

A palavra ciência pode ter vários significados distintos. O primeiro é conceito de ciência ideal, formulado por Sócrates, Platão e Aristóteles. A ciência é o conhecimento demonstrativo que fornece provas de que as coisas não podem ser de outro modo senão daquele que a conclusão lógica levou, ou seja, alcançar o conhecimento apodíctico. A ideia de um conhecimento ideal e indestrutível é o ideal inicial da ciência. Este ideal só pode ser realizado de maneira parcial e imperfeita, mas era o ideal que dava forma aos esforços científicos, mesmo frustrados. Aristóteles entendia que a natureza está sempre em constante transformação, por isso não haveria constantes na natureza, mas apenas estabilizações provisórias. Por este motivo, o mundo natural não poderia ser reduzido a uma ciência no sentido ideal. O conhecimento da natureza deveria ser sempre experimental.

Os outros sentidos que a palavra ciência pode possuir são: a tensão que existe entre a ciência real e o seu ideal; todo o conjunto das teorias e observações historicamente existentes; como atividade socialmente existente que implica a existência de entidades, subsídios e elementos políticos; como autoridade social, que perante o público é o juiz do verdadeiro e do falso e como fundamento alegado de certas crenças filosóficas gerais como o naturalismo. Isso tudo faz com que a palavra ciência se torne uma figura linguagem que frequentemente é empregada como uma autoridade.

“O valor que as conquistas da ciência têm depende da capacidade humana de julgar esses conhecimentos em função do conhecimento que cada um tem da unidade do real”. Neste contexto, a função da filosofia não é fornecer conhecimento científico, mas o conhecimento científico sem a compreensão filosófica não significa nada. A alta cultura consiste em adquirir uma orientação dentro do senso da realidade que é o senso da participação de sua consciência em uma realidade que a abrange.

O Prof. passa agora a fazer uma espécie de exercício de leitura lenta com o texto do Lavelle. A afinidade natural a que se refere o parágrafo é aquela que surge espontaneamente, mas baseada em algum interesse imediato. É uma relação eminentemente antropofágica. As pessoas que vivem nestas relações de afinidade natural são, por definição, completamente egoístas. Elas transformam as pessoas numa peça do seu imaginário pessoal e usam-no para se reforçar e satisfazer.

Por outro lado, existe a possibilidade de conceber o outro como um ente espiritual eterno, como imagem de Deus, e perceber qual a diferença entre esta pessoa como imagem de Deus e no seu estado atual subjetivo. Podemos olhar uma pessoa que está totalmente envolvida pelo p´roprio interesse orgânico sabendo que ela pode ser infinitamente melhor que isso, bastando que ela submeta esse interesse a um “algo mais”. Entretanto, esse “algo mais” não é concebível fora da alta cultura porque é preciso que exista um certo desenvolvimento linguístico e simbólico que não existe no meio social das pessoas normais. Ou seja, é necessário que o seu grupo de referência seja constituído pelo conjunto dos melhores homens de todas as épocas.

A literatura de ficção é uma meditação sobre as possibilidades da vida moral humana. Os enredos e situações possíveis criados articulam um nível de responsabilidade moral que está presente na infinidade de situações humanas particulares e até indescritíveis. A ampliação do imaginário faz com que surja a compreensão e sutiliza das situações que permite julgar os seres humanos mediante essa escala ponderada. Sem isso, o julgamento sempre será feito através de uma projeção ingênua da sua própria pessoa sobre as outras, sem entender o que se passa com elas. “A existência de um público habilitado a ler e compreender a grande literatura é a condição de manutenção da moralidade nesta sociedade”. Somente a grande literatura tem essa função educativa. Então, pode-se dizer que a religião é o cultivo da alta cultura.

A religião desligada da alta cultura é falsa. Um dos elementos da alta cultura é a capacidade de saber em que ponto da história se está, saber o que está acontecendo realmente. “A alta cultura é a conquista de um imaginário suficientemente amplo e organizado para que se tenha sensibilidade para o que está acontecendo, do contrário você está dormindo, e quem está dormindo não tem alta cultura”.

Um raciocínio que me surgiu aqui, lendo uma das perguntas: a maior parte do tempo raciocinamos direto com os dados da realidade sem precisar criar signos para os objetos. No aspecto psicológico, teríamos essa mesma capacidade? Não seria essa capacidade que deram o nome de ‘inconsciente’? Como seria a experiência psicológica análoga à experiência, digamos, física? Ou a psique só trabalha desta maneira e, em raros casos, trabalha diretamente com os símbolos?

Aula 18 (18-08-2009) – 02-01-2019, Perugia

As categorias de Aristóteles não são técnicas de pensamento, mas é o próprio modo como se estrutura o nosso conhecimento das coisas. As categorias são: substância, ou o que é a coisa; qualidade, ou como ela é; quantidade, referente ao número e tamanho; lugar, onde está; relação, como se associa a outras coisas; tempo, desde quando e até quando está; ação, o que ela faz e paixão ou ação passiva, o que se faz ou que se pode fazer com ela. As categorias são a percepção das diferenças entre as várias maneiras de olhar uma coisa. As categorias não fazem parte do pensamento, mas da percepção em si. Quando ocorre um erro de categoria, em geral o que ocorre é uma confusão entre elas.

Já as sentenças possuem quatro níveis: a definição, o gênero, a propriedade e o acidente. A definição é a descrição da coisa, o gênero é o grupo de coisas ao qual ela pertence. Já o acidente é uma característica da coisa que não é inerente ao objeto, não pode ser deduzida a partir de suas propriedades. Mas nem, por isso, todo acidente é possível. Saber graduar instintivamente os acidentes possíveis e impossíveis, verossímeis e inverossímeis é a maior parte do senso do real. Essa característica é exclusiva do ser humano. O animal não tem a gradação do quatro discursos: o certo, o provável, o verossímil e o possível.

As causas se dividem em: formal, eficiente, material e final. A causa formal é a simples definição. A causa eficiente é o mecanismo imediato, a causa que dispara a ação. Causa material é o meio pelo qual a ação se realiza. A causa final é o objetivo da ação. Há também, além dessas, a causa remota e a causa imediata. A causa remota pode predispor uma ação, mas não pode determiná-la diretamente.

Ver mais tarde a historiografia psicológica de Hippolyte Taine.

O cidadão comum raramente faz confusão entre essas categorias no seu dia-a-dia, já entre os grandes eruditos, isso é muito comum. É especialmente importante nos policiarmos para não cometer essas falhas que, em geral, terminam em grandes vexames.

Essas categorias parecem ter uma forma extremamente semelhante ao da gramática. Isso parece se ligar àquela frase do Dante Alighieri que uma pessoa que não domina a gramática não tem domínio sobre o mundo.

A prova é um elemento do discurso, e não da percepção. A prova diz respeito ao convívio social e não ao conhecimento.

O Prof. agora passa a comentar sobre a formação dos ‘clubes de ideias’, ou sociedades de pensamento, que eram grupos de intelectuais que se reuniam para palpitar sobre todas as coisas. Isso surge do advento do estado moderno, que apareceu como uma entidade neutra acima da religião e criou o dualismo entre a conduta pública e a opinião pessoal. Como a opinião real das pessoas não pode assumir a via pública, ela precisa de um canal para ser expressa, e aí entram esses clubes, que, afinal, acabam criando uma espécie de código moral, porque desaprovação exclui o indivíduo desse grupo. As sociedades de pensamento são entidades criadas para que o indivíduo possa expressar as suas opiniões, mesmo que elas não tenham importância para a política. Disso surge a ‘opinião pública’. Logo depois, estas sociedades passam a elaborar meios de sabotar a política. Essas entidades criam uma autoridade paralela, que não tem poder físico, mas tem poder moral e cultural. É bem evidente como isso representa a configuração de poder moderna, como os globalistas. É óbvio que o passo seguinte é dessas sociedades controlarem a vida intelectual e excluírem aqueles que discordavam do seu consenso, bem como incluírem pessoas sem o menor talento mas que fossem subservientes. Parece as universidades brasileiras. Com isso, vê-se claramente três estágios da revolução: estágio filosófico, estágio político e estágio revolucionário.

O estágio filosófico é aquele que ainda não se detém os meios de poder político, mas se faz pelo domínio da opinião e passa a ter o poder de censura através da exclusão social. Essa parte é a que se pode chamar de revolução cultural. No estágio político essas sociedades já dispõe dos favores de partidos políticos. A opinião pública então, não era a opinião das pessoas, mas a opinião desses grupos. O segredo da verossimilhança é que quando qualquer opinião vinha a público, ela vinha por mil canais diferentes, que possuíam as mesmas fontes. A multiplicidade de canais, para o público leigo, gera a impressão de unanimidade espontânea. Uma outra característica interessante dessas sociedades de pensamento é que nunca aparece uma única objeção a nenhuma dessas opiniões, há apenas uma concordância tremenda. Émile Durkheim cria a sociologia como estudo não de causas imediatas, ou seja, das ações das pessoas, mas de causas remotas. Neste caso, a diferença entre uma e outra é que na segunda são ignorados os agentes reais e tudo passa a ser considerado como ação coletiva espontânea. Os famosos ‘a sociedade exclui as pessoas’, etc. Mas, ao perceber o mundo como ações coletivas, causas remotas, na verdade o Durkheim está pegando a ação externa destas sociedades de pensamento e tomando eles próprios como os agentes históricos, ignorando, evidentemente, que existem agentes reais com interesses reais por trás destas sociedades. A sociologia, como ciência baseada neste princípio, já está fora da realidade. Mas o Durkheim não sabia da existência dessas sociedades. Já o método de estudo sociológico de Taine, que se baseia na ação dos indivíduos, e que pressupõe que todo fato social tem um agente individual por trás, é o que funciona. Claro que, vindo de sociedades secretas, as causas reais são anônimas e encobertas, de modo que é muito difícil por traçá-las todas. O fato social de Durkheim nada mais é que uma falsa impressão criada pelo esquecimento das origens da ação humana. Este exemplo ilustra muito bem o que acontece quando se confunde causa imediata com causa remota.

Qualquer explicação causal implica que exista causa, meio e efeito. Não se gera efeito nenhum sem um meio. Esse meio é o que se chama de causa material. As causas remotas inclinam mas não obrigam.

A opinião dominante, conforme Aristóteles, é o começo do problema. O que interessa nessa opinião são os aspectos problemáticos e opositivos. Dentro das ‘opiniões dos sábios’, as divergências mostram os vários aspectos do objeto que chamaram a atenção das pessoas que nele prestaram atenção, e isso guia na elaboração das perguntas adequadas à investigação. Atualmente, a opinião é tida como o fim da investigação, a resolução do assunto. Que obviamente é o reflexo das sociedades de pensamento. As sociedades de pensamento se transformaram nas universidades, partidos políticos, ONGs, etc. O Prof. diz na aula, de 2009, que essas organizações ainda estavam no estágio político. Por volta de 2013, quando teve os protestos incitados pela esquerda, eles estavam tetando passar ao estágio revolucionário propriamente dito. Sabemos que deu o efeito contrário. Provavelmente queimaram a largada.

Aula 19 (15-08-2009), 03-01-2019

Voltando ao tema da aula 15, sobre a percepção direta e representativa. Durante o processo educacional, a percepção representativa é o modelo mais adotado, conforme já vimos. Portanto, no processo educacional aprendemos a lidar com os nossos pensamentos e não com os objetos. A percepção direta também não é verbalmente transmissível. Para que isso seja possível, a experiência precisa ser expressa em signos visuais para depois produzir um esquema mental com palavras. Este processo gera imprecisões que, costumeiramente, inviabilizam a expressão deste conhecimento. Quando se tenta realizar esta compreensão, há uma sensação de inquietação, insegurança e muitas vezes o ato de querer compreender nos afasta do objeto por esse aspecto inquietante. Neste processo é preciso construir as imagens mentais, que te afastam do objeto em questão, porque as imagens nada mais são que criações mentais que não correspondem ao objeto em si, mas são uma simplificação. Quanto mais se tenta explicar, mais se complica. O espírito crítico, que fomenta uma análise aprofundada, tem um efeito nefasto quando é ensinado sem, antes, haver uma boa acumulação de material.

Nesta aula, o Prof. passa dois exercícios. O primeiro consiste em pegar duas pessoas, umas que você conheça bem e outra que conheça pouco, e dizer qual é a diferença efetivamente entre a sua compreensão das duas. Essa é uma experiência que, num primeiro momento, não pode ser verbalizada

A nossa compreensão, neste sentido, é muito maior do que imaginamos. Por isso, o meio mais eficaz de expandir a inteligência é dar atenção a esses elementos que já estão em nós mesmos, embora, na maioria das vezes, não possam ser verbalizados. É preciso domar a atenção reflexiva para que ela lide com esses materiais internos, que puxe desse fundo o que já se conhece, mas sem nunca recorrer à análise crítica ou tentar verbalizar. É esse fundo que em psicologia se chama de inconsciente? É apenas aquilo que não pode ser verbalizado? A expansão de vocabulário pode ser feita resgatando objetos que você conhece mas que não sabe o nome e procurar esses nomes.

O segundo exercício consiste em tentar rastrear todas as origens e meios de fabricação de objetos comuns, para demonstrar a complexidade da realidade. Esse exercício eu faço desde moleque. Uma das coisas que enchia o saco do meu pai era ficar perguntando como as coisas eram feitas. E eu ficava perguntando encadeadamente até chegar nas últimas causas, igual o Prof. propõe.

Aula 20 – (22-08-2009) – 05-01-1984, Perugia

A aula é sobre um texto do Joseph Marechal do livro “O Ponto de partida da metafísica’ e vai esclarecer pontos sobre a leitura dos textos literários e filosóficos.

Onde não há conflito, não há filosofia. É preciso transformar os textos em drama para poder articular esse conflito. No texto, surgem diversos personagens da filosofia grega, então teremos que descobrir quem foram esses personagens em dicionários filosóficos e histórias da filosofia. Não é necessário estudar com total profundidade todos os personagens, mas, pelo menos, os pontos necessários para montar a dramatização adequadamente. Primeiro teremos uma compreensão esquemática do drama, depois preenchê-lo com conteúdo informativo e histórico e finalmente remontá-lo com seu conteúdo.

Numa obra literária, que é um sonho acordado dirigido, o componente onírico geralmente não é acobertado pela camada verbal ou por referências externas à obra. Justamente, o objetivo dela é representar de maneira fluida a experiência onírica e não a referência verbal. Num obra filosófica surge a dificuldade, primeiro, que ela necessariamente tem uma referência histórica externa, porque uma obra filosófica é uma discussão com outras obras filosóficas. Então o conhecimento da história da filosofia é necessário para entender qualquer obra filosófica. Isso é meio óbvio e já estava dando anteriormente quando o Prof. levantou a questão do status quaestionis. No fundo é isso, mas como a filosofia é um grande bloco enorme e possui uma certa continuidade desde a antiguidade, e como a maioria das questões nunca foram resolvidas, então o status quaestionis acaba sendo grande. Voltamos à máxima do Jorge Luís Borges: para ler um livro é necessário ler muitos livros. Nesta primeira fase teremos que ler muitos livros sem necessariamente entendê-los, mas o acúmulo caótico deste material nos permitirá mais tarde consolidar o conhecimento filosófico.

O Prof. passa a usar as expressões razão espontânea e razão refletida.

“Um texto filosófico não é feito com palavras que expressam diretamente as experiências dos sentidos, mas com termos conceitualmente elaborados que estão muito longes da experiência originária, mas que tem a vantagem de possuírem um significado mais ou menos estável, permitindo a unidade da discussão.”

A comunicação da experiência só se dá depois que houve a transformação da experiência em linguagem pela razão refletida, o que torna essa descrição deficiente em si. Quando comunicamos uma ideia a outra pessoa, não comunicamos a experiência, mas o esquema que chegou a nossa razão refletida. Então ela é um produto cultural deficiente que funciona baseada na riqueza verbal, no universo de símbolos conservados na memória e na experiência da razão espontânea. Nos entendemos por causa da comunidade de experiências que temos no plano da razão espontânea, que não chegam a ser expressas. Então, se aquilo que se chama de inconsciente é a razão espontânea, e se precisamos destes três ingredientes para exteriorizá-la, temos um grave problema na cultura moderna, que praticamente eliminou os três. Vivemos num ambiente que não permite guiar pela razão espontânea, mas apenas por impulsos externos, e ainda por cima impede que as pessoas escavem a própria consciência porque não há símbolos adequados para fazê-lo.

Na segunda parte da aula, o Prof. trata sobre o que precisamos fazer para sobreviver culturalmente ao mundo moderno. Copiei estes dois parágrafos que resumem bem a ideia:

“dentro do processo de produção capitalista, a velocidade das transformações econômicas e sociais é tal, que é impossível você esperar unificar mais ou menos a sociedade mediante aquele processo de formação espontânea do senso comum como havia antes, não dá tempo. Se não houver um elemento como a cultura de massas que cria um imaginário para as pessoas, então a sociedade vai se desintegrar muito rapidamente. Então, o que acontece? Existe essa integração forçada, por assim dizer. Integração fabricada pela classe dos publicitários, dos intelectuais, dos jornalistas, dos cineastas, do pessoal de teatro e cinema, etc”.

“O que está sendo agora foi uma solução encontrada mais ou menos a toque de caixa para uma situação criada pelo desenvolvimento da economia. Não é necessariamente o que é melhor para os seres humanos e nem é a única maneira de fazer as coisas, pode haver alternativas, sobretudo pode haver alternativas para nós.”

O que devemos fazer, então, é procurar uma cultura que seja estável e verdadeira olhando para outros homens em outras épocas, não se deixando moldar pela convivência social imediata. Em outras palavras, conforme já vem sendo dito em várias aulas, a saída é a busca da alta cultura, que vai possibilitar maiores possibilidade de escolha de ações possíveis. Fazendo isso, não se isola da cultura de massas, mas adquire imunização contra ela.

Houve um rompimento da unidade da cultura, ou seja, o fim da comunicação entre a alta cultura e a cultura popular. Assim a alta cultura já não possui a mesma linguagem das pessoas comuns, e ela passa a ser artificial e desnecessária. Isso pode ser revertido porque a ruptura nunca é total, alguns elementos da antiga cultura permanecem vivos. Com o aprofundamento dos estudos na cultura antiga, pode-se apelar à recordação residual que sobrou da herança histórica cultural.

Aqui entra um ponto importante. O Prof. afirma que o uso da razão refletida está deformado, mas que a razão espontânea continua funcionando. Aqui é uma questão a ser elucidada, porque sabemos que o mecanismo de verbalização da razão espontânea está prejudicado, então como sabemos que ela própria não está? Por outro lado as pessoas continuam dirigindo carros por aí, mas há que se notar que as pessoas não conseguem mais desempenhar funções básicas sem ter problemas. Eu realmente não sei.

As pessoas preferem uma mentira que elas mesmas inventaram ou que compartilham em comum com outras pessoas, do que uma realidade percebida. É a negação da razão espontânea, que começa a aparecer só inconscientemente. O que é inconsciente? Acho que o Prof. define na aula 24. Outra nota, é que o Prof. diz que a razão espontânea não é inconsciente, mas é muito rápida, e por isso não é percebida. Esta realidade da razão espontânea e negada pela razão refletida chega a aparecer na consciência de maneira invertida, como um fantasma ou algo assustador. A realidade aparece para o sujeito como a fórmula da mentira, do mal e tudo o que ele odeia.

Aula 21 (29-08-2009) – 06-01-2019, Perugia

Continuação da aula anterior. Para montar os personagens, não é preciso conhecer profundamente as suas obras, basta apenas alguns fragmentos, frases que dizem respeito ao que o texto está tratando.

O Prof. fala também da importância desse método para a autobiografia. As nossas influências são sempre mais decisivas pelos dados que nos faltam do que pelos que recebemos, porque a ausência de certas informações determina os rumos da vida. Só existem quatro fontes de influências: a dos pais, a da família, a da cultura de massas e a da alta cultura.

O “Eu” faz parte do meio cultural. Ele não está isolado e é dentro da cultura que se adquire uma personalidade. Portanto, o isolamento é uma ilusão. A individualidade existe, mas nós temos ilusões a respeito dela e o que pensamos a seu respeito pode ser falso. Aquilo que acreditamos expressar a nossa mais autêntica individualidade pode ser falso se houver o apego a uma auto-imagem que não corresponde aos fatos.

Quando olhamos para um objeto, vemos apenas um lado e completamos a percepção com um trabalho imaginativo. Mas o nosso conhecimento da unidade do mundo está inteiramente na imaginação. Estou anotando pouco porque essas experiências que o Prof. faz eu já fiz muitas e muitas vezes, de tal modo que não há muitas novidades para mim. A presença unitária do mundo é percebida pela imaginação. Existe a tendência de pensar que tudo aquilo que vem pelos sentidos é real, e oo que vem da imaginação é irreal. Mas, se isso fosse verdade, como a imaginação seria capaz de emendar fatos distintos e dá-los continuidade com os dados sensíveis? Então existe o ajuste da nossa consciência com a estrutura do real, através da imaginação. A nossa capacidade de antecipação das percepções é a prova disso. As possibilidades que percebemos no objeto estão nele, e não na nossa imaginação. Esse salto entre a imaginação completar os sentidos eu já tinha feito sozinho, mas a ligação disso com a unidade da realidade, não. O materialismo é um embuste porque o universo não é composto só por matéria, mas por potencialidades, e elas só nos chegam através da imaginação. Aliás, volta aqui um ponto de contato com aquela aula das presenças virtuais.

Aula 22 (05-09-2018) – 07-01-2019, Perugia

Essa aula contextualiza a nossa inserção dentro do movimento globalista e busca delinear os agentes históricos para que possamos ver para um pouco além do horizonte do próprio movimento. O Prof. diz que a bibliografia básica do assunto é composta pelas obras de Arnold Toynbee e Carroll Quigley.

Uma constante da história humana é o crescimento populacional, que leva ao encontro de culturas diferentes, sendo que as culturas maiores acabam absorvendo as menores. A partir de um dado momento, uma elite torna esse processo consciente e tenta planejá-lo, e isto é o globalismo.

O liberalismo econômico é uma ideologia que colabora com o globalismo, apenas de defender a maior liberdade individual e a livre empresa, mas ao defender o enfraquecimento dos estados nacionais acaba favorecendo a aparição de um estado global. A abertura dos mercados, por exemplo, cria uma série de regulamentos internacionais, e, para criar esses regulamentos, é necessário criar as instituições que imponham o cumprimento dessas leis.

Os movimentos políticos e as correntes de ideias não têm meios de lidar com o problema da globalização.

Agora entra um conceito fundamental de toda a filosofia política do Prof. Olavo que é a questão de diferença de poder entre os seres humanos. Como alguns podem controlar e ditar as vidas de milhões de pessoas enquanto outras mal podem cuidar da própria existência. Esse é outro ponto que já meditei muito na vida. Não há nenhuma outra espécie animal em que a diferença seja tão grande. No caso do ser humano ela é gritante. Outra constante na história humana é a do aumento da diferença de poder. E a tendência do poder é de centralizar-se. O sujeito que detém o poder também adquire uma capacidade de prever os acontecimentos na escala da sociedade inteira muito maior que os membros da sociedade, que podem ignorar completamente o imediato curso das coisas. O horizonte de consciência do planejador também aumenta ao longo dos tempos. O marxismo é ápice da expansão desse horizonte de consciência, que visa a criação de uma sociedade em longuíssimo prazo. Outro mecanismo que aumenta a diferença de poder é a ciência, pois o maior controle sobre a natureza não significa o domínio da natureza em si, que continua indomável, mas de outros homens. Há quase identidade entre o ideal científico e o marxista. A ciência se tornou autoridade porque tem o controle racional do processo cognitivo. Há duas tendências na ciência: interferir cada vez mais em debates públicos e ser o grande árbitro e a de especializar-se a um ponto em que os problemas internos da ciência não são transmissíveis na linguagem geral. Essa segunda tendência implica que a interferência da ciência em questões de ordem geral é, na verdade, irracional. Essa incompatibilidade é tratada por pessoas como Stephen Hawking, que tentam dar uma linguagem comunicável àquilo que não é comunicável. A tentativa de legislar em nome do incomunicável e ao mesmo tempo discutir em nome do incomunicável é outra constante do século XX. Ao mesmo tempo, o incomunicável depende de verbas estatais e de fundações privadas, trabalhando estritamente com a elite financeira internacional. O delírio da elite científica vai até o ponto do sonho do controle completo e absoluto do cosmos até o ponto em que surge a trans-humanidade, que não depende mas de seus corpos, mas cuja consciência é incorporada à matéria sutil do universo. Ou seka, o ser humano é uma criatura material que pode adquirir um espírito com ajuda da ciência. Como esses planos são feitos para longo prazo, que extrapolam a vida humana, estes controladores não podem eles próprios controlarem o futuro, de modo que o sonho por controle completo acaba criando o descontrole completo, além do fato de o autor não poder ser responsabilizado pelas ações, pois elas irão ocorrer muito depois da sua morte. Todas essas correntes globalista não têm controle sobre o futuro, mas apenas de ações de curto prazo que modificam drasticamente a vida dentro do prazo de duração da vida deles e que deixa efeitos incontroláveis para o futuro.

Todo o sistema acadêmico e universitário do mundo está encaixado dentro da Nova Ordem Mundial, porque as verbas de pesquisa são controladas por essas pessoas. O único jeito de estar livre dessa influência é não fazendo parte do sistema, criando seus próprios meios de subsistência e divulgação. Para isso é preciso uma força moral muito grande, o que significa não se deixar impressionar por absolutamente nada.

Aula 23 (13-09-2009) – 08-01-2019, Perugia

O fenômeno preponderante na loucura moderna é a projeção do espírito na natureza, que passa a representar o mundo interior do homem. Para Marx, por exemplo, que era materialista, a natureza é apenas a matéria-prima onde se passa toda a sua filosofia. No cientificismo, surge a ideia de que, como somente essa configuração de coisas do universo pode gerar a vida, e o homem, como é, então a conclusão é que o universo existe com o objetivo da existência humana. Como nessa representação não há Deus, então esse lugar também é ocupado pelo homem, que passa a ser não só o centro, mas também o senhor da criação. Vai ainda além, o homem é o princípio da criação do universo. O que é uma ideia bem estúpida, porque se o homem depende da existência do universo, então ele não pode ser o senhor. Com Deus é o contrário, ele é que antecede o universo. Daí decorre o desespero das classes cientificistas em fazer com o que o universo não morra, como um senhor que morreria de fome se os seus escravos desaparecessem. É bem idiota. Outro ponto, se Deus é o princípio da criação, e ele foi criado na Terra, então todo o poder humano, que seria o senhor do universo, irradia daqui. É óbvio que existe um elemento geocentrista aqui. Como isso vai aparecer mais pra frente… cenas dos próximos capítulos…

Dentro desse quadro, torna-se muito difícil que alguém se enxergue tomando as suas próprias reais dimensões, como uma minúscula partícula cujos atos mudam quase ou quase nada o rumo das coisas. Para a mentalidade moderna, invertida, isso é motivo de terror, porque o indivíduo se tornou o centro do universo. Eu adicionaria ‘do próprio universo’, essa inversão é também conseqüência do pensamento cartesiano e kantiano. Para quem não despreza a presença do Ser, essa é a realidade, muitas vezes reconfortante. E quantas vezes eu não pensei ‘ainda bem que sou nada, porque se a minha estupidez se propagasse o universo acabava’. Existe o homem, existe o universo que é ilimitado, mas não infinito (ainda preciso entender a diferença entre infinito e ilimitado… belos cursos de cálculo da faculdade, não? Ali as duas coisas são sinônimas, seria falta de cuidado com o vocabulário ou apenas que infinito é tipo como um conjunto com um número de elementos ilimitados? Pelo que lembro dos cursos, infinito era tanto o tamanho de um conjunto, o número de dimensões de um tensor ou números muito grandes. Todas as três coisas são sinônimas de ilimitado.) e o mediador entre os dois é Deus. Se não sentce-se nem mesmo a presença do universo material, como há de sentir-se a presença de Deus? A ausência do Ser elimina não só o universo da jogada, mas também Deus. Obviamente, o que sobra é somente o ‘eu’, que não pode se enxergar mais adequadamente, porque é apenas uma versão mutilada do todo. O medo perante o ilimitado é um fator principal para se extirpar o universo. A projeção disso, em maior escala é que a história humana se transforma no centro de todas as coisas, só que a história humana não existe porque ela não tem continuidade. Já foi dito algumas vezes que ela não existe porque existiram civilizações inteiras que não se comunicaram, de modo que não meios materiais de haver continuidade histórica. A única possibilidade de haver uma continuidade seria aos olhos de Deus, mas como ele não existe materialmente ou ela é retroativa ao próprio historiador ou não existe. Penso que o avanço tecnológico dê uma grande impressão de continuidade, porque olhando para a história do ocidente, esse parece ser um belo ápice, de onde se tem a impressão que tudo veio se construindo até chegar aqui.

Sem o senso de presença do Ser, some o senso da presença de si. Citando Giordano Bruno: se as pessoas insistirem muito no materialismo, elas duvidarão da sua própria existência. As opiniões e pensamentos a respeito de nós mesmos formam uma imagem já retocada inúmeras vezes, porque observar é uma ação que se faz muitas vezes, adicionando, retirando ou modificando elementos numa tentativa de aprimoramento da imagem. Isso é muito diferente de olhar, que é uma operação simples e direta, ou a intuição efetiva de si mesmo. Em geral, as pessoas têm uma imagem de si mesmas, uma auto-imagem, que são opiniões sobre si próprios. Um ser humano pode ser conhecido, mas não pode ser pensado. Aqui está um erro fundamental do mundo moderno.

“Se eu não me conheço por pensamentos e, ao mesmo tempo, eu não consigo ter uma visão intuitiva e imediata da minha totalidade, como é que eu me conheço? A resposta é simples: eu só me conheço como uma tensão que está indo em direção a alguma coisa. Este é o verdadeiro autoconhecimento.”

“à medida que você vai amadurecendo, vai pensando menos sobre si mesmo, porque aprende a aceitar essa informação que vem da simples tensão existencial da presença do Ser e da sua presença diante do Ser.

O que podemos saber sobre nós mesmos baseiam-se em analogias com coisas que já vimos e através da linguagem. As analogias veem das imagens originárias experiência, que compõem o seu dicionário imaginário. A linguagem é aprendida da sociedade. E por baixo disso há o que você realmente é, e essa parte não pode ser totalmente ignorante. Então existe o conhecimento inerente à sua própria existência e aquele que foi fabricado pelos pensamentos, que tenta traduzir o que você conscientemente aprende do que você é, o que você acha que os outros pensam de você e o que você acha que pensa dos outros. Obviamente, a tradução é extremamente imperfeita (devido as restrições da própria estrutura da realidade, já dito aqui inúmeras vezes).

Todas as mudanças que se passam no decorrer da vida dependem de uma forma inicial, e esta forma é imutável. (Isso aqui, nitidamente tem duas inspirações: noção de forma aristotélica e predisposição da personalidade, no sentido astrológico. Faz sentido a primeira levar à segunda) Todas essas mudanças precisam ser compatíveis com essa forma inicial. Aquilo que você é uma forma permanente que comporta todas as mudanças. Aqui me surge outro problema. A nossa atenção é picotada, conforme vimos nas aulas anteriores, então a percepção da unidade do real depende da imaginação. Por conseqüência, a nossa própria auto-imagem vai sofrer deste problema, de modo que nela há também o problema de unidade do ‘eu’ que tem que ser completado pela imaginação. Parece que esta é uma função primordial da auto-imagem. Na verdade, tentar achar a unidade do ‘eu’ conscientemente parece induzir mais erros do que acertos porque cada tentativa de criar essa unidade vai fazer surgir novas descontinuidades e isso vira uma bola de neve.

O conhecimento que a parte substantiva tem de si mesmo chamamos de consciência profunda, que o simbolismo antigo chama de coração. Agora há pouco me questionava se o que realmente é seria o inconsciente, porque não é verbalizável. Está claro que, para o Prof. Olavo, não verbalizável não tem nada a ver com inconsciente. Acho que na próxima aula ele vai deixar claro que não acredita no inconsciente. Aliás, esta aula acontecia enquanto ele preparava o curso de psicologia, de onde vemos a influência clara do assunto na aula.

Existe uma essência que é muito parecida em todos os seres humanos, que é um princípio de igualdade humana. Por outro lado, temos também o princípio de diferenciação humana, que é dado pela cultura e pela experiência. Quanto mais adaptado a um grupo social, mais longe o sujeito está da própria substância. Perde-se o senso de dimensão, a noção entre a pequenez física do homem a capacidade de se comunicar com a presença do Ser. Só o ser humano tem a experiência consciente da presença do Ser. Tudo o que foi feito em arte, religião e filosofia é para forçar a parte aprendida a se tornar um canal do coração. Quando se perde a capacidade de sentir a presença do Ser, interpreta-se outras pessoas como sua própria construção mental, que leva a uma vida sub-humana, no sentido de que há sempre um conflito entre as auto-imagens, que desemboca numa convivência baseada no medo. Tá aqui uma coisa predominante no Brasil, e é um sintoma claro de desimaginação.

Aula 24 (19-09-2009) – 09-01-2019, Perugia

O Professor recomenda fazer esta aula mais pra frente.

Aula 25 (26-09-2009) – 09-01-2019, Perugia

Essa aula é sobre a ética durante a formação no seminário. O Prof. orienta a evitar qualquer tipo de discussões, e, principalmente emitir opiniões. Ainda não temos formação nem material suficiente para que entremos em discussões com outras pessoas. Não devemos nos precipitar em lançar obras ou estudos, porque elas podem se mostrar passos em falso, e até cita como exemplo o Eric Voeglin e as primeiras obras do Mario Ferreira dos Santos. Também devemos ter cuidado porque estamos ficando cada vez mais fortes, então podemos criar situações ruins com pessoas despreparadas. Eu mesmo acho que já sequelei uma galera. Devemos ainda, nos preparamos para os debates reais que enfrentaremos no futuro, que exigem o domínio de ferramentas e técnicas de debate. Não há motivo para discutir com idiotas nessa altura. Os motivos para discussão devem ser aqueles de utilidade pública, como humilhar os retardados do meio acadêmico.

“o que você está fazendo é deixar-se inspirar pelo vislumbre que você tem da unidade do real para, com base nessa unidade do real, construir a unidade da sua própria consciência, da sua própria pessoa, da sua própria personalidade; e de tal modo que essa unidade da personalidade sirva por sua vez de instrumento interpretativo, pelo qual as experiências subsequentes se tornem mais luminosas e mais claras para você”.

O Prof. comenta de atitudes intelectuais falsas como a técnica de decomposição de texto usado na USP, que na verdade é uma técnica de decomposição da inteligência e do cepticismo, que é a arte de inventar uma narrativa baseada em infindáveis perguntas que são, na verdade, apenas um teatro. O céptico sempre exige a coerência lógica absoluta de algo que em si mesmo não é lógico. Todas as objeções do céptico dizem respeito ao discurso e não ao fato. O Prof. segue com uma demonstração do método de leitura lenta e imaginativa com um texto de Kurt Lewin para contrastar com a decomposição de textos.

Aula 26 (03-10-2009) – 11-01-2019, Perugia

Tudo neste curso gira em torno do conceito de consciência, e a inteligência é apenas o seu exercício. O objetivo deste curso é ampliar a consciência pela ação. A ideia comum da psicologia do século XX é de que a consciência é composta por inúmeros mecanismos complexos, que é, evidentemente, falsa. Essa ideia nasce com Schopenhauer e com Freud. Baseado nisso, a consciência é um conceito exterior à psique, ou seja, a consciência é apenas uma parte da psique, e esta poderia existir sem a consciência. A consciência é uma força agente. A capacidade de ter consciência é o que define a psique. É preciso eliminar a noção de que existe uma psique inconsciente e de que o consciente é apenas a superfície. Os sonhos são apenas encadeamento de imagens captados pela consciência, eles não têm conexão entre si. Os sonhos também são sujeitos a fatores do ambiente, como a temperatura, ou a posição do corpo, etc, de modo que alguns dos símbolos que aparecem durante os sonhos possam ter essa causa e não necessariamente algo gerado pela psique. Os fatores ambientais são, na verdade, a causa principal dos sonhos. Os dados da consciência de vigília se distinguem dos dados do sonho e do devaneio apenas pela sua maior estabilidade e reprodutibilidade. A única diferença do material onírico para o de vigília é a sua estabilidade. Os escolásticos diziam que nada está no pensamento que primeiro não tenha passado pelos sentidos, mas também nada está no pensamento que não tenha passado pela imaginação, levando em conta o conceito amplo de imaginação que inclui a memória. Portanto, os estímulos sensoriais e a atividade onírica nos dão a matéria-prima de tudo que pensamos e sabemos. No fim das contas o necrológio, a leitura lenta, o sonho acordado dirigido nada mais são que técnicas baseadas no devaneio.

Dentro deste quadro, entra a estrutura das possibilidades. A estatística é uma gradação quantitativa dessas possibilidades. Aquilo que é possível ainda não aconteceu, mas está dada dentro das possibilidades da imaginação. Aquilo que parece estranho, na verdade, é algo que perante a nossa consciência parece ter uma possibilidade muito baixa de acontecer.

A nossa imagem do mundo consiste, sobretudo, numa estrutura de possibilidades. Isso demarca o horizonte de consciência, no sentido de consciência refletida, aquilo que você é capaz de reconhecer. Estamos trabalhando, então, com a razão refletida, na consciência de vigília. O horizonte de consciência é determinado pela estrutura racional que você fez do mundo possível. O universo do pensamento lógico é uma combinatória de regras que demarcam o mundo da possibilidade. A única coisa que nos dá realidade é o mundo das sensações e imagens oníricas, não conhecemos nenhuma realidade fora disso. Sim, porque a percepção da unidade do real se dá pela imaginação. Apreendemos as coisas pela sua forma substancial. Existe uma harmonia entre a forma e as propriedades de um objeto que é imediatamente apreensível e corresponde exatamente à estrutura real das coisas. Perceber uma coisa é perceber o potencial que ela tem de agir ou de sofrer uma ação. O ego é uma estabilização narrativa da consciência.

Uma das tendências modernas é forçar a adaptação à racionalidade organizada da vida exterior que o sujeito perde a capacidade de fazer a transição entre a sua consciência dispersa (estado onírico) e sua consciência focada (vigília). Não sei se anotei, mas anteriormente o Prof. disse que a diferença entre o estado onírico e o de vigília era que no segundo temos a capacidade de prestar atenção às coisas, ou seja, a única diferença entre os estados e no foco que damos ao que nos vem à consciência. O que é interessante, porque se no estado onírico não conseguimos organizar a realidade significa que a capacidade de buscar a unidade do real, que só existe no estado de vigília, só pode depender dessa capacidade de foco, de prestar atenção. No fundo, prestar atenção é somente concatenar coisas afins, que é a própria estrutura do mecanismo de unificação do real. Reconhecer o ser humano como agente gerador de fatos e situações é a condição número 1 de uma psicologia que se pretenda científica.

Aula 27 (10-10-2009) – 13-01-2019, Perugia

Essa aula fala da distância entre a forma inteligível e da forma sensível. Por exemplo, um objeto, quando o vemos, o identificamos de acordo com algum gênero de coisas. Quando olhamos uma calculadora, sabemos que é uma calculadora imediatamente, mas para apreendermos o que significa ser uma calculadora, temos que remover aquelas características que são acidentais, como a cor, daquelas que são a forma da calculadora em si. Este é o problema. É nesse sentido que Aristóteles diz que o conceito é mais distante dos sentidos do que a forma. “a forma sensível está dada imediatamente aos sentidos e a forma inteligível está dada imediatamente à inteligência naquilo que os sentidos percebem. A prova de que não é a mesma coisa é que nem tudo o que você vê você sabe o que é.” Mas, do ponto de vista da origem do conhecimento, ambas as coisas estão juntas porque sao percebidas imediatamente.

Em seguida, o Prof. volta ao assunto da unidade do real e como ela é, necessariamente, uma coisa que está acima da nossa percepção, num mundo supra-sensível. Não temos a capacidade de perceber com os sentidos a unidade do real, a continuidade dos eventos, nem mesmo a identidade de um mesmo ente identificado com dois sentidos diferentes. Esta unidade já é dada de antemão pela própria realidade. Os sentidos são descontinuidades e a forma inteligível é uma continuidade.

O Prof. então explica como se passa da noção Kantiana da falta de unidade do real para o subjetivismo. Segundo Kant, “a unidade do real não é percebida, é um esquema pre-existente na mente humana que o projeta sobre os dados fragmentários do mundo sensível conferindo-lhes assim uma forma unitária que por si mesmos eles não têm.” Ou seja, Kant diz apenas que a nossa mente tem a capacidade de ordenar os fatos sozinha e que ela não faz isso conscientemente. Pra mim, dizer que a mente faz uma coisa tal, e depois dizer que ela faz inconsciente, é cagar no tabuleiro pra ganhar a partida. Primeiro a mente organiza tudo de acordo com o modo como ela própria quer. Como Kant não é capaz de descrever como ela faz isso, joga em cima ‘ah, é inconsciente’. Não tem como levar uma coisa dessas a sério. É pueril demais. A unidade do ser seria, segundo Lant, criação humana. E essa unidade corresponderia a alguma unidade no mundo real? Como a nossa percepção seria inventada, essa peegunta não tem resposta no universo kantiano. Daí Kant caga no tabuleiro de novo, dizendo que esta faculdade é a mesma em todos os homens. Deste conceito surge a ideia de consenso, que é o que vai balizar o ideal de consenso científico. Como não há meios de se averiguar a unidade do real, substitui-se a veracidade pelo consenso. Se é possível conhecer as coisas apenas por consenso, então é preciso haver um consenso sobre o consenso, e este requererá outro consenso e assim por diante num loop infinito. Se todas as atividades cognitivas humanas são apenas jogos, a ciência também precisa ser um jogo.

Aula 28 (17-10-2009) – 14-01-2019, Perugia

Essa aula é sobre os obstáculos ao aprendizado. O Prof. diz que não devemos nos preocupar com inépcia, que esse não é o caso do brasileiro. Essa eu truco. Não é o que tenho visto, inclusive, entre alunos do COF. A base da educação proposta no curso é a prática contínua da confissão, procurando dentro da própria alma quais hábitos negativos estão impregnados na nossa conduta. A observação desses hábitos é, ao mesmo tempo, um estudo sociológico porque dentro de si estão os mesmos reflexos do restante d sociedade, de mostro que a própria alma serve de amostra para o restante da sociedade.

Como exemplo de um destes aspectos, vejamos como era a educação clássica. No século XII houve um grande renascimento intelectual com Santo Tomás de Aquino, Duns Scot, etc. Apesar de se ter acreditado por muito tempo que ele foi espontâneo, é necessário que antes tenha havido algum outro movimento. Os próprios autores do renascimento do século XII atribuem o seu sucesso aos seus antecessores. Recentemente, descobriu-se que houve uma geração de precursores nos séculos IX, X e XI, mas que o foco do seu trabalho não eram as obras filosóficas escritas, mas a formação de pessoas, por isso que não existem muitos documentos da época. Havia toda uma noção pedagógica extremamente profunda nesse período, e um dos princípios guiadores era o de que a virtude possa ser ensinada. Virtude vem vir, em latim, que significa varão, portanto nada tem a ver com a conotação de bom mocismo que temos hoje. O texto, neste período, não era o principal instrumento ou objeto de estudo. Isso só passou a acontecer com a escolástica lá pelo século XIV.

Um aspecto muito importante deste ensino era o de que ele via o homem como um ser integral de corpo e alma, e a educação partia mesmo do corpo. Os anjos não possuem corpos, o que significa que eles não podem ser mortos, presos, torturados. Então, para os anjos, não pode existir a virtude da coragem, porque para eles não há nenhum risco. Essa é uma virtude inerente aos homens e, por isso, seria motivo de ‘inveja’ (não em sentido pejorativo) para os anjos. Daí a gente passa a vislumbrar porque virtude vem de vir. A educação precisa começar pela tomada de posse do corpo, de modo que tudo nele, gestos, fala, postura reflitam a presença de espírito. O corpo deve transmitir aquilo que o espírito deseja que seja transmitido.

O homem tem a capacidade de transcender infinitamente o mundo das experiências sensíveis, sendo capaz de captar coisas muito mais profundas e abrangentes do que o mundo imediato que chega a ele. Isso sempre foi assim, não há indícios de que não, inclusive documentos egípcios muito antigos provam que o modo como o homem enxerga a transcendência não mudou muito nesses milênios todos. Se o corpo não reflete este estado de espírito, e, ao contrário, toma a dianteira com os seus próprios instintos, então o homem fica preso ao seu mundo imediato, tacanho, como um animal. O homem é um animal metafísico. Se o corpo não é adestrado, então o homem se torna uma besta de duas cabeças. O ensino desta época visava justamente buscar a unidade do ser humano, por isso começava por educar o corpo para que ele se torne dócil ao espírito. A educação burguesa moderna apenas coloca o corpo numa camisa de força, tenta padronizar a todos pra que não se destoe muito do restante. O Prof. cita como exemplo uma recepção moderna, em que todos se vestem iguais, e uma recepção medieval na qual cada um portava um escudo da família. Do mesmo modo, as normas de polidez agem da mesma forma. O objetivo sempre é não chamar a atenção. Na sociedade brasileira, há a tendência da animalização e completo descontrole do corpo. Não é a toa que todas as danças brasileiras dos últimos 10 anos consistem apenas em empinar a bunda e rebolar. A coisa foi caindo desde o rebolado elaborado, passou por Carla Perez e chegou na Anitta. Esse é o padrão de comportamento, que é basicamente apenas sexual e sem muito controle motor, que tomou conta da cultura brasileira.

Aula 29 (24-10-2009) – 15-01-2019, Perugia

A alta cultura de um país é sempre feita por um número restrito de inteligências autônomas dotadas de criatividade, geralmente 5 ou 6 pessoas, e de um grupo que não tenha a mesma capacidade imaginativa mas que consiga acompanhar o primeiro grupo. Estas pessoas capazes, mas com menor imaginação dão o suporte para que exista a compreensão das pessoas que criam a alta acultura. Bastam apenas algumas centenas de pessoas num país para que a alta cultura possa se sustentar. No Brasil acontece um fenômeno muito peculiar, no qual as grandes obras são isoladas do restante da cultura. A inteligência autônoma é aquela que não precisa de aprovação do meio, pois ela se comunica com as grandes inteligências da humanidade. Não existe conceito matemático que equivalha a uma causa, que é um conceito metafísico que supõe uma visão integral da estrutura da realidade. O que se entende por ordem cósmica hoje nada mais é que a visão newtoniana, mecanicista, matematizada. Hoje existe a ideia predominante de que só é real aquilo que pode ser matematizável, no entanto apenas aquilo que é matematizável é considerando, e todo o resto rejeitado como mitologia.

Há então o casamento entre Newton e Descartes, porque só existem duas certezas admissíveis: as coisas só funcionam matematicamente e ‘penso logo existo’. A experiência subjetiva do eu passa a ser fonte de certeza. Por fim, Kant coloca que a unidade real é uma criação mental do ego. Isso coloca qualquer pessoa, por mais desqualificada, como padrão da ordem universal, desde que raciocine de acordo com a visão cosmológica newtoniana. Quando se junta tudo isso, o resultado é uma sociedade que vive do consenso Kantiano. Por isso todo o contato com a realidade é perdido em favor de uma referência social, que é o tema dos exemplos que o Prof. dá durante essa aula.

Aula 30 (31-10-2009) – 16-01-2019, Perugia

Nesta aula, o Prof. fala sobre o desaparecimento da cultura no Brasil, que foi completamente extinta em duas gerações a partir da década de 1960. Apenas a geração intermediária, a dele, pode notar o que aconteceu porque ela teve contato com aquela que ainda tinha uma boa produção. As gerações mais novas perderam completamente esta noção, e caminharam para o estado atual de confusão.

A retórica parte das próprias convicções do público e adiciona mais alguma coisa que se deseja que o pública passe a crer. No Brasil se disseminou a ideia de que a retórica é a arte de se partir de qualquer premissa e convencer o leitor justamente do contrário. Ou seja, a retórica seria uma técnica elegante de mentir. Essa técnica, de tornar uma ideia que ninguém acredita em uma verdade banal, se chama erística, e ela é feita através de propaganda, mídia, shows de TV e assim por diante. Conhecemos bem várias campanhas dessas atualmente.

No Brasil se usa as palavras de acordo com a impressão emocional que elas causam, sem referência direta ao objeto de que se trata. A retórica é um exemplo. Outro exemplo é dizer que há uma diferença de ideologias quando aparece uma discordância. Ideologia toma um sentido de identificação com certos grupos de pessoas e ideias.

A infiltração comunista no meio intelectual foi a origem da corrupção intelectual brasileira. A classe intelectual foi instrumentalizada pelos militantes do partido comunista, que passaram a operar esquemas de desinformação. Quando isso aconteceu, o coeficiente de sinceridade dos debates diminuiu muito, e, com ela, morreu o resto, sobrando apenas os instrumentos da dominação gramsciana. Gramsci entende que toda a cultura, arte, etc como instrumentos da conquista hegemônica comunista, e foi exatamente o que aconteceu. A crença geral entre conservadores, liberais, cristãos é que basta ser contra o comunismo para estar imune a isso, o que é uma ingenuidade, porque foi destruída justamente a linguagem, que é o meio de propagação das ideias. Para que a estratégia de dominação tenha sucesso, a linguagem não pode mais aludir diretamente às intenções e sentidos dada pelos interlocutores, mas precisa ser um instrumento capaz de produzir o efeito por si mesma sem referência à realidade. Ela camufla o emissor e os seus objetivos. A forma e o esquema desse raciocínio se impregnam nas pessoas, que terminam por imitá-lo.

“a característica desse tipo de mentalidade doente é ver as coisas muito compactamente, por impressões subjetivas onde se aglomeram vários maus sentimentos, todos condensados, e quando ele expressa isto numa forma que lhe parece uma afirmação lógica, na verdade sem lógica alguma, trata-se não de uma idéia, uma convicção, que ele tenha— como no caso que eu citei entre acusado e acusador—, mas sim de um mau sentimento absurdo que está sendo expresso, que, se percebido, far-lhe-ia sentir-se envergonhado e nunca dizê-lo em voz alta, mas para o qual no momento ele conseguiu uma camuflagem lógica.”

Essa camuflagem lógica necessariamente precisa ocultar a real intenção, então a mentira inicial precisa ser esquecida, num processo de neurose. A análise dialética dos discursos desses indivíduos permite descobrir qual é a premissa oculta neles.

Aula 31 (07-11-2009) – 17-01-2019, Perugia

Forma, para Aristóteles, é a fórmula, o princípio de funcionamento, o algorítimo que faz alguma coisa ser uma determinada coisa. Ela não coincide com a figura, ou o formato. O exemplo é uma mão amputada, ela tem a figura de mão, mas não é mais uma mão porque perdeu as suas funcionalidades, ou as suas potencialidades. Ela não pode mais se mover, ou sentir coisas, então não é mais uma mão. O conceito de mão é anterior à existência de qualquer mão. Do mesmo modo vale para objetos inanimados. Você não pode fazer um determinado objeto antes de imaginá-lo. Então existem dois conceitos distintos, a forma e a matéria. Para haver dois copos, é necessário que exista um conceito de copo e dois pedaços de matéria que se comportem como copos. E uma gambearra, como fica? Se eu uso um livro pra calçar um monitor, o livro tinha tando a forma de livro quanto de calço. A mesma matéria já tinha duas formas diferentes. Então o mesmo objeto pode ter várias formas diferentes. Uma das coisas que a gente mais gostava no laboratório era essa brincadeira de achar diversas formas para o mesmo objeto! Pra mim esse assunto parece bastante óbvio, mas acho que é porque é uma coisa que eu uso desde que me conheço por gente. Sempre me interessei por achar as essências das coisas além das aparências.

Freud dizia que temos o ‘princípio do prazer’ e o ‘princípio da realidade’. Bion acrescenta que há um outro, superior a esses dois, chamado ‘instinto da verdade’. Aristóteles dizia que conehcer a verdade é natural no ser humano. O princípio de realidade, por si só, não tem poder de persuasão. É necessário justamente este instinto de verdade para que o indivíduo consiga se persuadir das coisas. O princípio da verdade depende da referência ao absoluto e imutável.

Existem três tipos de distinções, segundo a filosofia grega: real-real, real-formal e formal-formal.

O ser humano possui uma capacidade divinatória, apontada por C. G. Jung. Dr Muller dizia que sem essa capacidade o ser humano não consegue mais entender a realidade.

Aula 32 (14-11-2009) – 21-01-2019, Perugia

Nesta aula o Prof. fala de uma técnica de relaxamento que ele criou com o intuito de criar um estado de consciência de vigília antes do sono, de modo que possamos estimular os nossos sonhos. Estes sonhos são muito úteis por que eles formam o nosso material simbólico, que permitirão interpretar a realidade mais tarde. Não devemos interpretar os sonhos, pois eles são, em si mesmos, portadores de significados.

Na segunda metade da aula, o Prof. pretende dar uma perspectiva historicamente organizada da sua obra. Ele começa por expor o seu trabalho por Aristóteles e contrastar com a produção acadêmica nacional, insignificante.

Toda o método científico é a dialética de Aristóteles. Quando Galileu começou a usar o método Aristotélico, ele achou que o havia superado porque era capaz de matematizar os fenômenos. Mas Aristóteles dizia que a matemática não era boa para descrever os fenômenos naturais porque estes não são exatos. Isso voltou embutido, principalmente, na mecânica quântica, que depende do princípio da incerteza de Heisenberg, que nada mais que é a definição matemática da visão Aristotélica. Mais adiante, surge a teoria do caos. A diferença entre Aristóteles e as ciências modernas, é que hoje possuímos ferramentas matemáticas que permitem descrever a exatidão à qual Aristóteles se referia. Mas, o fato de ser necessária uma ferramenta matemática para estudar os fenômenos inexatos provam que a visão de Aristóteles era correta. Se eu entendi corretamente, Newton e Galileu acreditavam que a natureza era, digamos, exata, e que por isso a matemática seria a ferramenta natural para o seu estudo. Aristóteles dizia que os fenômenos naturais eram inexatos, ou seja, havia neles uma componente de desordem implícita, e que por isso a matemática não era adequada. Mas, ela não era adequada no tempo de Aristóteles. Mais tarde, esses instrumentos surgiram e conseguiram descrever os fenômenos, mas estes continuam inexatos, apenas sabemos dizer o quanto inexatos são. Uma nota lateral é que estamos falando como se Newton, Galileu e Aristóteles fossem contemporâneos. Aqui se vê, claramente, o que significa o debate atemporal das ideias superiores. Homens de diferentes épocas confrontados como se fizessem parte da mesma. Isso é um indício de que a discussão é sobre alguma matéria atemporal.

Como o país ficou 30 anos sem que ninguém discutisse seriamente Aristóteles, não pode saber dessas coisas. A visão que se tem de Aristóteles, então, se resume ao mito da renascença.

O processo de abstração, segundo Aristóteles, começa com a condensação simbólica das formas que sintetizam o indivíduo. Ou seja, quando se vê um objeto, junto das aparências individuais mais o conceito de espécie. Na memória, a imagem deste objeto não se refere necessariamente a este objeto, mas de qualquer objeto daquele gênero. É a passagem do individual para o universal. A forma concreta do indivíduo lhe permite captar nele a espécie a qual pertence, mas a espécie não pode aparecer sozinha, ela só pode aparecer com a forma concreta. Não é possível visualizar a forma inteligível, apenas abstraí-la da forma concreta. Forma concreta, por exemplo, um indivíduo gato, o Jão. A partir do Jão eu posso conhecer a forma inteligível da espécie gato, e depois identificar essa forma na Pipi. Nos dois casos, a forma inteligível e abstrata de gato surge simultaneamente, e inseparavelmente, das formas concretas Jão e Pipi. Este é um paradoxo que só pode acontecer na imaginação e, segundo Aristóteles, esta é a origem da possibilidade do conhecimento científico e da subida até os conceitos universais. Porque o conhecimento científico depende justamente da abstração a partir do concreto. Um experimento que teste uma teoria tem essa característica. A teoria é uma abstração, uma tentativa de captar alguma espécie à qual aquele fenômeno pertence. Ainda, segundo Aristóteles, a inteligência não pode atuar sobre os dados dos sentidos, mas somente sobre a memória, de onde extraímos o conceito universal. Em suma, individualidade e universalidade são inseparáveis. O singular é condição para a manifestação do universal, e o universal é condição para existência do indivíduo. Ou seja, a singularidade ou individualidade absoluta é impossível.

O conhecimento do mundo se dá pelos fatos, mas fatos não são explicações, portanto, também não são conhecimento. Na busca da compreensão dos fatos se extrai a forma inteligível. E aqui entra a capacidade da imaginação de interpretar a unidade do real. Conhecimento é a orientação geral dentro da hierarquia dos valores cognitivos. Só existe conhecimento dentro de uma hierarquia geral. Nesta parte, ele relata a experiência do Bruno Tolentino que era basicamente a ruptura entre fato e ideia. Ele retorna a a esta ideia comentando a obra de Piaget, que também comete este erro, dizendo que o conhecimento só pode ser dado pela ciência experimental. Como no mundo de Aristóteles não há este salto entre as duas coisas, a solução para este problema deveria estar ali. A solução vinha do discurso poético simbólico. É preciso haver a linguagem do mito e da poesia antes de haver filosofia, porque o mito é a condensação da verdade e do erro, a expressão mais direta da experiência tal como se conserva na memória. A função do conhecimento científico é poética. Ele vai fornecer direções da experiência. A linguagem poética é apenas uma variação da linguagem simbólica. Aqui entram os estudos sobre alquimia e simbolismo astrológico do Prof. Olavo. Existe a linguagem astrológica, que representa um simbolismo que está espalhado por todas as coisas e existe o fenômeno astrológico, isto é, a influência dos astros sobre as coisas. A linguagem astrológica é um instrumento poético de expressão de unidade do cosmo. Nela esta a cosmovisão das antigas civilizações cosmológicas. Então a astrologia entra aqui porque ela é uma espécie de linguagem poética primitiva, resíduo das civilização cosmológicas e presente até hoje. O trabalho do Prof. com astrocaracterologia tinha o objetivo de separar a linguagem astrológica do fenômeno astrológico. O objetivo do Prof. é “achar o caminho que vai da experiência do dualismo até um senso de reintegração da ordem divina”. Mas não é possível fazer isso sistematicamente, criar um um sistema filosófico que reintegre tudo. Os sistemas da filosofia criados desde a renascença sempre caiam no abstratismo da ideia.

Então, até agora, podemos citar dois elementos da filosofia do Olavo. Um é a impossibilidade de separação entre individualidade e universalidade. Outro é a separação entre fato e conhecimento. Conhecimento é a ordenação dos fatos dentro de uma hierarquia.

O Prof. faz uma lista dos 18 problemas principais que ele lidou na vida: relação entre ciência e filosofia; relação entre poesia e filosofia; teoria dos quatro discursos; teoria dos gêneros literários; astrocaracterologia; a teoria da verdade como domínio; teoria do sujeito da história; a teoria do império; teoria do poder; teoria do direito; teoria da origem da autoridade; teoria da moral baseada no princípio de autoria; conceito de psique; a contemplação amorosa; paralaxe cognitiva e mentalidade revolucionária.

Aula 33 (21-11-2009) – 22-01-2019, Perugia

A finalidade da filosofia não é produzir obras, mas descobrir coisas. A filosofia está fisicamente presente no filósofo e não nas obras escritas dele, como se dá em literatura. A obra de um filosofo nunca poder ser fechada pela própria natureza da filosofia, já que a própria realidade é muito maior que o filósofo. Então, buscar a unidade do pensamento de alguém é impossível, ainda mais levando em conta esse fato de que nem tudo o que foi pensado foi expresso, e quando foi expresso, o foi de maneira parcial e imperfeita, devido às dificuldades intrínsecas da linguagem. Com o tempo, ideias que estavam implícitas em certas filosofias podem ser desenvolvidas por outros filósofos, por exemplo. Além disso, muitas vezes, podem ser encontradas informações preciosas fora das obras filosóficas do sujeito, como em correspondências, por exemplo. Certos pontos podem ser esclarecidos e outros novos, baseados naqueles, podem surgir. Então, em filosofia, não adianta muito fazer um estudo histórico baseado em textos como obras fechadas. É preciso tentar compreender o status quaestionis, ou seja, qual a evolução da questão, e não do pensamento de um determinado autor, para tentar rastrear o atual estado em que se encontra o problema. Um enfoque é se basear no autor e outro na questão. O segundo é o método mais adequado, apesar de abarcar muito mais material e pesquisa, porque, provavelmente, se estudará muito mais coisas do que apenas de um autor. Os autores que constituem o status quaestionis possuem referências entre si. São esses autores que nos interessam.

Na segunda parte, sobre o disdascalicon, tornamos ao tema do ‘cavar onde se está’, no sentido de que o conhecimento vem se procurarmos dentro de nós mesmos, que a sabedoria é a faculdade de procurar o eterno na própria alma. O Prof. fala bastante sobre o tempo e espaço absolutos newtonianos como conceitos opostos à eternidade e como o raciocínio mecanicista nos impede de enquadrar os fatos nesta perspectiva. Dá o exemplo da teoria da gravitação como exemplo da inversão de raciocínio quando é suprimida a causa final, a vontade natural do corpo, pela causa imediata, por uma força de atração. Com isso, a mentalidade moderna não é capaz de abarcar a concepção de mundo de Hugo de São Vitor. A lição desta aula é que não podemos perder a noção da eternidade, porque é nela que se encontra a sabedoria, ou o Logos Divino.

Aula 34 (28-11-2009) – 23-01-2019, Perugia

Mais uma vez, voltamos no tema da confissão como purificação da percepção. Esse é um assunto que já refleti bastante também, acho que não vou ter muito o que anotar, além desta temática já ter sido discutida várias vezes anteriormente.

A consciência é o único instrumento para a aquisição do conhecimento, a função da confissão, não no sentido católico propriamente dito, é o de aumentar o nível de consciência, removendo da narrativa as falsificações. A consciência busca dar unidade ao conjunto do conhecimento, e este conjunto acaba revelando a própria unidade da consciência. A filosofia é essa busca por unidade.

Autoridade é quem conhece a verdade sobre um assunto, poder é a capacidade de fazer outras pessoas agirem.

O resumo desta aula é o seguinte: todas as nossas decisões devem ser tomadas levando em conta todo o nosso conhecimento, e não temos o direito à ignorância voluntária para nos eximirmos das responsabilidades. Todos os nossos atos devem estar em harmonia com o conjunto do nosso conhecimento. Deve-se evitar a todo custo a fragmentação da personalidade através de divisão de papeis sociais. Não podemos nos comportar como conservadores num campo, moral por exemplo, e pragmatistas capitalistas no campo financeiro, fazendo, por exemplo, alianças com comunistas. Tudo deve ser um conjunto único e harmônico, do começo ao fim. No fim das contas, essa é a história da minha vida. Eu sinto uma pressão psicológica terrível toda vez que estou em alguma coisa que contraria as minhas convicções. Acho que, de todas as aulas, essa é a que compreendo melhor, e, por isso, foi a que fiz menos anotações.

Aula 35 (05-12-2009) – 24-01-2019, Perugia

Essa aula volta ao tema da leitura lenta e reconstrução imaginativa da leitura filosófica. Voltamos ao lema: para entender um livro é preciso ler muitos livros. É necessário que se acumule um número muito grande de informações para que se comece a recompor adequadamente as obras de filosofia. Durante o processo, naturalmente, ocorrerão erros, mas não existe outro caminho. A conquista do ensino superior é a aquisição desse conjunto que permite adentrar na esfera da alta cultura. A linguagem, para ser adequada à filosofia, deve ser aprendida num sentido profundo, que não é possível com os sistemas de ensino padrão das escolas de idioma, que apenas faz alguns circuitos neurais para se responder adequadamente a certas situações. Por exemplo, usando o Babbel, Duolingo, ete., este é o método. O Prof. diz que o melhor é tentar fazer as traduções realmente, tentando encaixar os textos da melhor maneira possível ao nosso imaginário. De certo modo, já consigo fazer bastante disso em inglês. Tanto que, dependendo da situação, eu tenho as imagens mentais corretas em inglês mas não em português.

Revolução, na linguagem popular, é um processo que ocorre repentinamente e com resultados positivos. No mesmo sentido da fé metástica definida pelo Voegelin. Entretanto, na realidade, nenhum processo revolucionário é assim. Eles resultam de um longo processo político e social e nunca terminam bem. Esse sentido de revolução como repentina e auspiciosa é fruto puramente da propaganda revolucionária. Entretanto, esse sentido, completamente equivocado, é aquele que se encontra em todo local. Isso é uma hegemonia.

Existem três poderes: intelectual ou espiritual, político-militar e econômico. O poder intelectual demarca as possibilidades de concepção e percepção das pessoas, funciona a longo prazo e pode desencadear seus efeitos após séculos, portanto ele não é um poder pessoal. Tudo o que o poder militar ou econômico faz já foi demarcado pelo poder intelectual anteriormente estabelecido. Isso é bem análogo ao modo como nós mesmos agimos. Primeiro, precisamos nos convencer da veracidade de uma ideia, avaliar todas as suas possibilidades e aplicabilidades, planejar os passos, delimitar as ações, para, só então, partimos para a ação propriamente dita, que é o campo onde estão os outros dois poderes. O poder intelectual é uma espécie de poder póstumo (e etéreo, dá a impressão, para o espectador comum, que ele não existe. As pessoas raramente concebem que os atos delas são conseqüências de ideias que um sujeito teve há 200 anos.) A hegemonia, então, é um poder intelectual criado surgiu há muito tempo e abrange toda uma civilização. A palavra revolução é um exemplo nítido de como uma ideia se alastrou e dominou todo o ocidente. Junto com a palavra, o imaginário das pessoas é moldado pelo seu significado.

Todo o pensamento moderno foi dominado pela ideia mecanicista newtoniana. Ela vem do iluminismo, surgiu dos grupos ocultistas e acabou por dominar todo o nosso pensamento, até culminar na escola analítica. Praticamente todo o modo como vemos o mundo hoje, com a inversão cognitiva que já foi relatada anteriormente, vem daí. Essas informações já estavam dadas nas aulas anteriores, mas nesta o contexto é de como elas se propagaram e se tornaram hegemônicas. O tem central desta aula é o poder intelectual, e como o poder desses grupos ocultistas dominaram o ocidente após 300 anos. O conceito antigo de ciência era o de dar um significado aos fatos. Quando surge o mecanicismo, então todo o significado já está dado, o universo é uma imensa máquina, basta apenas descrever o funcionamento de cada uma de suas partes. O iluminismo transformou a paralaxe cognitiva em mentira estrutural. Galileu dizia que não inventava hipóteses, mas o próprio plano inclinado sem atrito é uma. Já Voltaire criou a mentira sistemática. Ele sabia que estava mentindo. Pode se ver facilmente que esta é a tônica da hegemonia cultural moderna, na qual o marxismo é a produção de mentiras em escala industrial.

Aula 36 (12-12-2009) – 25-01-2019

O professor dá um resumo sobre a Nova Ordem Mundial e a estratégia de implantação de uma religião unificada depois da crise criada pelo ateísmo.

Existe uma evolução da personalidade do homem correlacionada às necessidades da época histórica. Durante a colonização americana, o mais adaptado era o homem tradicional, apegado às tradições, terra, etc. Durante a expansão para o oeste surgiu o self-made man, e mais tarde, o homem organizacional, esse tipinho moderno desprezível, o homem-formiga, que faz a sua função dentro de uma grande organização sem incomodar ninguém. Uma versão ainda mais intensificada do homem organizacional é o objetivo da Nova Ordem Mundial.

O meio social moderno opera na base da pressão psicológica, certos comportamentos não são mais tolerados e tratados como excessos. Os self made men não têm mais espaço na sociedade moderna. O medo ao qual o homem organizacional cede leva à sua infantilização e estupidificação, pois ele sempre tem de se adaptar à situação em que se encontra, sem reclamar. Como se trata de uma personalidade sem força, a tendência é de aglutinar em grupos e exercer força através deles. Há implicações até mesmo fisiológicas dessa cultura, como a diminuição do nível de testosterona e o fomento do homossexualismo. Este último como resposta à covardia típica do homem organizacional. Um dos traços de personalidade mais fomentado é a rápida adaptação a novos moldes de julgamento e conduta, ou seja, a total falta de caráter do indivíduo. A mudança civilizacional, hoje, se dá pela mudança sutil de códigos, e não mais pela mudança abrupta como antigamente. A manipulação social é a base da cultua moderna. Por definição, isso é totalitarismo, porque o homem organizacional é impotente mediante o estado. Esse sistema em que há eleições e um véu de democracia, mas que, no fundo, impera o poder do Estado é o que se chama de democracia totalitária. Os meios de pressão da Nova Ordem Mundial têm a característica de tomarem a ciência como autoridade. E isso se aplica, especialmente à classe médica. A única maneira de se escapar disso é através da desaculturação, ou seja, de não aceitar essa cultura vigente e buscar nos clássicos outras referências.

Exercício de categorizar os objetos do escritório.

Classificação das personagens de ficção segundo Nothrop Frye: Primeiro grau, poderes divinos; segundo grau, poderes divinos mas não onipotência; terceiro grau, uma pessoa de alta qualidade mas sem poderes divinos; quarto grau: zé ruela; quinto grau: o sujeito completamente impotente.

A classificação requer a visão direta dos objetos, que só o ser humano possui. Não é possível deduzir categorias através da lógica, portanto um computador não poderia fazer isso. “A posição real do filósofo perante a experiência real se torna translúcida através do exercício da classificação e do cruzamento das classificações.” Uma ciência é um conjunto de claves classificatórias.

Aula 37 (19-12-2009) – 28-01-2019, Perugia

Segundo o filósofo persa Shihab al-Din Suhrawadi, existem os seguintes tipos de filósofos:

1º. Um filósofo divino proficiente na filosofia intuitiva, mas ao qual falta a filosofia discursiva;

2º. Um filósofo ao qual falta a filosofia intuitiva;

3º. Um filósofo divino proficiente tanto na filosofia intuitiva quanto na discursiva;

4º. Um filósofo divino proficiente na filosofia discursiva, mas de habilidade média ou fraca na filosofia intuitiva;

5º. Um filósofo proficiente na filosofia discursiva, mas de habilidade média ou fraca na filosofia intuitiva;

6º. Um estudante só da filosofia intuitiva; e

7º. Um estudante só da filosofia discursiva.

Se acontecer que em algum período houve um filósofo proficiente tanto na filosofia intuitiva quanto na discursiva, ele será o regente por direito e o vice-regente de Deus na Terra. Se acontece que não é esse o caso, (…)

A filosofia intuitiva é aquela que apreende a natureza simbólica dos escritos que foram legados pelos filósofos de antigamente. São aqueles capazes de fazer a reconstrução imaginativa do exercício de leitura lenta e apreender a realidade simbólica genuína evocada pelo autor. A filosofia discursiva é aquela que consegue descrever a natureza simbólica. Na escala de Suhrawadi, o mais importante é o filósofo tanto discursivo quanto intuitivo, depois o puramente intuitivo e, por fim, o puramente discursivo.

O filósofo intuitivo é chamado de polo, e é o vice-regente de Deus na Terra, independente do seu poder temporal. Aqui entra a seguinte sutileza: o intuitivo capta a natureza simbólica profunda, que é o próprio Logos. Deste modo, necessariamente, as coisas vão acontecer conforme os seus conhecimento porque, se eles representam o Logos, não há outro meio das coisas acontecerem. O polo é aquele indivíduo cujas palavras abrangem o horizonte inteiro de possibilidades de uma época ou de várias épocas adiante, como Aristóteles.

Os escritos antigos serem simbólicos, significa que são constituídos por matrizes de intelecções. Esta é a própria natureza de um símbolo, ele condensa toda uma rede de significados. Então, uma obra dessas não pode ser interpretada discursivamente, mas contemplada através do todo. Ela não é feita para ser analisada ou refutada, porque é da contemplação que surge o seu significado simbólico. O símbolo em si mesmo não criticável nem refutável, o que é refutável são os conteúdos discursivos extraídos deles.

De acordo com Aristóteles, a causa final da existência humana é a vida contemplativa. O conceito de forma depende da causa da final, e, portanto, todas as causas intermediárias dependem dessa causa final. Então, a constituição do ser humano, desde a sua concepção, é voltada a essa causa final e é moldada justamente pela alma, que é esta potencialidade. Não há como explicar a atividade psíquica em termos de reações físico-químicas do organismo. O conhecimento e as atividades superiores não se dão no cérebro, mas na relação entre a atividade cerebral e um objeto da realidade. No universo de Aristóteles, tudo é movido pela causa final. O conceito de atração de Aristóteles significa atração para a causa final. O Logos divino é a totalidade das fórmulas matemáticas de tudo o que pode acontecer.

Revolução é a proposta de um futuro melhor mediante a concentração de poder.

Aula 38 (26-12-2009) – 29-01-2019, Perugia

Não é possível que o universo todo seja composto somente pela matéria, pois a matéria tem que se organizar através de formas que são possíveis ou não. Portanto, necessariamente, deve haver alguma coisa externa ao universo material que o ordene. Por outro lado, a possibilidade é limitada pela sua própria estrutura, mas não por fatores exteriores. Existem coisas que não são possíveis simultaneamente, mas que podem existir se houver uma distância temporal entre elas. Além disso, o conceito essencial de um ente deve ser compatível com todas as mudanças que ele possa vir a sofrer.

Por outro lado, a segunda lei da termodinâmica implicaria o fim do universo, e não a sua expansão. O fato dele não terminar implica que o tempo todo são injetadas novas possibilidades que impedem que ele se decomponha e acabe. Neste sentido, a regeneração do universo é análogo ao perdão da alma humana, pois impede que essa se dissolva naturalmente.

O milagre é simplesmente a manifestação concreta da onipotência.

Na segunda parte da aula, o Prof. fala sobre as adversidades e os três métodos que permitem vencê-las: o homem morto, o marginalizado e a força perante a adversidade.

Aula 39 (02-01-2010) – 30-01-2019, Perugia

A língua portuguesa perdeu a segunda pessoa tanto do singular quanto do plural. Esse prejuízo é notável quando tentamos aprender uma outra língua, especialmente latina, como o italiano. O inglês não tem esse problema pelo modo como os verbos são conjugados. Talvez aí esteja a origem dessa perda, porque o inglês é a língua mais influente no Brasil, hoje. Isso insere a necessidade de se fazer rodeios para se referir diretamente a uma pessoa. O uso de ‘você’ tem esse problema, porque ele não se refere a uma pessoa diretamente, mas um estado dela. Tanto que se usa ‘você’ com a forma da teceira pessoa, e não da segunda. Usa-se você vai e não você vais. É realmente como se referir uma terceira pessoa que representa a segunda. O Prof. usa esse exemplo para mostrar o nível de degradação do idioma vigente no Brasil. Outra perda notável é o uso de pronomes oblíquos, completamente abandonados em português. Em italiano, por exemplo, usa-se pronomes o tempo todo, no Brasil é coisa de gente chique.

Depois de adquirir uma certa carga de conhecimento, estaremos necessariamente distanciados do horizonte de consciência das pessoas comuns. Portanto, elas não terão a capacidade de nos compreender, mas é nosso dever compreendê-las e dá-las compreensão.

Uma das características da personalidade sólida e estruturada é a necessidade de pouca afeição e de pouca aceitação de grupos sociais.

Sinceridade é pensar as coisas como elas efetivamente se apresentaram. A sinceridade não reside só no dizer, mas no perceber também.

Aula 40 (09-01-2010) – 31-01-2019, Perugia

A paralaxe cognitiva ocorre quando há defasagem entre o eixo do texto e a realidade, quando o texto expressa a situação real que o inspirou, ou seja, quando o livro contradiz a experiência a realidade vivida da qual ele emergiu. Ou seja, ocorre uma falha quando se tenta fazer a reconstrução imaginativa do texto.

A mentalidade revolucionária tem três inversões: sentido do tempo, relação sujeito-objeto e responsabilidade moral. Onde há mentalidade revolucionária a paralaxe cognitiva já foi embutida como um dos elementos. A paralaxe cognitiva não exige a inversão total.

Segundo Hegel, a estrutura da realidade é composta por um espírito (Geist), que não é bem definido e que se manifesta através da criação da natureza, mas a natureza é a negação do próprio espírito. O ser se torna concreto através da realização da natureza. O espírito cria o seu oposto que é a natureza física e se aliena nela. Esse conflito entre o espírito e a natureza perpassa a história humana e se manifesta nas várias formas humanas de alienação. O ser, antes de se determinar mediante a criação da natureza, é idêntico ao nada. Se o espírito tem o poder de se determinar, então ele não pode ser idêntico ao nada, e esse é o grande furo da teoria de Hegel. Ao final deste processo, quando o espírito consegue reaver a sua identidade pela criação, tudo é reintegrado de volta ao espírito, portanto seria o fim da alienação humana e surgiria o Estado perfeito.

A teoria de Karl Marx faz o equivalente da teoria de Hegel no mundo material, embora ele não chegue a definir um conceito de matéria que seja compatível com as ciências da natureza. O foco de Marx era o trabalho, por isso a sua obra foi de cunho econômico. Marx se persuade de que o Estado ideal de Hegel é o socialismo. Portanto, aí surge a primeira inversão, temporal, de O Capital.

Como primeiro exemplo, o Prof. usa a passagem em que Marx define a noção de trabalho abstrato. Depois de se abstrair todas as propriedades físicas de um produto, faz-se o mesmo com as características do trabalho realizado para fabricá-lo. Com isso se chega à noção de trabalho sem nenhuma especificação, apenas como o esforço desprendido para fabricar o produto, seja ele qual for e, portanto, é equivalente para qualquer mercadoria. Marx então diz que o valor de uso é então dado pelo valor do trabalho abstrato. Aí reside uma inversão, porque o valor do trabalho só pode ser dado pelo seu valor de uso, e não o contrário. Em seguida, Marx cria o fetichismo da mercadoria para consertar essa besteira, ou seja, como duas coisas que têm a mesma quantidade de horas de trabalho investidas podem ter preços diferentes, a relação entre os valores das dias mercadorias é explicado pelo fetichismo, ou seja, a mercadoria se torna um fetiche que distorce o seu valor. Então, na verdade, o conceito se relaciona à própria teoria de Marx e não ao objeto em si. Então temos uma inversão sujeito-objeto.

Aula 41 (16-01-2010), 01-02-2019 e 04-02-2019, Perugia

Existe um simbolismo profundo que é captado pela arte sacra, seja de qual religião for, e constitui as ‘constantes do espírito humano’. Existem certos universais da mente humana que determinam o conjunto da nossa percepção da realidade. Então essas constantes são supra-históricas. Mas essas constantes são leis objetivas que presidem o conjunto da realidade. Uma vez decifradas essas constantes através do simbolismo que as transmite, esse conjunto de conhecimentos se chama Tradição Primordial. Então haveria uma supra-religião primordial que remonta à própria origem da espécie humana; que se complica com a multiplicação das religiões.

Um dos sentidos em que se pode entender a Tradição Primordial é que ela está sempre presente no espírito humano, ela não pode ser perdida porque ela é a ordem divina que estrutura a ordem cósmica que estrutura a ordem humana. Outro sentido, é que a Tradição Primordial seria mantida por um sacerdócio pre-histórico que tem uma continuidade secreta ou discreta ao longo do tempo, sendo fornecedor de iniciações, havendo uma sede secreta localizada no oriente e chamada agartha. Essa é a interpretação de Guenón. A primeira interpretação é bem provável que seja verdade.

Guenón advogada essa visão, baseada numa obra que era uma narrativa de uma suposta testemunha, mas que depois foi provado que era fraude. Também foi demonstrado que nenhuma das fontes de Guenón eram orientais, e consistiam, basicamente, de charlatães que o desprezavam. Apesar disso, as suas obras contém contribuição extremamente importantes.

Durante o período do Iluminismo, quando surgem as seitas ocultistas, o debate entre cristãos e ateus se tornam inócuos porque os cristãos não souberam se articular fora da sua própria doutrina. Combatiam os ateus apenas classificando-os como ateus, o que é um ingenuidade, para não dizer burrice, atroz. Em suma, os cristãos acabaram perdendo contato com esse simbolismo remoto que foi trazido de volta pela turma do Guenón.

Guenón fala então do esoterismo cristão, se referindo a duas organizações: a maçonaria e a companheiragem. Mas a maçonaria não tem indícios de existência antes do século XVI. Além do mais, é garantido pelo próprio Cristo que não existem mistérios na fé, que todo o seu ensinamento foi público. Tanto que o próprio Schuon admitia que a iniciação cristã estava toda constida nos sacramentos.

A ciência sacra, gravada em símbolos, é o suporte intelectual da fé. O conhecimento da existência e das qualidades de Deus não é matéria de fé, mas de inteligência racional. Sem o suporte sensível gravado na arte sacra, que ajude a ter um deslumbre da doutrina sagrada, a fé fica desarmada intelectualmente e imaginativamente. Na modernidade, a palavra “fé” tem o sentido de uma aposta irracional, justamente por esse desaparecimento do simbolismo sacro. O precursor dessa definição foi Kant, para ele existe aquilo que é matéria de conhecimento puramente formal como a lógica e a matemática, ou ao que é dado pelos sentidos. Deste último se tira as conseqüências que as ciências naturais subscrevem. Então, a tradição anterior dizia que tudo o que acontece no universo é símbolo das realidades divinas, então não há modo de compreender a natureza somente por fatos brutos, mas é necessário compreendê-la simbolicamente. Se a linguagem de símbolos é perdida, os fatos do mundo só podem ser observados de acordo com os critérios das ciências modernas.

Um dos aspectos que se perdeu foi o simbolismo dos números. Sem isso, a matemática se tornou apenas uma ferramenta quantitativa, ou seja, os números perderam as suas formas lógicas significativas, como, por exemplo, a unidade e a dualidade. O maior trabalho de restauração do simbolismo matemático foi feito por Mário Ferreira dos Santos. Um segundo aspecto é a perda do sentido simbólico da realidade exterior, tornando o sentido simbólico da natureza apenas uma figura de linguagem, na qual os fenômenos da natureza retratam apenas aspectos emocionais.

O universo dos grandes intelectuais da antiguidade, como Dante e Santo Tomás de Aquino era o mesmo dos camponeses analfabetos, com a diferença que um Dante tinha uma compreensão muito maior desses simbolismos. No mundo moderno a linguagem das ciências é incomunicável com o mundo do cidadão comum.

Aula 42 (23-01-2010), 05-02-2019, Perugia

Na primeira parta da aula o Prof. fala sobre a situação do debate intelectual brasileiro, a calamidade que se encontra e a total ausência de revistas culturais minimamente decentes. Já conhecemos muito bem tudo isso.

Em seguida, fala da mecânica quântica, como ela, apesar de ser a teoria mais bem sucedida, em termos de comprovações experimentais da história, não permite obter conhecimento porque tudo o que se sabe são relações estatísticas. O que está por trás dessas interpretações estatísticas pode ser: algo a que nunca teremos acesso, um conjunto de regras não descoberto pela ciência ou a total incoerência. Ou seja, a mecânica quântica criou uma técnica de mensuração e descrição que não permite formular claramente o problema que ela enuncia.

O conhecimento científico no sentido moderno começa limitando os fenômenos a serem estudados, o campo de manifestação no qual eles serão estudados, as perguntas que poderão ser feitas, os métodos que serão empregados e as conclusões que se pode tirar. A ideia de divisões da ciência partem do pressuposto de que elas correspondam a divisões objetivas da estrutura da realidade, assim surgiu a divisão entre a ciência naturais e ciências humanas. Como não existe uma ciência que estude as divisões da realidade, não temos confirmação se este é um modelo válido. Esta ciência seria a ontologia ou teoria geral do ser, mas ela não pode ser praticada pelos métodos da ciência que está pressupondo a sua existência. Uma ciência entra em crise quando ela retroage sobre o seu próprio conjunto de métodos. Para que uma ciência jamais entrasse em crise, seria necessário que o recorte inicial fosse absolutamente certo e que jamais chegasse a contradições. Mas isso é impossível porque os recortes não são baseados na estrutura objetiva da realidade, mas no conhecimento que se tem dentro de certa comunidade em certa época. O Prof. também faz objeções ao debate do design inteligente e teoria da evolução.

Aula 43 – (30-01-2010) – 12-03-2019, Perugia

A ciência recorta um determinado campo de fenômenos e procura um princípio causal comum que possa unificá-los. Em outras palavras, a ciência pega fenômenos que em aparência não estão relacionados e os reduz a um princípio comum. A técnica faz o contrário, parte de várias correntes causais já conhecidas e as unifica em um determinado objeto ou processo, visando produzir um determinado resultado. O princípio unificador da técnica é, então, o resultado e não um conhecimento. Nenhuma das correntes causais empregadas numa técnica se unificam. O objetivo da ciência é encontrar um princípio comum que explique e enuncie, simultaneamente, um campo inteiro de fenômenos. Então, geralmente se faz uma confusão quando se afirma o avanço da ciência através do avanço da tecnologia, ou seja, que a tecnologia avança graças à ciência, mas, geralmente, é o contrário. São os novos equipamentos tecnológicos que permitem novos avanços da ciência. Todo cientista experimental sabe que, muitas horas, a pesquisa trava em situações nas quais os equipamentos disponíveis no mercado não atendem ainda a certas especificações.

Uma teoria filosófica é qualquer concepção do mundo criticamente fundamentada. Toda a filosofia de uma pessoa não pode ser contida nos textos produzidos por ela, porque compreende toda a existência do filósofo e as suas experiências anteriores. O texto filosófico é o ponto de partida para se reconstruir a experiência originária daquela filosofia. Esse é o ponto central do COF até agora, e que o Prof. vem insistindo desde a aula sobre a importância da literatura. A partir dos escritos de um filósofo podemos extrair a estrutura interna do seu pensamento, que chamamos de filosofema. Um filosofema é o enunciado de um princípio que o sujeito pretende demonstrar e os passos necessários para essa demonstração. O texto norteia o caminho, mas é preciso complementá-lo imaginativamente para reconstruir o seu mundo interior. Durante o ensino de filosofia, o comum é que se aprenda o que essas filosofias têm a ensinar e se acrescente uma coisa ou outra. Só se cria uma nova filosofia quando as correntes não têm a capacidade de responder às perguntas que se faz. Como o aprendizado de filosofia envolve entrar nesse mundo interior dos filósofos, o ensino de filosofia serve para criar novos filósofos e não novas filosofias. A filosofia é a articulação entre o conhecimento, aquilo que é aceito como verdadeiro, e a consciência humana.

Fábio Ardito

Pelo mundo atrás de treta.

Este post tem 2 comentários

  1. .

    Por favor, continue! muito bom o trabalho de síntese.

  2. Lara

    Gostaria de agradecer pelo seu trabalho, com certeza irá me ajudar muito em meus estudos!

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