Hoje em dia, um dos conceitos mais básicos sobre o homem anda completamente perdido. Esse fato, por si só, já é um sinal de que deixamos de compreender o que significa a inteligência.
No paradigma atual, nosso conceito de inteligência está ligado aos computadores. Pensamos na inteligência como a capacidade de fazer contas de forma precisa e rápida e, também, de resolver problemas lógicos complexos. No imaginário popular, a pessoa inteligente é, basicamente, um matemático ou um cientista habilidoso. Acontece que isso está completamente errado.
A diferença entre o homem e os animais
Para começar a entender o que significa inteligência, precisamos olhar para aquelas características que fazem o ser humano ser diferente dos outros animais. É bastante óbvio que os animais possuem sentimentos, alguma memória e são capazes de fazer conexões lógicas.
Quem tem um pet em casa sabe bem dessas coisas. Eles são capazes de lembrar quando foram destratados por alguém, por exemplo. Em casa, a gente tinha uma cachorrinha que não podia ver a vizinha na frente. Isso aconteceu porque, um dia, essa vizinha tentou bater nela com uma vassoura. Por mais que seja uma memória rudimentar, é uma memória. Do mesmo modo, o seu cachorro gosta de você porque tem memórias agradáveis a seu respeito.
Os animais também têm raciocínio lógico
Os animais também conseguem realizar proezas da geometria. Por exemplo, os gatos conseguem saber exatamente com qual ângulo saltar para subir num muro. Aliás, você já reparou que um gato nunca pula mais alto do que precisa? Eu fico de cara com a precisão felina. A gente sempre teve gato em casa, e cada um deles era capaz de realizar algum tipo de proeza!
Outros exemplos dessas coisas vão aos montes. Meu pai tem o costume de dar ração pro gato antes de dormir. Então ele escova os dentes, alimenta o bicho e vai pra cama. Acontece que o gato descobriu a lógica da coisa. Quando ele quer ração, em qualquer hora do dia, o que ele faz? Vai na porta do banheiro e começa a miar, é lógico!
Apesar de todas essas coisas, os animais não são capazes de fazer construções elaboradas. Eles conseguem fazer ninhos e casinhas, mas sempre muito rudimentares e, quando são bem feitas, são iguais em toda a parte, como as colmeias das abelhas. Isso revela que, nesses casos, parece que a coisa está embutida na própria genética do bicho.
A linguagem e a imaginação
Entretanto, também é fácil notar que a maior diferença entre os homens e os animais está na linguagem. Nenhum animal possui um sistema tão complexo quanto a fala humana e, muito menos, a escrita. Por mais rústico que seja um determinado idioma humano e por mais elaborada que seja a comunicação entre chimpanzés, existe uma lacuna intransponível entre as duas coisas.
Toda cultura humana, por mais rudimentar que seja, vai ter alguma forma de poesia que conta uma narrativa mítica a respeito do surgimento da tribo. Não existe nenhum grupo de animais que consiga chegar perto disso.
Portanto, acho que a linguagem já está claro que é a primeira pista para responder o que significa inteligência. Mas ainda falta alguma coisa.
Para elaborar poesias e narrativas é preciso um outro elemento, que é a imaginação. Você não pode escrever uma redação sem ter imaginado todas aquelas coisas antes. Pode não ter saído exatamente como você imaginou, mas alguma relação grande tem que ter.
Portanto, já dá pra ver que a inteligência tem a ver com duas coisas. A capacidade de criar e a de representar. Por isso mesmo, a inteligência sempre vai estar relacionada à arte. Tem aqueles chimpanzés e elefantes que pintam quadros e tal, e muita gente chama aquilo de arte.
No entanto, sejamos francos, aquilo não passa de reflexo dos instintos do animal. Acontece que muita gente chama aquilo de arte porque a própria arte moderna se degenerou a ponto de não ser mais distinguível de um rabisco feito por um animal. Isso mostra não uma proeza dos animais, mas a perda de inteligência dos artistas.
A inteligência significa conhecer mais figurinhas
Essa é uma frase atribuída a Leibniz (o cara da foto da capa do artigo), que foi um filósofo e matemático concorrente de Isaac Newton. Há quem diga que ele foi a pessoa mais inteligente que já habitou a Terra.
O que ele quis dizer com figurinhas? É muito simples. A nossa mente trabalha com símbolos. Tudo o que conhecemos se torna figurinhas na nossa cabeça. Por exemplo, pense numa vaca. Pensou? Não te parece uma figurinha na cabeça, como uma carta de super trunfo? Pois então, essa é a ideia.
A imaginação é a capacidade de pegar essas figurinhas e explorar as suas possibilidades. Você pode imaginar todas as coisas que uma vaca é capaz de fazer e criar uma história com ela. Daí você pode pensar numa outra figurinha, como uma árvore. Juntando as duas, pode criar uma imagem mais complexa, como uma vaca dormindo embaixo de uma árvore. Agora, vamos pegar a figurinha mato, e podemos ter uma vaca comendo mato embaixo de uma árvore. E assim a coisa vai, podendo se tornar tão complexa quanto o conjunto dos romances de Balzac, que formavam uma sociedade fictícia completa. O Balzac tinha uma coleção de figurinhas interminável. Isso significa que ele tinha uma inteligência realmente aguçada, um verdadeiro gênio.
Colecionar figurinhas significa acumular símbolos que estimulem a inteligência
O importante é que quanto mais figurinhas você colecionar, mais relações e histórias será capaz de criar. Sendo capaz de criar todas essas coisas, o passo seguinte será aprender a distinguir o que pode do que não pode acontecer.
Vamos imaginar duas vacas. Uma deitada no pasto e outra sentada num fio de poste, igual a um passarinho. O segundo cenário não tem como acontecer. Sabemos que ele é uma impossibilidade porque o fio não suportaria o peso da vaca. Ela poderia ter ido parar lá colocada com um guindaste, isso é evidentemente possível, mas o resto da situação soa meio bizarra, né?
Então, quem tem mais figurinhas consegue formular mais cenários. Desses cenários, alguns poderão ser verdadeiros e outros não. Se somos capazes de distinguir entre os possíveis e os impossíveis, temos mais chances de fazer coisas que funcionem.
Como funciona a imaginação
Vamos ver outro exemplo para entender bem esse processo. Imagine um médico que precisa fazer o diagnóstico de um paciente (use as suas figurinhas!). Ele começa tentando encontrar todos os sintomas. A cada um deles, corresponde uma figurinha, de tal modo que ele agrega todas essas figurinhas e vai completando com as figurinhas das doenças possíveis. Confrontando as doenças possíveis com os sintomas, ele vai descartando aquelas que não parecem possíveis até chegar em duas ou três possibilidades. Então, ele solicita um exame que é uma figurinha que vai completar a narrativa e permitir dar o diagnóstico correto.
A diferença entre um médico e um não-médico, portanto, se deve quase que exclusivamente ao conjunto de figurinhas que o sujeito possui. Ele passa anos na faculdade de medicina justamente para acumular toda essa cultura médica e poder realizar o processo todo.
É claro que ele também precisa desenvolver outras habilidades na faculdade, mas elas são secundárias. Sem ter essa coleção de doenças, sintomas, fisiologia e todos os conhecimentos médicos na cabeça, não adianta nada saber usar um bisturi com maestria.
Portanto, uma pessoa inteligente é a que consegue criar mais cenários possíveis e que também tem a capacidade de distinguir os prováveis dos improváveis.
Como colecionar figurinhas
O meio mais fácil de colecionar figurinhas é através da estimulação da imaginação. Se você quer ser inteligente, comece lendo a maior quantidade de obras de ficção que você puder. Leia tudo. Não se preocupe em ler somente o que chamam de grandes clássicos. Isso é pra quem já tem alguma prática.
Além do mais, no Brasil, a noção que a gente tem de cultura é um negócio meio gourmet. Pro brasileiro comum, alta cultura é ficar discutindo a filosofia inútil de Foucault tomando vinho francês num bistrô. Quanta besteira! Fuja dessas coisas como se fosse o COVID-19!
Outro problema aqui do Brasil, é a formação do imaginário. Ela é extremamente deficiente justamente porque se tem essa coisa de cultura gourmet. Se você quer uma sugestão, e tem pouca prática de leitura, comece humildemente com a Coleção Vaga-lume. São histórias simples mas vão te estimular o suficiente. Depois de ler uns 15 ou 20 livros, você vai naturalmente passar para os mais clássicos. Parece que 20 livros é muito né? Se você ler um por semana, que é bem fácil, em menos de cinco meses já matou a tarefa. Faça esse experimento e depois volte aqui contar o resultado. Te garanto que você vai estar muito mais inteligente do que antes!
Filmes também são úteis
Também não subestime os filmes. Se você não tem muita paciência para ler, pode começar a ver filmes. Tente passar por todos os gêneros, isso vai te dar uma coleção de figurinhas visuais muito grande. Os filmes antigos, em preto e branco, são excelentes para estimular a imaginação porque eles não possuem grandes efeitos especiais. Assim, é você quem tem que fazer o trabalho de preencher a narrativa na sua cabeça!
Quando fizer essas coisas, vai começar a notar como o seu modo de se comunicar vai melhorar muito. O seu entendimento das pessoas também vai dar um salto e a sua capacidade de descrever coisas e situações vai para outro nível. Aí é que você vai descobrir o que é ser inteligente.
Mito: a inteligência não significa capacidade lógica
A capacidade de fazer conexões lógicas entre as coisas é muito mais um instinto do que uma forma de inteligência. Acho que, com o exemplo do gato do meu pai, isso já ficou bem claro.
Mas, ainda assim, temos a ideia errada de que o QI seja uma medida de inteligência, mas ele não é. O QI é uma medição da velocidade de raciocínio, no fim das contas. Se você já fez um teste desses, deve ter notado que ele consiste em encontrar relações entre figurinhas.
Esse é exatamente o mesmo processo que descrevi ali em cima, com a diferença de que as figurinhas são dadas, não precisam estar na imaginação do sujeito testado. Além do mais elas são abstratas, de modo a exluir fatores culturais do teste, já que a ideia é justamente eliminar a influência do conhecimento já adquirido. Assim, o QI é muito mais uma medida de velocidade do que de inteligência, apesar de poder indicar deficiências cognitivas se for menor que uns 75. Entretanto, saber o seu QI é muito útil para melhorar a sua inteligência, como veremos mais adiante.
Ter QI alto não significa ter inteligência
Uma pessoa com QI alto tem muito mais velocidade para testar combinações que uma de QI baixo. Então, alguém com QI alto e muita cultura vai ser um gênio, porque ele vai ter muito material para trabalhar e vai conseguir combinar tudo em tempo hábil, além de distinguir com facilidade o que é provável do que não é.
Já uma pessoa com QI alto e pouca cultura não vai ser capaz de fazer muita coisa, porque ela não tem muitas figurinhas para combinar. O resultado é ficar combinando sempre as mesmas figurinhas muito rapidamente. É bem comum encontrar gente assim no meio acadêmico. Uma característica bem comum delas é o de interpretar o mundo baseado exclusivamente na linguagem da ciência que estudam. Por exemplo, um físico com QI alto e pouca cultura vai querer interpretar tudo a partir de leis da física, até Deus. É lógico que isso não é inteligente.
Por outro lado, quem tem QI mais baixo pode, ainda assim, ser inteligente. Para isso, basta ler muito e criar uma coleção de figurinhas bem grande. Com o tempo, a habilidade de ser mais certeiro para criar as combinações vai aparecendo e compensa a falta de velocidade. Já vi isso acontecendo com muitos colegas e alunos. O segredo é ser persistente.
E o amiguinho com QI baixo e preguiçoso, que não gosta de ler? Bom, esse aí pode amarrar na carroça que já tá de bom tamanho pra ele. Ainda assim, essas pessoas costumam ser teimosas e vão insistir em puxar a carroça pro lado errado. O resultado vai ser tomar chibatada da vida de tudo que é lado.
Faça um teste de QI, não dói
As pessoas costumam ter medo de testes de QI. Entretanto, é uma excelente ideia fazer um para ter uma ideia do que você é capaz. Se der um número alto, ótimo. Se der um baixo, não tem problema. A única coisa é que você sabe que tem que estimular a sua imaginação o máximo possível.
De todo modo, pra quem tem QI alto ou baixo, a única saída para se tornar inteligente é adquirir muita cultura. Ninguém escapa disso, só muda a velocidade do processo.
Os maiores inimigos da inteligência
Como já havia observado Santo Agostinho, lá no século XII, os maiores inimigos da inteligência são os vícios. Aqui, um vício não tem o sentido de alcoolismo ou uso de drogas. Santo Agostinho usa vício no sentido de contrário da virtude.
A vaidade significa o bloqueio da inteligência
Assim, podemos listar algumas atitudes que irão fatalmente prejudicar a inteligência e vamos entender muito be o porquê. O maior vício contrário à inteligência é, sem a menor sombra de dúvida, a vaidade.
A vaidade impede que o sujeito entenda as suas deficiências e, portanto, bloqueia qualquer possibilidade de expandir a sua coleção de figurinhas e a sua imaginação. O pior tipo de vaidade é aquele do sujeito que acredita firmemente ser muito inteligente. Esse aí está condenado ao fracasso e à uma vida infeliz.
Na minha vida, conheci muita gente assim. Geralmente, são pessoas que obtiveram algum sucesso, especialmente profissional, e se acham extremamente inteligentes por isso. Essas pessoas sempre falham nas horas críticas e, no final, sempre descobri que todas eram incrivelmente incultas. É muito nítido que pessoas vaidosas tenham problemas graves de imaginação.
Quando surge alguém mais inteligente que elas, suas personalidades se desmancham. Terminam no ódio puro e simples, especialmente às coisas que desconhecem. Por outro lado, quem é humilde ama as coisas que não conhece, justamente porque enxerga ali uma oportunidade de crescer numa direção desconhecida.
O vaidoso, ao contrário, se bloqueia. Finge desprezo pelo que desconhece e se fecha no seu mundinho. Com isso, a inteligência vai atrofiando mais e mais. O resultado certo é a frustração e o ódio crescente. Não é a toa que, na tradição cristã, o demônio surja justamente desse sentimento e seja o símbolo máximo do ódio. Em outras palavras, o demônio é burro. Posso garantir que toda burrice intencional é baseada em maldade.
A covardia
Outro vício mortal para a inteligência é a covardia. Não é preciso apenas humildade para aceitar sua ignorância perante o mundo, mas também é necessário coragem para enfrentá-la.
Muitos obstáculos podem surgir quando se constata a própria ignorância. Pode ser medo de enfrentar suas próprias deficiências ou a necessidade de ter que fazer alguma coisa que te deixa inseguro. Freqüentemente, quem busca a inteligência entra em conflitos com outras pessoas. É preciso coragem para enfrentar essas situações e seguir o seu caminho.
Existem muitas outras situações em que a sua coragem vai ser testada. Pode acontecer de você sentir a necessidade de fazer uma viagem para conhecer determinadas coisas. Sem coragem de gastar dinheiro ou ter que deixar um trabalho ou encarar um outro país, as coisas não vão funcionar. Comigo já aconteceu isso. Tive que decidir entre a vida estável ou perseguir as coisas que realmente têm significado pra mim.
A indolência intelectual
Aqui no Brasil, muita gente vai se opor à sua busca de inteligência por causa de um sentimento chamado indolência intelectual. A maioria dos brasileiros se sente esmagada pelo conhecimento e, por isso, tomam a decisão de desprezar essas coisas todas. Isso é uma combinação de vaidade e covardia, obviamente.
Essas pessoas vão sempre tentar te desviar do seu caminho com banalidades como jogos de futebol, videogame, cerveja e churrasco. Tudo isso é muito bom e necessário, mas se você quer ser inteligente, é bom reduzir a dose. Aqui também entra a coragem, porque seus amigos podem se opor a você, mas não caia nessa. Você já viu o destino dessas pessoas? Sabe o tiozão barrigudo de bar? É isso que você quer da sua vida? Isso significa que você vai ter que abrir mão de coisas que, na verdade, possuem muito pouco valor perto da sua inteligência.
Alguns, mais elaborados e limpinhos, vão usar a religião para isso. O apresso excessivo pela castidade, por exemplo, serve de desculpa para não ler romances, já que podem ter cenas de sexo. Ou, ainda, criar vícios como o de somente ler livros sobre a vida dos santos. Nesse caso, todas as figurinhas referentes aos pecadores ficarão faltando. Como conseqüência, o sujeito perde a habilidade da confissão sincera. Se a moral e a religião viram muletas para não ter que estudar, o máximo que você vai conseguir é ir parar no inferno sem transar. Que bela proeza, não?
Aqui também entra a coragem de enfrentar a situação. Tornar-se inteligente leva anos, dá muito trabalho e custa caro. Vai custar, também, muitas amizades e gerar um certo isolamento. Mas, um dia, você encontra os seus pares. Pelo menos é o que dizem. Eu ainda não achei os meus.
Como se tornar inteligente
Como esse ensaio já está meio grande, e já deu pra entender o que significa a inteligência, vou deixar esse assunto para um próximo artigo, que deverá sair muito em breve! Não deixe de seguir o blog e compartilhar o conteúdo, assim você me ajuda a fazer o meu trabalho crescer! Talvez tenha interesse na minha análise sobre o simbolismo do inverno e sobre o papel do calor na cultura brasileira! Não deixe de ler e compartilhar!